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COLUNA
Euges Lima
Euges Lima é historiador, professor, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do IHGM.
EUGES LIMA

A Sagração de D. Pedro II e sua Repercussão no Maranhão

A sagração de Dom Pedro II, ocorrida no Rio de Janeiro em 18 de julho de 1841, constituiu-se em um dos momentos simbólicos mais relevantes da consolidação do Segundo Reinado.

Euges Lima

Atualizada em 11/12/2025 às 16h49

O presente artigo analisa as repercussões da sagração de Dom Pedro II, realizada em 18 de julho de 1841, na província do Maranhão, com especial atenção ao processo de construção, deslocamento e ressignificação da chamada Pedra da Memória, originalmente conhecida como Pirâmide do Campo de Ourique. A partir de documentos da época e da historiografia, discute-se a relação entre prática comemorativa, urbanização e cultura cívica na São Luís oitocentista, bem como o papel dos monumentos na constituição de identidades locais e na preservação de efemérides imperiais.

A sagração de Dom Pedro II, ocorrida no Rio de Janeiro em 18 de julho de 1841, constituiu-se em um dos momentos simbólicos mais relevantes da consolidação do Segundo Reinado. O rito, marcado por forte aparato cerimonial e inspiração nas monarquias europeias, repercutiu amplamente em todo o território do Império, dinamizando práticas festivas e discursos de legitimação política nas províncias.

No Maranhão, a chegada da notícia da coroação ensejou três dias de celebrações oficiais, 14, 15 e 16 de setembro de 1841, organizadas pelo presidente da província, João Antônio de Miranda. A capital transformou-se em espaço de intensa sociabilidade cívica, com desfiles, paradas militares, luminárias, cerimônias religiosas e lançamento de obras públicas.

As festividades maranhenses não se limitaram a atos protocolares. Associaram-se à abertura de empreendimentos de caráter duradouro, entre os quais destacam-se: o início das obras do Cais da Sagração, em 14 de setembro de 1841, estrutura urbana vinculada diretamente ao evento imperial; a criação da Casa dos Educandos Artífices, por meio de lei aprovada pela Assembleia Provincial, destinada ao acolhimento e formação profissional de órfãos e menores abandonados.

Essas iniciativas conferiram sentido prático e simbólico ao conjunto das homenagens, integrando a dinâmica das políticas públicas provinciais ao repertório festivo da monarquia.

Entre os elementos comemorativos estruturantes está a construção de um monumento civil, uma pirâmide comemorativa, concebido expressamente para celebrar a sagração do jovem monarca. Projetada pelo Tenente-Coronel José Joaquim Rodrigues Lopes, do Imperial Corpo de Engenheiros e futuro Barão de Matoso, em 18 de agosto de 1841, a obra representou uma inovação no cenário urbano maranhense.

Documentos da época registram que a pirâmide inaugurou, na província, a prática de erguer monumentos dedicados à preservação de memórias públicas e efemérides históricas, sendo considerada o segundo monumento do gênero no Brasil.

A pedra fundamental foi lançada em 15 de setembro de 1841, conforme notícia publicada no Jornal Maranhense (Ano I, n. 27, 1841, p. 1), em carta do presidente da província ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Cândido José de Araújo Viana. O monumento seria inaugurado três anos depois, em 28 de julho de 1844, recebendo o nome de Pirâmide do Campo de Ourique, devido à localização no imenso largo homônimo.

A instalação da pirâmide no Campo de Ourique impactou profundamente a dinâmica urbana de São Luís. A partir de meados do século XIX, o local passou a desempenhar funções múltiplas: ponto de referência geográfica e simbólica; espaço de paradas militares, eventos cívicos e manifestações públicas; palco improvisado para oradores e seresteiros, incorporado ao cotidiano cultural da cidade.

A designação popular “Pedra da Memória” consolidou-se ao final do século XIX, quando a inscrição gravada em mármore: “À memória da Coroação de S. M. I.”, tornou-se amplamente conhecida. Nesse mesmo período, a crônica local registrou episódio singular: o monumento foi atingido por um raio, que danificou sua ponta e feriu pessoas presentes na área.

A planta de São Luís de 1858, contendo o ícone da pirâmide, testemunha sua importância topográfica. Ela situava-se exatamente na área hoje ocupada pelo Liceu Maranhense, formando, com o quartel do 5.º Batalhão de Infantaria, uma referência central.

As reformas urbanas da década de 1940 modificaram profundamente o antigo Campo de Ourique, convertido em Parque Urbano Santos. A demolição do quartel militar e a construção de edifícios modernos, como a Biblioteca Pública e o Palácio da Educação, deslocaram o eixo simbólico da área. Nesse contexto, a pirâmide perdeu protagonismo.

Removida, desmontada e abandonada entre escombros nas proximidades do antigo quartel, a Pedra da Memória enfrentou a possibilidade concreta de desaparecimento. Foi graças à ação do Diretório Regional de Geografia do Maranhão, liderado por Joaquim Vieira da Luz, que se mobilizou uma campanha pela preservação do monumento.

Em 1946, o Diretório propôs sua reinstalação no Cais da Sagração, na Avenida Beira-Mar, local cuja memória estava diretamente ligada à coroação de Dom Pedro II. Finalmente, em 1950, o obelisco foi trasladado e cuidadosamente remontado no Fortim de São Damião, onde permanece até os dias atuais, ressignificado como patrimônio histórico de São Luís.

A análise da Pedra da Memória permite compreender como o Maranhão integrou as práticas comemorativas do Império a sua cultura urbana, utilizando monumentos, obras públicas e festividades como instrumentos de construção de identidade e afirmação política. Desde sua concepção em 1841 até sua reinstalação em 1950, o monumento atravessou múltiplas camadas de significação: celebração imperial, referência geográfica, espaço de sociabilidade e símbolo de resistência patrimonial.

Como objeto histórico, a Pedra da Memória evidencia a articulação entre memória oficial, transformações urbanas e apropriações populares, constituindo-se em importante documento material da São Luís oitocentista e moderna.


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