Especial Rio 2016

Atlanta 96: a inesquecível história de Emílio Moreira

Emílio Moreira chefiou delegação brasileira de judô em Atlanta 96.

Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte

Atualizada em 27/03/2022 às 11h31
Sensei Emílio Moreira recorda participação nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte)
Sensei Emílio Moreira recorda participação nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte)

SÃO LUÍS – Uma vida dedicada a um amor incondicional. Um amor que, por muitas vezes, o afastou da família. Uma família que soube entender e compreender as ausências quase que diárias de um pai. Um pai dentro e fora da casa. Um pai dentro e fora dos tatames do judô. E foi por causa do judô que José Emílio Moreira transformou-se em um dos mais importantes nomes da modalidade no Estado. Foi pelo judô, que o sensei de 72 anos viajou pelo mundo, conheceu culturas, apaixonou-se ainda mais pelo esporte e trabalhou para o crescimento de sua paixão. Em 1996, este maranhense foi o chefe da delegação brasileira de judô masculino na Olimpíada de Atlanta, nos Estados Unidos. O que isso significa? Significa apenas a maior emoção na vida deste homem que não conseguiria viver sem o judô.

“Eu já vivi momentos sublimes no judô, mas a maior emoção que eu tive foi chefiando a delegação do Brasil de judô masculino na Olimpíada de Atlanta. É uma emoção indescritível porque você vive um momento único. Eu considero ser o maior espetáculo da Terra. Todas as atenções do mundo estão voltadas para sede dos jogos. Você vê nas ruas pessoas de todas as partes do mundo, caracterizadas pela sua cultura, pela sua maneira de ser. É um espetáculo”, relembra o sensei.

E para Emílio Moreira, aquela Olimpíada foi ainda mais especial. O sensei teve as mais diversas experiências. Presenciou as conquistas das medalhas de bronze dos judocas Aurélio Miguel e Henrique Guimarães. Ficou vislumbrado com a maneira como uma cidade, um país respirava olimpíada. Mas o sensei também vivenciou um atentado que matou duas pessoas e deixou outras 100 feridas.

Emílio Moreira chefiou delegação brasileira de judô masculino em Atlanta 96. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Epsorte)
Emílio Moreira chefiou delegação brasileira de judô masculino em Atlanta 96. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Epsorte)

O que poderia causar um clima de medo na delegação brasileira, Emílio Moreira relembra que o atentado em Atlanta não influenciou os atletas do Brasil. Após o incidente a segurança havia sido ainda mais reforçada.

“Realmente um impacto muito grande. Todo mundo ficou preocupado, mas pelas condições de segurança americana e as providências tomadas, nós tínhamos certeza de que isso dificilmente aconteceria de novo. Ficamos tranquilos, inclusive, estávamos em um alojamento, em uma escola de cegos alugada pela confederação, muito seguro, muito tranquilo. A gente não permitia muito que estas informações negativas chegassem aos atletas”, explica.

E a principal razão para blindar os atletas da Seleção Brasileira é simples. “O judô é como atravessar no trânsito: atravessou errado é atropelado. Você treina quatro anos direto forte, sofre, tem contusões sérias e, embora esteja preparado e esteja bem no ranking internacional, pode levar um ippon e sair da competição. É muito difícil o judô e é preciso estar muito bem preparado para se enfrentar todas as dificuldades inerentes desta modalidade esportiva. O atleta não pode negligenciar o treinamento. Ele não tem o direito de ficar cansado, não tem o direito de se divertir, ele tem que treinar oito horas por dia”, analisa.

Emílio Moreira segue os ensinamentos de Jigoro Kano, fundador do judô, 24h por dia. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte)
Emílio Moreira segue os ensinamentos de Jigoro Kano, fundador do judô, 24h por dia. (Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte)

Judô 24h

“Me chamaram de maluco”, conta Emílio Moreira ao lembrar das incontáveis horas dedicadas ao judô. A modalidade criada no Japão “contaminou” o sensei de 72 anos. Para uns poderia ser apenas um vício que o afastava cada dia mais de sua família. E, de certa forma, assim era o judô na vida do professor: um esporte que, em muitas ocasiões, ficou acima do convívio familiar. O diferencial desta situação é que a família, neste caso, soube aceitar, soube se tornar uma base sólida para Emílio Moreira.

“A família, em qualquer situação, é o sustentáculo, é a base, principalmente a esposa. Quando nós nos distanciamos, nós estamos sempre fora, estamos sempre viajando, a esposa está sempre sozinha por trás no apoio logístico, cuidando dos filhos. De repente você está em uma viagem, e uma filha sua está internada, como aconteceu, é muito complicado. Você tem que estar muito preparado psicologicamente e colocar, acima de tudo, a missão, o objetivo em cima dos sentimentos familiares. Você abandona a família em muitas oportunidades. Você tem que amar o judô, ser perdidamente apaixonado. Infelizmente, é uma amante dolorosa porque a família perde muito”, recorda.

E completa: “Na Olimpíada, eu confesso, me chamaram até de maluco. Na verdade, essas viagens longas q deixam longe da família, eu torcia pra alguém dizer ‘professor, o senhor não vai mais’. E a noite, para passar o tempo, eu ficava jogando dominó com os amigos porque, senão, não dormia preocupado como é que as minhas filhas estavam. Eu tinha duas filhas pequenas que precisavam muito da minha companhia e da minha presença”.

Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte
Foto: Paulo de Tarso Jr./Imirante Esporte

Uma nova família

Mas Emílio Moreira não possuía apenas uma família. O judô fez com que o sensei ganhasse “novos filhos”: seus atletas. E, se você quiser ver uma lágrima do sensei, pergunte sobre seus atletas. Ao lembrar de cada aluno, de cada história, de cada momento com seus atletas, sejam de alegria ou de tristeza, Emílio Moreira transforma-se. Na verdade, vira um artista ao lapidar um atleta.

“Eu me sinto um artista, um Van Gogh. Eu começo a pintar o quadro. De repente, surge aquela obra-prima. Você cria um referencial inabalável. Você pode morrer pobrezinho, mas rico em dignidade. Eu sou reconhecido por todas as pessoas de bem deste Estado. É uma dádiva de Deus. Ninguém tira isso”, revela.

E, talvez sejam seus atletas, que motivem este homem a viver intensamente o judô, mesmo que, muitas vezes, seja preciso tirar dinheiro do próprio bolso para que um aluno possa competir.

“Eu tenho a consciência de que eu abandonei a família pelo esporte, pelo judô. Sempre um professor, um técnico, um dirigente do desporto envolvido dá prioridade àquilo, principalmente no desporto amador que nós não ganhamos nada. Somos apaixonados, obsecados. Até hoje eu vivo 24 horas o judô. Com a aposentadoria, diminuiu mais a rotina. Hoje eu consigo ficar um pouco em casa. Eu saía 5h e chegava à noite. Muitas vezes, eu via meus filhos dormindo e só via eles de novo nos fins de semana. E tem mais: nos fins de semana a gente trabalha de graça. Você é técnico das equipes e você não ganha hora extra nos fins de semana. Competição você vai de graça, tira dinheiro do bolso. Aqui no Brasil é assim. Você tira dinheiro da boca dos netos para comprar passagem de avião para o atleta porque não existe política pública que o beneficie. Isso precisa mudar”, conclui.

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