Análise

Busca do prazer explica prolongamento do Carnaval, diz antropólogo

Estender o Carnaval até o máximo possível de dias reflete uma mudança de comportamento em relação às gerações anteriores.

Alana Gandra/Agência Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 11h35
(Foto: Reprodução / Internet)

BRASIL - O que leva o brasileiro a estender o Carnaval além do término oficial, na quarta-feira de Cinzas, com grande número de blocos e de foliões tomando as ruas até o domingo seguinte ao feriadão? Para o antropólogo Roberto Da Matta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a resposta é o princípio do prazer, “da sombra e da água fresca, que funciona em todo lugar do planeta e também no Brasil”.

Segundo Da Matta, todo ser humano tem necessidade de dormir bem, de comer um alimento que seja saboroso. “A nossa busca, na existência, é por coisas prazerosas”. De vez em quando, destacou, o que é prazer entra em conflito com coisas que são deveres ou obrigações. “Esses são os conflitos humanos, na maneira mais geral possível”.

Por prazer, as pessoas, no Carnaval, prolongam um período que já é um feriado grande “e raro”, disse o antropólogo. Comparativamente a outros países, destacou que o número de feriados no Brasil é recorde. “O Carnaval é uma coisa compacta, praticamente é uma semana de feriados”. Observou que o feriado carnavalesco é, no fundo, um feriado religioso. Como o Brasil foi colonizado sob o domínio da Igreja Católica Romana, o Carnaval é uma festa que sempre existiu no país desde sua descoberta. “É o calendário católico que justifica e faz o calendário do carnaval”.

A tendência atual de estender o Carnaval até o máximo possível de dias reflete uma mudança de comportamento em relação às gerações anteriores, que iam às igrejas na quarta-feira, após a folia, que é o primeiro dia da Quaresma no calendário católico. Naquela ocasião, os fiéis recebiam as cinzas, símbolo da mudança de vida e da fragilidade da vida humana, sujeita à morte.

“Isso, hoje, virou uma coisa insignificante. O Carnaval deixou de ser uma festa em que você obrigatoriamente tomava parte, e virou um feriado, que acabou sendo estendido”. O interessante, avaliou, é a ideia de “enforcar” os dias imprensados entre o carnaval e o final de semana seguinte, “para ganhar mais feriado, prolongar o período em que você fica sem trabalho”.

Roberto Da Matta disse que há uma necessidade de as pessoas se reunirem em atividades de alegria e prazer. “É como assistir a um show", comparou. Se ao final do espetáculo, o público gosta do que foi apresentado ou tocado, ele se levanta e pede “bis”. Esse é o prolongamento de uma situação de prazer, de bem-estar e de gozo espiritual ou material, “que é exatamente o que o carnaval faz”, acentuou.

Carnaval x Quaresma

Já a antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que a prorrogação do carnaval não é uma coisa tão nova assim. ”A briga do carnaval com a Quaresma é antiga. "Há muitos anos, o carnaval de Salvador e o carnaval de Recife invadiram a Quaresma”.

Com o renascimento dos blocos de rua, a tendência de estender o carnaval no Rio de Janeiro vem se desenhando mais forte. Outro exemplo do prolongamento do feriado de carnaval é dado pelas escolas de samba que desfilam há mais de 30 anos na Marquês de Sapucaí e vêm expandindo o carnaval, já dentro da semana de cinzas, até o sábado das campeãs.

Maria Laura disse que com o aumento dos blocos, essa tendência fica ainda mais forte porque os blocos hoje são mais fragmentados, mais soltos e descentralizados. Observou que essa tendência faz parte do espírito livre do Carnaval, “de não querer morrer”. Entretanto, como as pessoas necessitam viver, a vida rotineira e normal acaba voltando. O ciclo do Carnaval, porém, renasce no próximo ano, “com muita força, sempre”.

A ampliação do número de blocos e de foliões, registrada no Carnaval deste ano em vários municípios do país, ultrapassando a Quarta-feira de Cinzas, deve se manter, estimou Maria Laura. Blocos de embalo, como o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos, e os blocos de enredo dos subúrbios sempre foram fortes no Rio de Janeiro.

O fenômeno mais recente de expansão dos blocos ocorreu na zona sul da cidade. São blocos das camadas médias da sociedade, analisou. Segundo Maria Laura, a adesão da juventude das camadas médias ao carnaval de rua é uma novidade no cenário carnavalesco, mas que foi percebida a partir dos anos de 1990 para cá e está vinculada ao processo de redemocratização da sociedade brasileira. “E a tendência é se expandir mesmo para outras cidades”.

O Carnaval do Brasil é um dos maiores do mundo, atualmente não só pela pujança da festa, mas pela diversidade das expressões carnavalescas no país, disse a professora da UFRJ. “É um lugar onde o carnaval encontrou um ninho, e a tendência é expansiva, sim. É um lugar onde a própria sociedade brasileira se renova e ganha forças para encarar os problemas do dia a dia. O carnaval é uma festa renovadora."

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