Batalha

Medo da Covid-19 atrapalha luta contra câncer infantil no Maranhão

Ticianne da Conceição, de sete anos, voltou a ficar internada com quadro grave por causa de interrupção no seu tratamento de leucemia.

Neto Cordeiro/Imirante.com

Atualizada em 27/03/2022 às 11h04

SÃO LUÍS – “É um trator de esteira”, assim descreve Amadeus ao se referir à filha Ticianne Silva da Conceição, de apenas sete anos, que está internada há meses tratando uma leucemia, que é um tipo de câncer. Ainda recuperando suas forças, a menina, como qualquer outra criança, fala o que mais gosta de comer: “sorvete e Nescau”.

Porém, desde que foi diagnosticada com o câncer, Ticianne segue uma rotina nada parecida com a das três irmãs. Aliás, ela ganhou mais uma recentemente. Deitada na cama, no Hospital Aldenora Bello, na capital, ela responde que é ruim ficar lá, que gostaria de estar em casa, brincando.

Segundo conta o pai e a psicóloga Magnólia Lima, do setor da pediatria do hospital, um atraso na quimioterapia no ano passado resultou na agravação do quadro de Ticianne. Eles disseram que a mãe da criança, que estava gestante, deixou de levar Ticianne ao hospital por cerca de três meses por medo da pandemia da Covid-19.

Ticianne trata uma leucemia no Hospital Aldenora Bello. Foto: Neto Cordeiro/Imirante.com.
Ticianne trata uma leucemia no Hospital Aldenora Bello. Foto: Neto Cordeiro/Imirante.com.

“Quando ela [Ticianne] retornou, já voltou uma paciente grave, ficou internada bastante tempo, a imunidade baixa, aumento de blastos, que a gente fala que é o aumento da doença no organismo. Foi para UTI, passou dois meses internada”, relata a profissional que acompanha cada um dos pacientes da unidade.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES), em 2019, foram notificados 317 casos de câncer em crianças e adolescentes, de zero a 19 anos no Maranhão. Dados parciais até outubro de 2020 mostram que 130 novos casos foram confirmados e seguem em tratamento nas unidades vinculadas à rede estadual.

Medo da morte

A psicóloga Magnólia explica que o trabalho começa com muito diálogo com as crianças e com os responsáveis, de forma que entendam o tratamento, que afastem o medo da morte e estejam preparados para encarar todas as adversidades após o diagnóstico do câncer.

“Logo no primeiro momento, que é o diagnóstico dos pacientes, os familiares e a criança também levam um impacto de receber um diagnóstico assim com um estigma tão grande, que é o câncer, que é uma doença grave, muitos não conseguem obter a cura (...). E o papel do psicólogo no primeiro momento é dar o suporte dessa má notícia, explicar para esse familiar e para essa criança como vai ser o tratamento, entender os medos, as angústias, a primeira internação sempre provoca isso”, comenta.

O trabalho dos profissionais da Psicologia no Hospital Aldenora Bello também se assemelha ao de um tradutor, ou seja, são eles que explicam aos responsáveis muitas dúvidas que ficam após as consultas com o médico.

No caso das crianças, a maneira de explicar tudo a elas é voltada para o lado lúdico. “Elas sempre questionam quanto tempo vão ficar internadas, qual é a doença que elas têm, por que a queda do cabelo, por que precisam ficar aqui. E ao longo dia a gente vai sanando essas dúvidas de uma forma mais lúdica para as crianças”, destaca Magnólia, ao mostrar a sala onde meninos e meninas costumavam brincar e desenvolver atividades como pintura. Diversos quadros feitos a pequenas mãos preenchem as paredes de corredores da ala infantil.

Com a pandemia, essas recreações foram suspensas. Até mesmo visitas de palhaços e voluntários tiveram que ser proibidas, em razão das normas sanitárias para evitar que os pacientes se contaminem com o novo coronavírus.

O que é câncer

O câncer se forma a partir de células que crescem e se multiplicam desordenadamente, prejudicando o funcionamento de órgãos e tecidos do corpo. Nossas células sadias ou normais possuem funções e vida bem reguladas. Elas são programadas para cumprir suas tarefas a partir de informações escritas em um complexo e maravilhoso código genético ou programa genético, o DNA (ácido desoxirribonucleico).

Agora, imagine que esse programa é danificado ou fica sem sentido. Isso pode acontecer se o DNA sofrer alguma mutação que deixe as informações confusas, como se fossem erros no manual de instrução da célula. Essas mutações são frequentes, pois nossas células crescem e se dividem muitas vezes, e os erros acabam acontecendo.

Mas o DNA é muito esperto e possui várias formas de corrigir esses erros ou de desativar a célula com informações erradas, para evitar problemas para o corpo. Se esse mecanismo falhar e a mutação passar despercebida, ela pode causar alterações no programa genético da célula, como se as células ficassem sem regras, e começam a crescer e multiplicar sem controle. A multiplicação dessas células cria o tumor maligno ou o câncer.

Especialista tira dúvidas sobre câncer infantil

A oncologista pediátrica Geni Ramos respondeu algumas perguntas ao Imirante.com sobre câncer infantil. Veja a abaixo:

1 O câncer infantil é considerado uma doença rara?

Sim. É raro quando comparado com o câncer no adulto. Aproximadamente 3% de todos os tumores malignos registrados no Brasil.

2 Quais os tipos de câncer mais comuns em crianças e adolescentes? Todos têm cura?

Os mais comuns são as leucemias e linfomas, e os tumores cerebrais. A grande maioria tem cura, mas alguns tipos histológicos não tem resposta ao tratamento.

3 O Maranhão tem avançado no sentido de dar diagnósticos precoces?

Ainda recebemos muitos casos de tumores avançados, principalmente, porque os pais têm encontrado dificuldade ainda na realização de alguns exames importantes ao diagnóstico.

4 Quais os sinais de que a criança ou adolescente pode estar com a doença?

Febre que não cede, anemia importante, manchas roxas, dor, abdome aumentado de volume, mancha branca no olho, vômitos, desequilíbrio, dor de cabeça são alguns dos mais frequentes.

5 Quanto mais cedo melhores as chances de sucesso no tratamento?

Sem dúvida nenhuma!

6 Quais as consequências de um diagnóstico tardio?

A doença vai avançando e o tratamento terá que ser mais agressivo e prolongado. Diminuindo chances de sobrevida.

7 Como vive um paciente em tratamento?

Esse é um momento de urgência; é a prioridade. O tratamento segue protocolos nacionais e internacionais, com datas definidas que são importantes serem observadas. Dependendo da doença a ser tratada, muda o tempo de tratamento também, que pode variar de quatro meses a mais de dois anos, tanto internado quanto ambulatorial.

8 Quais os maiores desafios para o tratamento do câncer infantil no Maranhão?

Temos dificuldades com a realização de exames para diagnóstico e estadiamento, principalmente, a nível de sus. Alguns exames indispensáveis só estão sendo realizados pela rede particular e custam muito caro. Outros, a fila de espera é grande e atrasam o início da terapia

9 Como ficou o tratamento após o início da pandemia?

Fizemos alguns ajustes na enfermaria para proteger nossos pequenos, mas não paramos. O tratamento se manteve, sem prejuízo.

10 A pandemia dificultou diagnósticos?

Sim, porque o atendimento na rede de saúde foi prioritário para Covid e porque as mães ficaram com medo da exposição e só procuraram atendimento médico depois.

Atendimento na rede estadual

A SES informou que a rede estadual de saúde conta com as seguintes unidades de tratamento pediátrico de neoplasias: o Hospital de Câncer Aldenora Bello, conveniado à SES; o Hospital São Marcos, em Teresina (PI), por pactuação; e o Hospital São Rafael, em Imperatriz, por meio de contratualização. E disse ainda que possui uma rede para tratamento oncológico em todas as faixas etárias, distribuídas nas três macrorregiões do Maranhão.

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