Covid-19

"Escrever me ajuda a aliviar a solidão do luto", diz esposa de vítima da Covid-19

Há dois meses, Amanda Lira compartilha relatos sobre a morte do marido e alerta para os cuidados no enfrentamento à doença.

Tátyna Viana/Imirante.com

Atualizada em 27/03/2022 às 11h03
Amanda Lira, esposa de Daniel, compartilha relatos nas redes sociais sobre os últimos dias de vida do marido.
Amanda Lira, esposa de Daniel, compartilha relatos nas redes sociais sobre os últimos dias de vida do marido. (Foto: Arquivo)

IMPERATRIZ - Mais de um ano se passou desde que foi diagnosticado o primeiro caso de Covid-19 no Maranhão, e o número de infectados não para de crescer. Imperatriz já registra 14.369 casos e 753 pessoas não resistiram às complicações da doença.

Dados do portal da transparência do Registro Civil do Maranhão apontam redução nas mortes de idosos provocadas pela Covid-19 e aumento na faixa etária entre 20 e 50 anos, em Imperatriz uma dessas vítimas foi o advogado Daniel Keny, de 40 anos, que morreu no dia 17 de fevereiro de 2021.

Há dois meses a maquiadora Amanda Lira, esposa de Daniel, compartilha relatos nas redes sociais sobre os últimos dias de vida do marido e tem ajudado outras pessoas a se fortalecerem na fé, além de redobrarem os cuidados com o alerta sobre a doença. Na família deles, o casal e dois filhos, todos foram infectados no mesmo período.

“Daniel começou a sentir fortes dores de cabeça e depois de uns 3 dias surgiu a tosse que veio acompanhada de febre. Nesse momento eu comecei a ter dor no corpo e febre. E as crianças, dor de cabeça e febre. Procuramos atendimento médico no início. Fizemos o uso de todos os medicamentos prescritos, ficamos tratando a doença em casa e quatro dias depois retornamos ao hospital para exames. Daniel já tinha agravado muito e logo foi internado. Eu senti muito medo. Sabia que a evolução da doença era imprevisível. Tive que me dividir para cuidar de todos. Passava o dia no hospital cuidando do Daniel e monitorava as crianças pelo celular e cuidava delas a noite”, lembrou sobre o início dos sintomas.

Mesmo que os imunizantes sejam decisivos para vencer a Covid-19, a ciência segue em busca de remédios, terapias e outras soluções para quem se infectou ou tem de lidar com as sequelas da doença, com respostas diferentes ao tratamento de muitos pacientes, foi o que aconteceu com Daniel. Além das dificuldades em acertar o protocolo com eficácia, profissionais de saúde estão exaustos e vivenciam a aflição e dor de muitas famílias.

“Acho que o mais difícil no tratamento é não saber o que vai funcionar no paciente. É um jogo de tentativas. Infelizmente, Daniel não respondeu bem a nenhum tratamento proposto. Ele foi piorando dia após dia. Eu senti a sobrecarga sobre os profissionais da saúde. Eles estão sob pressão. E absorvem a angústia do doente e dos familiares”, percebeu Amanda enquanto acompanhava o marido no hospital.

A morte

A taxa de letalidade da COVID-19 no Maranhão está em 2,72%. São 7.094 mortes em todo o Estado. Muitas pessoas lutaram nos hospitais, mas não conseguiram vencer a Covid-19. A Amanda presenciou os últimos minutos de vida do marido.

“Quando cheguei para a visita na UTI, após a paramentação, a enfermeira me chamou para uma conversa particular. Eu já imaginava que não seria uma boa notícia. A médica veio até mim e disse que Daniel estava em falência múltipla de órgãos e que o óbito aconteceria dentro de instantes. Eu não aceitei a notícia. Pedi para entrar e orar por ele. Quando terminei a minha oração e abri os olhos, Daniel estava sem batimentos. Foi o pior momento da minha vida. Fui retirada da sala para uma tentativa de reanimação. Mas ele não voltou. Saí da UTI com a sensação de que tudo aquilo não era real. Quando encontrei minha família na recepção do hospital, percebi o que tinha acontecido. Ali, eu desabei”, contou sobre o pior dia da sua vida.

O protocolo de sepultamento

Diferente de vítimas de outras doenças, os protocolos de segurança da Covid-19 não permitem que familiares realizem os tradicionais velórios que passam de 24 horas de duração. Decretos municipais regulamentam as orientações até que o corpo seja enterrado nos cemitérios das cidades, em alas separadas para as vítimas da Covid-19.

“O sepultamento foi muito cruel. Eu conhecia o protocolo. Mas vivenciá-lo é devastador. A família não tem o direito de velar o corpo. Isso nos rouba a oportunidade da despedida. Ficamos com a sensação de que a morte não aconteceu. O cemitério destinado às vítimas da covid é um lugar assustador. No dia do enterro do Daniel, havia uma fila de espera. A situação é traumatizante. Sofri por mim, mas muito mais pelos meus filhos”, disse a maquiadora Amanda ao Imirante.com.

Ignorância ou negligência?

Apesar das medidas restritivas nas cidades e das orientações da Organização Mundial de Saúde, sobre o distanciamento, uso de máscara e álcool em gel, os flagrantes do descumprimento às normas ainda são comuns.

“Todos os dias tenho a impressão de que a maioria das pessoas ignora a gravidade da pandemia. Isso me entristece muito. Daniel e eu sempre fomos muito cuidadosos. E ainda assim, adoecemos e vivemos o pior da Covid. Sempre acreditei que adotar as medidas de prevenção era o melhor a fazer. Sou maquiadora e dependo dos eventos sociais.

Não posso dizer que estava feliz com os cancelamentos dos eventos, pois minha renda foi muito reduzida. Mas estava com saúde e com a minha família e tinha a provisão do meu marido. Hoje, acredito que o problema não está aonde você vai, mas sim em como você vai. É possível sair de casa sim. Precisamos usar a máscara corretamente, lavar as mãos com frequência, usar o álcool em gel e evitar aglomeração”, reforçou Amanda.

O luto

Como muitas filhos, órfãos da Covid-19, maridos que perderam esposas, mães e pais que perderam seus herdeiros, Amanda viu em seu perfil nas redes sociais mais que um espaço de confidência. Com a interação, as mensagens de apoio, dúvidas e atenção dos seguidores, acreditou que podia ajudar outras pessoas a encontrarem consolo e, sobretudo, alertar para a importância dos cuidados.

“Decidi compartilhar um pouco da minha história porque não queria que ninguém mais passasse pelo que eu estava passando. A dor é grande demais Eu mesma conhecia a pandemia dos jornais. E sei que ouvir uma notícia é muito diferente de ser a notícia. Através dos meus relatos, consegui alcançar muitas pessoas. Muitas viveram a mesma história que a minha e puderam encontrar consolo na fé que compartilhei. Outras sentiram a minha dor através dos textos e redobraram os cuidados. Escrever me ajuda a aliviar o fardo da tristeza e solidão do luto também”, confessou.

Vacina para todos

Casada duas décadas, na entrevista ao Imirante a maquiadora de Imperatriz também sonha com vacina para todos e o fim da pandemia.

“Eu queria muito poder voltar no tempo para aproveitar melhor cada dia ao lado do Daniel. Sei que não será possível. Foram 21 anos de união, vivendo em função da nossa família. Sou muito grata a Deus pela bênção que o Daniel foi como marido e pai.

Não posso negar que meu coração está cheio de questionamentos, mas confio no Senhor. Sei que Ele está no controle de tudo e que nenhum dos seus planos pode ser frustrado. Anseio pelo fim da pandemia, que a vacina chegue logo e que toda a população tenha acesso a ela. Mas até lá, é preciso agir com consciência e amor por si e pele próximo, mantendo os cuidados de prevenção”, finalizou Amanda.

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