FORTALEZA - Ao contrário do que se poderia imaginar, a realização da Copa das Confederações e do Mundial de 2014 em Fortaleza trouxe preocupação à Associação das Prostitutas do Ceará (Aproce). Receosa com o aumento do número de turistas do sexo masculino em função dos torneios, a organização não governamental (ONG) vê traços de hipocrisia na repercussão da noitada de alguns jogadores espanhóis na capital e tenta se reestruturar em meio a um momento delicado.
“As pessoas podem até imaginar: ‘Ah, que bom! Vem mais gente!’. Mas o que vem junto? Aumenta a exposição das meninas à violência e à uma série de coisas que não são legais. Ou seja, há o risco de piorar a situação. Existe uma profunda preocupação, porque não é simples lidar com o ser humano, especialmente com pessoas que deixam suas vidas em outros países e chegam aqui achando que podem fazer de tudo”, explica Alice de Oliveira, que vem respondendo pela Aproce.
Fundada há 22 anos, a entidade conta com cerca de 3 mil integrantes, mas precisa superar um momento de crise. Então presidente da ONG, a ex-prostituta Rosarina Sampaio, uma das fundadoras da Federação Nacional das Trabalhadoras do Sexo, morreu no último dia 25 de março. Alice de Oliveira integra a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, ligada à Secretaria de Direitos Humanos da prefeitura, e atuava como assessora técnica da Aproce, mas desde o falecimento da última líder vem tentando uma rearticulação - ela nunca trabalhou como garota de programa.
“A Rosarina foi a pessoa que alavancou o caminhar da Aproce. O falecimento dela acabou sendo um baque muito grande. Fizemos um encontro da diretoria e concluímos que a entidade não pode terminar. A instituição era o grande amor da Rosarina e a melhor forma que temos de reconhecer a dedicação dela é dar continuidade. Há um vácuo muito grande e estamos tentando nos reorganizar internamente. Isso passa por encontrar outra pessoa para liderar, o que leva tempo”, explicou.
A sede da Aproce, localizada ao lado de uma igreja no bairro de Aerolândia, foi cedida pela prefeitura local. Ainda assim, a ONG sofre com a falta de recursos, já que a morte inesperada de Rosarina prejudicou a elaboração de projetos para editais governamentais, principal fonte de recursos da entidade. Desta forma, a organização depende da solidariedade de pessoas que se identifiquem com a causa para sobreviver até 2014, ano do Mundial.
De acordo com Alice de Oliveira, o aumento no número de turistas registrado em decorrência da disputa da Copa das Confederações em Fortaleza foi tímido e difícil de perceber durante o período de férias, que tradicionalmente incrementa a quantidade de visitantes. A delegação da Espanha, no entanto, se fez notar ao protagonizar uma confusão com garotas de programa em um hotel de Fortaleza, algo, evidentemente, negado pelos boleiros.
“O maior impacto é provocado pela chegada dos jogadores, que com certeza devem sair, brincar e conhecer pessoas. Como a maioria é comprometida, dificilmente vão assumir (o episódio no hotel). Lamentavelmente, vivemos em uma sociedade hipócrita, que está sempre tentando tapar o sol com a peneira. A relação entre jogadores e prostitutas ou travestis sempre existiu. São coisas que acontecem, não dá para negar. Só acho que há uma cobrança desnecessária e um pouco hipócrita”, afirmou Alice.
Atletas conhecidos mundialmente ou não, todos são livres para tomar suas próprias decisões, argumentou a assessora técnica da Aproce. “Nem todos os jogadores vão, cada um deve fazer sua opção. As pessoas deveriam parar de ficar penalizando, de ficar olhando tanto para a vida dos outros. Viva a sua vida. Se você quiser sair, saia. Se é com homem ou com mulher, não importa. Se quer pagar para namorar, cada um tem os seus direitos”, declarou Alice.
Paulistana radicada em Fortaleza, ela é uma experiente militante na área dos direitos humanos, especialmente em relação às questões ligadas às mulheres, jovens e minorias. Entusiasta da onda de manifestações que vêm sendo promovidas em diferentes cidades do Brasil durante a Copa das Confederações, inclusive na capital cearense, Alice de Oliveira vê a realização de grandes eventos esportivos no País de maneira crítica.
“Tenho um pouco de dúvida se de fato tudo que está sendo construído em nome das competições servirá depois para a comunidade e para a população em geral. É lamentável que a grande maioria dos brasileiros será obrigada a ver os jogos apenas pela televisão. Depois da Copa do Mundo e das Olimpíadas, os investimentos em infraestrutura vão continuar? Tenho muitas interrogações. Pelo que estou vendo, fico preocupada. Espero mudar de opinião”, disse.
Mais do que simplesmente prevenir as doenças sexualmente transmissíveis com a distribuição gratuita de preservativos em pontos de prostituição, a Aproce se propõe a lutar por melhores condições de trabalho e de vida às garotas de programa do estado. Alice de Oliveira, ligada à ONG há 19 anos, procura manter o otimismo em relação ao futuro da entidade, apesar da situação preocupante após o falecimento de sua principal articuladora.
“Ninguém pensa: ‘Adoro ser uma prostituta’. Todas elas têm sonhos. Há muitas meninas que precisam ser acolhidas e orientadas O universo da profissional do sexo é muito maior do que as doenças sexualmente transmissíveis”, diz Alice, esperançosa. “O Fênix não ressurgiu das cinzas? Acho que essas dificuldades fazem parte. Não devemos nos amedrontar, mas sim encarar a situação como um desafio que pode ser a mola propulsora de uma grande melhora”, declarou.
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