Primeiros habitantes do estado ocuparam território há 9 mil anos
De acordo com pesquisas, os registros de presença humana no território do Maranhão datam deste período; elementos resgatados por especialistas confirmam sua passagem por cidades, como Joselândia e Bacabeira
Engana-se quem pensa que o Maranhão, e em especial a capital, São Luís, foi oficialmente ocupada por povos ou “grupos humanos”, como definem historiadores, em meados do início do século XVII, mais precisamente no ano de 1612, com a chegada da comitiva francesa (conforme apregoado nas versões mais reconhecidas). Pesquisas organizadas por arqueólogos, e outros estudiosos da área, apontam que os primeiros habitantes do estado chegaram por aqui há aproximadamente 9 mil anos. Suas características e costumes foram modificados com o passar dos séculos, até a chegada dos primeiros colonizadores.
Para chegar às informações sobre os povos mais antigos, foi necessário que as pesquisas se debruçassem acerca da história dos chamados sítios arqueológicos (locais que serviram de abrigo para várias destas populações). Além da descoberta de 9 mil anos, estudos apontam para registros de populações pré-históricas, datados de aproximadamente 7 mil anos, em Imperatriz (distante 630 quilômetros de São Luís). Essas revelações se aprofundaram em pesquisas iniciadas no estado, há 15 anos e aprofundadas por institutos especializados no assunto.
Antes de entender o que caracteriza cada população, especialistas apontam que deve-se levar em consideração os aspectos que norteavam o universo à época. Além das condições físicas, muitas vezes, menos apropriadas, as populações ainda, em sua maioria, não continham o grau adequado de desenvolvimento, seja nos aspectos social (no conceito básico de socialização) ou ideológico.
Caçadores do interior
Os primeiros a passar pelo território maranhense foram denominados apenas de “caçadores coletores do interior”. De acordo com os mais recentes estudos sobre o assunto, esta população era migradora e sobrevivia com habilidade no vasto litoral, nos vales dos rios e lagos, praticando a caça, pesca e se especializando na produção de artefatos de pedra. Eles ainda assavam alimentos nas fogueiras, como foi constatado na pesquisa realizada no Sítio Ranchada, em Joselândia (distante 340 quilômetros da capital São Luís), e consolidado por outras descobertas em cidades como Centro Novo do
Maranhão e Bacabeira.
Em São Luís, de acordo com pesquisas reveladas pelo documentário “Memória de Pedra”, do jornalista e historiador Marcus Saldanha, os caçadores coletores do interior foram os primeiros habitantes da Ilha, e chegaram até o território seguindo o curso dos rios e em busca por alimentos, seja de caça, coleta ou pesca. Na ilha de São Luís, há pelo menos seis sítios arqueológicos com vestígios deste grupo. O mais estudado fica no Sítio do Físico, no Parque Estadual do Bacanga, que já foi escavado por vários grupos de arqueólogos.
Os sambaquianos
Outros grupos pré-coloniais também viveram em áreas de manguezais e praias, onde se adaptavam a estes ambientes pela facilidade que estas populações tinham para extrair fontes alimentares. Nestes locais, próximas às regiões litorâneas, os desbravadores descobriam formas de aproveitamento dos ecossistemas ali existentes, caçavam, recolhiam moluscos e tinham outros hábitos, como a pesca e a construção de moradias.
Estas populações viveram em áreas denominadas por pesquisadores, como Deusdédit Leite Filho também denomina, de “sambaquis” - que séculos mais tarde se transformaram em sítios arqueológicos e usados em seguida para diferentes pesquisas. Por causa das denominações, populações destes locais eram conhecidos como “sambaquianos”. Um de seus costumes mais peculiares era o fato de enterrar os mortos, também nas áreas dos “sambaquis”.
De acordo com o exemplar “Arqueologia do Maranhão”, de Deusdédit Leite Filho e Eliane Gaspar, os chamados “sambaquis” podem ainda ser encontrados na capital maranhense – em regiões, por exemplo, onde atualmente estão bairros como o Gapara - e em cidades, como Tutoia, Alcântara, Guimarães, Porto Rico, Humberto de Campos, Apicum-Açu, Bequimão e Bacuri. Ainda são encontrados vestígios da presença de “sambaquis” caracterizados como lacustres (próximos de lagos) nos municípios de São Vicente Férrer e São João Batista.
Um dos primeiros a estudar a origem e características das populações dos chamados “sambaquis” foi o arqueólogo e geógrafo maranhense, Raimundo Lopes. Considerado um precursor da arqueologia no estado, como descreve o historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Euges Lima, Lopes desenvolveu estudos na área de arqueologia nos anos 1910 e 1920 em São Luís e na Baixada Maranhense. Segundo as pesquisas do professor
Raimundo Lopes, as populações que vivam nos chamados “sambaquis se especializaram, ao longo dos anos, na produção das chamadas cerâmicas” – originárias de objetos que tem como matéria-prima a argila associada a conchas moídas.
Um dos sítios de sambaquis tombados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a partir de 1939 é o do Pindaí, situado entre os quilômetros 22 e 23 da MA-201, entre São Luís e São José de Ribamar. Este sítio é considerado de grande importância, por “ser um dos primeiros do gênero na região”, como é descrito pelo próprio Iphan no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico da instituição.
Os povos das estearias
Outro grupo pré-histórico que viveu no território maranhense entre 200 e 1000 anos depois de Cristo foi aquele ocupante das chamadas estearias ou “palafitas pré-coloniais” (conforme citado pelo professor da Universidade Federal do Maranhão e coordenador do Laboratório de Arqueologia, Alexandre Navarro). Estas habitações foram erguidas nos esteios de lagos fixados em cidades como Penalva, São João Batista, Pinheiro, Santa Helena e Turilândia. De acordo com as pesquisas sobre estas populações, as moradias eram feitas desta maneira para o suporte dos longos períodos de chuva e para a proteção contra ataques de grupos rivais.
De acordo com o trabalho de Alexandre Navarro, que estudou acerca de algumas das estearias do Maranhão, boa parte delas estava situada na área denominada de Sítio Cabeludo, delimitado no Rio Paruá, afluente do Rio Turiaçu. Para se chegar à descoberta, de acordo com a pesquisa, foi retirado um fragmento de madeira dentro do centro do maior grupo de esteios de cada sítio revelado no trabalho.
Segundo Navarro, com base em levantamentos feitos por outros autores, existiram cerca de 1150 esteios somente no Sítio Cabeludo em uma área de aproximadamente 0,74 hectares. Com base em trabalhos, como o do pesquisador Raimundo Lopes, a primeira datação radiocarbônica de uma estearia é de aproximadamente 570 antes de Cristo.
Em relação às populações das estearias, eram consideradas desenvolvidas para a época, formadas por hábeis pescadores, caçadores e horticultores. Durante o período de ocupação, estas populações se especializaram na produção de objetos utilitários - feitos de cerâmica – e adornos feitos de cerâmica como os muiraquitãns (objetos de pedra em forma de rã). Estas peças foram coletadas pelo pesquisador Raimundo Lopes nas estearias de Penalva – Lago Cajari – no século passado.
Com o passar do tempo, estes objetos foram incorporando elementos como o cauxi (espécie de esponja), casca de árvore queimada e argila para dar mais consistência aos objetos.
Além das cerâmicas, foram encontrados artefatos líticos como lâminas de machado de pedra polida e outras peças com grande complexidade na produção, o que caracteriza um grupo étnico considerado desenvolvido à época. Parte deste material está em exposição no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão. “Não eram populações com o conhecimento tão abstrato. Ao longo dos anos, foi-se percebendo com as pesquisas que se tratavam de grupos com grau de conhecimento do mundo e com condições de subsistência bem mais avançadas do que o grande público imagina”, frisou Deusdédit Leite Filho, que é também presidente do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão, cuja sede está situada na Rua do Giz, Centro Histórico de São Luís.
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