BRASIL - A celebração afro-brasileira Bembé do Mercado, que comemora o fim da escravidão e reforça a resistência dos povos negros, é o mais novo Patrimônio Cultural do Brasil. A festa pela liberdade, realizada em Santo Amaro (BA), foi avaliada e aprovada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. A celebração teve início em 1889, um ano após a abolição da escravatura.
Assim, há 130 anos, todo dia 13 de maio é momento para rememorar a luta pela liberdade e a resistência dos povos negros, primeiro como escravizados, depois como cidadãos. Os praticantes dessa expressão cultural, que tem forte base na religiosidade popular de matriz africana, reforçam que a festa é um culto às divindades das Águas representadas por Iemanjá e Oxum, sendo também momento de agradecer a proteção individual e coletiva.
O pedido para registrar a celebração foi apresentado ao Iphan pela Associação Beneficente e Cultural Ilê Axé Ojú Onirè em 2014. O presidente da Associação, Jose Raimundo Lima Chaves, conhecido como Pai Pote, avalia que a titulação como Patrimônio Cultural do Brasil será muito positiva, pois valorizará não só o povo de terreiro, como também a comunidade negra da diáspora africana.
“Estou orgulhoso de ver o crescimento dessa celebração já reconhecida tanto pelo município de Santo Amaro quanto pelo estado da Bahia. Agora esperamos que o reconhecimento seja de todo o Brasil”, comemorou Pai Pote.
Existem diversas teorias sobre o uso do nome Bembé, quase todas assentadas nos processos da diáspora africana. Entretanto, pesquisa realizada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Iphan com os praticantes mais antigos indica que o nome deriva de Candomblé.
O Bembé é como um balaio de história, cultura, arte e ação política que acolhe o melhor das expressões do Recôncavo Baiano. A capacidade inventiva e transformadora desta festa permitiu que ela sobrevivesse neste espaço por mais de um século, sendo um marco contra o passado escravagista. Por isso, sua relevância para a memória, a história e a cultura nacional.
“A celebração compreende uma multiplicidade de sentidos, a ser entendida e vivida de várias maneiras, sendo capaz de se integrar às histórias de vida de seus agentes entre si, na cidade e para fora dela, e por isso considerada uma celebração única”, explica a presidente do Iphan, Kátia Bogéa. “É fonte de sabedoria, de ciência, de memória, de diplomacia, de zelo e, mais do que tudo, é uma possibilidade única – como a festa – de formação de identidade”.
O Bembé se caracteriza como uma obrigação religiosa destinada às divindades das Águas para agradecer e propiciar o bem-estar da coletividade. São três momentos cerimoniais: os ritos ligados ao fundamento da festa (as cerimônias para os ancestrais, o Padê de Exu, o Orô de Iemanja e Oxum); o Xirê do Mercado e a entrega dos presentes destinados a Iemanjá; e a Oxum. Contudo, sua produção e execução envolvem diversos atores sociais, como os comerciantes locais, pescadores, ativistas políticos, brincantes de Maculelê e detentores de bens já registrados como Patrimônio Cultural do Brasil, sambadoras e sambadores de roda do Recôncavo e capoeiristas.
A festa secular tem, também, outros bens culturais associados, como a do Nego Fugido, um teatro que representa a violência da escravidão; o Lindro Amor, cortejo feminino feito para comemoração dos festejos de São Cosme e São Damião; a Burrinha; e a Puxada de Rede, todos relacionados às referências culturais da diáspora africana. Na programação da festa ainda são incluídas atividades realizadas por grupos de dança afro, grupos parafolclóricos e outros da cultura popular.
O Mercado como espaço político-sagrado e de resistência
A cidade de Santo Amaro se constituiu como núcleo açucareiro e fonte de alimentos de subsistência, tendo a escravidão como base dessa economia. O comércio realizado no Mercado local, incluindo a venda de peixes, era para os escravizados uma alternativa de obter recursos para a compra da alforria e posterior forma de sustento, sendo o espaço do Mercado também protagonista da história. Mesmo após a Lei Áurea, a população negra continuou vivendo as desigualdades econômicas e sociais, enfrentando dificuldades para a livre prática de seus cultos religiosos nos espaços internos e externos aos terreiros.
Para fazer o Candomblé, era necessário obter o aval de autoridades política, além de ocorrer em datas correlacionadas às festividades católicas. Contudo, no dia 13 de maio de 1889, sem qualquer permissão e aos modos de uma celebração religiosa de matriz africana, os filhos e filhas de santos guiados por João de Obá se uniram na Ponte do Xaréu para celebrar uma data cívica, no centro da vida pública da cidade. E assim teve início essa manifestação cultural e religiosa pública secular. A Rua, o Mar e o Mercado transformam-se em territorialidades expandidas do Candomblé, e durante o Bembé, também lhes conferem uma dimensão política, além de religiosa.
A pesquisa apresentada no Dossiê de Registro elaborado pelo Iphan descreve que, possivelmente, a presença dos capoeiristas e do povo do maculelê era essencial na festa, uma vez que atuavam como uma forma de agentes de segurança diante do Estado ameaçador e repressor.
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