Cinema

Venda do Roxy fecha ciclo de cinemas em São Luís

O nº 244 da rua do Egito, centro de São Luís, era o último remanescente dos antigos cinemas de rua da capital maranhense.

Jornal O Estado do Maranhão

Atualizada em 27/03/2022 às 13h34

SÃO LUÍS - Na antiga sala de espera, agora transformada em local de exibição, não mais que 10 pessoas assistem a cenas eróticas geradas por um aparelho de DVD. O projetor e a tela têm, como companhia, os mais de 500 lugares vazios na sala principal. Onde, um dia, houve requinte e ostentação, predomina um rosto decrépito desenhado pelo tempo: móveis velhos, estruturas desgastadas, cortinas que não têm mais o encanto atrás de si. Apenas a fachada ainda teima em mostrar imponência, ofuscada pela placa de “vende-se” colocada, estrategicamente, por uma imobiliária.

O nº 244 da rua do Egito, centro de São Luís, era o último remanescente dos antigos cinemas de rua da capital maranhense. O Cine Roxy agoniza e levará para o túmulo não apenas os mais de 20 anos de difusão da pornografia e fomento do erotismo no imaginário individual e coletivo, mas também toda uma história de centro condensador da vida comunitária ludovicense. História essa iniciada há mais de 70 anos e tendo, além do Roxy, outros ilustres protagonistas, como o Éden (na Rua Grande, onde hoje funciona a loja Marisa), o Rialto (na rua do Passeio), o Rival (na Rua Grande, onde funcionou o Banco Econômico), o Cine Passeio e o Cine Monte Castelo.

História

A invenção dos irmãos Lumière chegou à sociedade maranhense dentro do período conhecido por Belle Époque, na virada do século XIX para o século XX. A Belle Époque teve seus reflexos em São Luís, conhecida por “Atenas Brasileira”. Um desses reflexos, que incrementava o cenário político e cultural da capital, foi a vinda de imigrantes estrangeiros com espírito empreendedor.

Moysés Aziz Tajra, empresário descendente de libaneses, foi um dos difusores da Belle Époque em São Luís. A trajetória do cinema na capital maranhense passa por sua iniciativa pioneira. “Meu pai era um visionário como poucos, e ele pretendia dar mais dinamismo à vida social da cidade”, resume Maria de Lourdes Tajra, jornalista e relações públicas e atual proprietária do prédio que abriga o Cine Roxy. Nessa senda, Moysés Tajra comprou os cinemas São Luís (posteriormente Rialto) e Éden com o grupo Matos Aguiar, além de inaugurar, em 1939, o Roxy. Nascia, assim, a empresa Roxy, que contava, ainda, com o cine Rival. O cinema-família mostrava sua cara.

Dos anos de 1930 até o fim da década de 1950, a moda européia invadia São Luís. Os freqüentadores do Éden e do Roxy imitavam essa moda. “As mulheres usavam chapéu com penacho e luvas, e os homens usavam os mesmos trajes das altas rodas sociais”, conta o caxiense Celso Aquino dos Santos, 69 anos e há 51 operador cinematográfico do Cine Roxy. As sessões eram às 16h e 20h.

O Éden, projetado inicialmente para ser teatro, tinha dois pavimentos com dois salões, um inferior e outro superior, para encontros da alta sociedade. A capacidade era de 1.200 a 1.300 lugares. “Meu avô dizia que lá pelo começo do século, no tempo do cinema mudo, as pessoas assistiam a filmes no Éden (que ficava onde hoje é a loja Marisa da Rua Grande), enquanto homens bem trajados tocavam rabecas, para entreter os presentes”, recorda Celso Aquino dos Santos.

Por serem as salas da elite, o Éden e o Roxy exibiam em suas telas as películas recém lançadas. Logo, Sansão e Dalila, Ben Hur e os Dez Mandamentos tinham públicos seletos. O romance, o melodrama e o musical também eram recorrentes. Era a época clássica do cinema ludovicense. Os lanterninhas acompanhavam pelos corredores médicos, juristas, políticos e famílias abastadas. O Roxy, com seus 650 assentos, além de reunir a alta sociedade maranhense, exibia películas que satirizavam os costumes, em uma espécie de crítica social. A Caldeira do Diabo, exibido em 1959, mostrava as intrigas do dia–a-dia de uma pequena cidade onde todos se conheciam.

Mas os cinemas clássicos não eram palco apenas de entretenimento ou local onde as famílias se reuniam. Os vesperais de Carnaval também eram comuns. As poucas vezes em que o público mais pobre tinha acesso ao Éden eram marcadas por festas carnavalescas onde o público dançava ao som de marchinhas como “Chiquita Bacana” e “Olha a Cabeleira do Zezé”. “Eles participavam da festa nos salões e depois assistiam a um filme, isso foi idealizado pelo seu Moysés Tajra, era tradição”, revela o operador cinematográfico Celso Aquino.

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