Alice Carvalho: uma das vozes mais potentes do audiovisual brasileiro

BRASIL - Aos 29 anos, Alice Carvalho ocupa um espaço raro no audiovisual brasileiro: o de uma artista que transita entre teatro, cinema, TV, música, literatura e artes visuais sem perder o eixo ético que a guia desde sempre. Potiguar, criada na Coophab, periferia da Grande Natal, e vinda de uma família grande, amorosa e profundamente matriarcal, ela cresceu entendendo que precisava ser um bom exemplo para seus irmãos e primos. Hoje, leva esse mesmo compromisso para cada obra que escolhe participar.

Protagonista de Cangaço Novo, peça-chave em O Agente Secreto, filme que pode disputar o Oscar, premiada com o Grammy Latino ao lado do BaianaSystem e autora de livros usados como leitura didática em escolas do Rio Grande do Norte, Alice soma conquistas que, para muitos, seriam motivo de deslumbre. Mas ela prefere manter os pés no chão e a consciência afiada: “Não posso me deslumbrar com isso, porque isso passa. A minha cor, o meu jeito de falar, de onde venho, meus valores… isso não muda”, afirmou em entrevista à Quem. 

Entre Cannes e o Oscar: a expansão de Alice Carvalho

A participação no filme de Kleber Mendonça Filho surgiu de forma inesperada: três dias separaram o convite da gravação. Mesmo em meio às filmagens de Renascer, Alice sabia que não podia perder a oportunidade. Não tinha lido o roteiro; confiou no texto, na equipe e na parceria com Wagner Moura, de quem já era fã e com quem trocava admiração mútua.

Quando o filme estreou em Cannes, veio o choque: a personagem que ela acreditava ser apenas uma participação pontual revelou-se muito maior. Durante a exibição, a cena decisiva rendeu aplausos espontâneos da plateia francesa. Alice só percebeu que eram para ela quando um colega a cutucou. “Foi muito bonito. Eu estava hipnotizada”, lembra.

Com a proximidade da shortlist do Oscar, a atriz evita criar expectativas exageradas, não por falta de ambição, mas por proteção emocional. “A despretensão é amiga da boa surpresa”, reflete.

O impacto de Cangaço Novo 

Se existe um divisor de águas em sua carreira, ele se chama Cangaço Novo. A série do Prime Video, gravada no sertão nordestino, não apenas consolidou Alice como uma das atrizes mais interessantes de sua geração, mas também lhe rendeu prêmios importantes, entre eles o Grande Otelo.

A personagem Dinorah, construída com complexidade, vigor e autenticidade, permitiu que a atriz apresentasse ao país uma figura feminina que foge de estereótipos e carrega discurso decolonial. Ao lado de um elenco que retrata o Brasil real, Alice encontrou um território artístico que faz sentido para ela — e que a colocou no radar de diretores, produtoras e do público com uma força inédita.

“Tenho o cuidado de escolher personagens que estejam em polos opostos energeticamente, mesmo quando os universos são parecidos. Minha intuição é muito forte para decidir o que devo ou não fazer.”

Alice Carvalho nunca contraria os próprios princípios 

Apesar de reconhecer que muitas escolhas do início da carreira foram feitas “para poder comer”, Alice sempre manteve intacta uma bússola moral. Ela não aceita papéis que contrariem seus princípios e carrega orgulho dos “nãos” que colecionou ao longo do caminho alguns dolorosos, mas todos necessários.

Atualmente, cercada por uma rede de apoio majoritariamente feminina, sua agência, stylist, assessoria, ela se sente mais preparada para recusar convites sedutores ou projetos que poderiam amplificar sua imagem, mas não sua mensagem. “Não sei se sou idealista, mas sempre tive um prumo. É meu machado de Xangô.”

Alice sempre foi uma criança elétrica: palhaça, brincalhona, líder de turma e ávida por qualquer oportunidade de aparecer no palco literal ou metafórico. Foi no teatro da escola e depois na igreja (pela arte, não pela religião) que encontrou seu lugar de expressão.

A música também sempre esteve em sua vida. Seu tio, maestro Antônio de Pádua, foi uma referência decisiva. Mais tarde, a atriz ainda se tornou DJ e produtora de eventos para se sustentar enquanto estudava artes visuais na UFRN.

A educação, para ela, é fundação. Por isso, ver seus livros adotados em escolas é uma das maiores conquistas da carreira: “Eu não seria nada sem a escola e sem a universidade pública”, reforça.

BaianaSystem, videoclipes, shows e um Grammy Latino

O encontro com o BaianaSystem aconteceu em 2018, em meio à tensão política pré-eleições. Nasceu ali uma parceria artística que rendeu videoclipes, concepções visuais para shows, performances conjuntas e, mais recentemente, um Grammy Latino pelo disco O Mundo Dá Voltas.

Alice participa da faixa “Balacobaco”, parceria com Anitta e uma das mais celebradas do álbum. Modesta, diz que tudo sempre aconteceu organicamente, por afinidade estética e política.

Como mulher preta e nordestina, Alice enfrenta os desafios previsíveis e também os mais sutis. Mesmo com fama e reconhecimento, a atriz lembra que preconceito não deixa de existir; apenas muda de tom. Parte de sua responsabilidade pública, como ela afirma, é se manter consciente, vigilante e comprometida com a imagem que projeta no mundo.

Ela se recusa a suavizar o sotaque, estereotipar personagens ou aceitar papéis que reforcem visões limitadas de sua região. “Estamos numa geração de nordestinos que diz: não vou suavizar. Não vou me caricaturizar”, diz.

A artista também carrega a missão de ser referência para crianças e jovens que, como ela, precisam se enxergar na arte para acreditar em futuros possíveis. “Talvez seja o lugar onde mais me vejo: ser referência positiva.”

O futuro para Alice Carvalho

Alice mora no Rio desde 2023, cercada de amigos e parceiros nordestinos que criaram uma rede de apoio afetuosa e sólida. Está prestes a começar a divulgação da segunda temporada de Cangaço Novo e já se prepara para um novo filme “talvez o mais importante da minha vida”, diz.

Com filmes em campanha internacional, séries de sucesso, prêmios, livros, música e uma força criativa inesgotável, Alice Carvalho se firma como um dos nomes mais instigantes e completos da cena brasileira. Tudo isso sem tirar os pés da estrada que escolheu percorrer: a da responsabilidade, da inteligência emocional e da arte feita com propósito.

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