Polêmica

A ponte nova que não foi inaugurada: a história do presidente que "não veio"

Um dos acontecimentos que marcaram a entrega do novo acesso foi o fato de que o governo planejou uma programação que não se confirmou, em razão da recusa do presidente da República em comparecer

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Sob a ponte, quiosques incrementam a urbanização e representam fonte de trabalho e sobrevivência
Sob a ponte, quiosques incrementam a urbanização e representam fonte de trabalho e sobrevivência (sob a ponte)

Thiago Bastos

Da equipe de O Estado

Com a construção plena e atribuição do nome à nova via em homenagem, era necessário que as autoridades públicas usassem o fato para repassar a imagem de uma São Luís em desenvolvimento. Por isso, o objetivo era entregar a nova ponte, ou “Ponte Nova”, ou Ponte Bandeira Tribuzi com pompas e caracterização de grande obra.

Para isso, os gestores à época pensaram e consolidaram a ideia de trazer para a entrega o então presidente à época e que marcava o desfecho do período militar no país, General João Figueiredo.

De característica considerada mais moderada, em relação aos seus antecessores, Figueiredo ainda assim era um homem de convicções fortes e que exigia habilidade para convencê-lo sobre vir ao Maranhão.

Isso porque o homem que “batizava” a recém pronta via era visto como um integrante das forças comunistas – diametralmente contrárias às ideias militares. Tribuzi – além de rotulado como comunista – era marxista e defensor de conceitos que pregavam a igualdade social e maior equilíbrio nas distribuições de riqueza entre todos.

Por isso, coube a gestores mediarem um possível consenso para que Figueiredo se sentisse convencido e à vontade para exercer primordialmente o seu papel de então chefe de Estado e inaugurasse a obra (que de acordo com os organizadores era financiada com recursos praticamente integrais do governo maranhense, frutos de diversas fontes locais).

Neste momento, o então governador do Estado, João Castelo – que organizara um programa de inauguração de obras, como a Ponte Bandeira Tribuzi e outras antes de desincompatibilizar do cargo para exercer frente à corrida ao mandato no Senado Federal – acompanhado por aliados como o ex-presidente Sarney e pessoas influentes no momento na sociedade e jornalismo locais, como Pergentino Holanda – organizaram uma frente para demover a ideia de Figueiredo acerca da vinculação entre seu histórico militar e as diretrizes defendidas por quem dava nome à consolidada ponte.

De acordo com o jornalista e ex-presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), Benedito Buzar, o ex-presidente José Sarney –foi um dos mais ativos na busca por reverter nos bastidores este cenário. O objetivo era mostrar às autoridades federais que Tribuzi não era integrante do Partido Comunista e que, ainda punido durante a Revolução de 1964, atuou em outras gestões desligadas de pautas de esquerda, como de seu governo e do governador Pedro Neiva. “Tentamos de tudo. Mas o Figueiredo não queria nem saber de comunista”, disse Sarney durante uma das inúmeras visitas de cortesia a PH em sua sala, ao lado da redação histórica de O Estado.

Além de Sarney, Pergentino Holanda também fora indicado para convencer Figueiredo a vir. No encontro com o presidente, Pergentino – referendado pelo então governador do Maranhão, João Castelo – reforçou o convite para que Figueiredo visitasse o Maranhão para inaugurar, na capital maranhense, o novo acesso moderno que viabilizaria o melhor fluxo de veículos na cidade. O encontro se deu em agenda oficial.

Após um dossiê acerca da vida de Tribuzi – preparado pelo escritor Bernardo Almeida e apresentado a Figueiredo como um homem rico culturalmente e personagem único e peculiar, PH volta para a Capital convencido de que, apesar do forte relato e desenvolto sobre a vida do poeta Tribuzi, não havia atingido o objetivo.

Segundo Buzar – que relata esta passagem importante histórica para a nação em um texto intitulado “A Ponte que não foi inaugurada”, o Serviço Nacional de Informação – que apurava possíveis complôs contra o Regime – vetou a participação do então presidente Figueiredo no ato.

O veto ocorreu com a data selada de inauguração da nova ponte, ou seja, 21 de setembro de 1982. Até os últimos instantes, o presidente Figueiredo tentou ser convencido do contrário. Sem sucesso, veio a chamada “fórmula salvadora”: o Governo do Maranhão fora obrigado a suprimir da solenidade a inauguração da Ponte sobre o Rio Anil. “Houve uma solenidade de entrega, mas sem o mesmo peso idealizado pelos organizadores”, afirmou.

Ao mesmo tempo em que pedia, sem sucesso, a presença do presidente Figueiredo, aliados de Castelo pediam a retirada do nome Tribuzi, para “garantir” a participação presidenciável no ato. Castelo não temeu às pressões e manteve o nome. Antes de conhecer a atualidade da fonte, é preciso se ater a outros detalhes para o financiamento da obra.

A ponte veio no boom do estado

Com uma respeitável fonte de financiamento oriunda basicamente de empréstimos, do fomento da atividade petroleira mundial e outras origens, o Maranhão passou a entregar – por meio da gestão local, várias obras que marcaram época. Conforme citado por Benedito Buzar, na capital do Estado, o destaque foi para a entrega do Sistema Italuís, destinado à captação e tratamento de água do Rio Itapecuru.

Outra obra emblemática foi o Complexo Esportivo do Outeiro da Cruz que, de acordo com pesquisa de O Estado, foi erguido por uma empresa com ligação no estado vizinho, Piauí. Registros jornalísticos do início da década de 1980 apontavam que a mesma empresa executora da Ponte Bandeira Tribuzi fora a responsável pelo Castelão. No entanto, a informação não foi confirmada por Antônio José Britto, que então trabalhou na obra. “Na verdade, foi outra empresa quem executou a obra”, frisou.

Outros serviços marcantes para o Estado foram – ainda apontados pela pesquisa encabeçada por Buzar – o Centro Recreativo do IPEM e conjuntos habitacionais, como a Cidade Operária, cuja origem e consolidação como centro de moradia foram contadas por O Estado em suas páginas em matérias recentes.

Apesar destas e outras obras, sem dúvida, a Ponte Bandeira Tribuzi foi uma das mais importantes, pelo seu aspecto agregador na malha viária da cidade e por sua importância na consolidação da expansão da cidade por outro eixo que ligasse o Centro a outras localidades. Em detalhes, Antônio Britto contou como se dava a fonte de financiamento da obra. “Havia duas fontes, uma chamada de Fundo Estadual de Desenvolvimento e outra denominada de Prodem. Estas fontes eram somente para investimentos na capital, de grande volume de recursos e mobilização financeira e de recursos humanos”, afirmou.

Ele lembrou que, na ocasião, a administração organizava-se a partir de três pilares: fundos da administração própria, de participação e o chamado fundo especial. “Com isso, o governo não somente fez obras importantes na capital, como a Ponte Bandeira Tribuzi, como outras em cidades fundamentais do interior”, frisou.

Seu relato é fundamental para entender que a obra não surgiu aleatoriamente, e sim de uma preparação do Estado para grandes investimentos.

A Ponte sob outro olhar: além do trânsito, é fonte de renda e cenário de pobreza

Com alças que interligam localidades como Camboa, Centro e adjacências, a Ponte Bandeira Tribuzi – com suas pistas e passarelas – serve ainda de fonte de renda para a população ribeirinha. Além de ser útil como acesso e cobertura para a comunidade pesqueira do entorno da construção viária, a Ponte é infelizmente cenário para flagrantes de desigualdade e contraste sociais.

O Estado, durante reportagem, verificou dois carroceiros catando lixo debaixo da Ponte. Sem dar entrevista, os dois disseram que a Ponte é um ponto escolhido para descarte irregular de resíduos, em especial, de estabelecimentos que atuam no ramo da produção de alimentos. Um dos carroceiros disse ainda que o “lixo” também serviria para saciar os animais de sua residência no Centro.

Quanto à importância pesqueira e para outras atividades, debaixo da Ponte Bandeira Tribuzi, há uma organização – quase uma cooperativa – de pessoas que buscam nas águas a fonte de renda pelos peixes. Pelo Porto da Camboa, acessado a partir das colunas da Ponte, é possível ver com detalhes a estrutura de sustentação da via, erguida e entregue – a partir da fase derradeira – com dois meses de antecedência em comparação ao período estipulado de entrega.

As embarcações saem diariamente do Porto da Camboa e são “guardadas” em um cais ao lado da estrutura, cobertas pela Ponte Bandeira Tribuzi. Debaixo e ao lado da Ponte, surgiram moradores que obrigaram o poder público a executar melhorias.

Reformas atuais, problemas e recuperação: o entorno e rota da Ponte Bandeira Tribuzi

Em 2016, a atual gestão do Governo do Maranhão anunciou um pacote de ações para a urbanização do entorno da Ponte Bandeira Tribuzi, como parte das obras do PAC Rio Anil.

Com área calculada em 17.5 m², no espaço, foram disponibilizadas uma praça, com áreas de lazer para crianças, academia ao ar livre para adultos e idosos, além de quiosques, quadra poliesportiva, pista para corrida e caminhada. Também foram incluídos, no projeto, um estaleiro para os pescadores que utilizam o porto e um depósito para armazenagem de carvão dos comerciantes do local. A atividade de coleta da palha também é uma marca do trecho abaixo da Ponte.

Em 2020, de acordo com informações da gestão estadual, estão em andamento reparos na via, com a reposição de peças de concreto das passarelas para travessia de pedestres e retoques nas muretas e barras de proteção. A revitalização está sendo realizada pela Agência Executiva Metropolitana (AGEM) e, na quinta-feira (29 de outubro) a tarde, eram vistos operários atuando no local.

Enquanto a gestão pública tenta manter o estado de conservação da ponte, por outro lado, são visíveis problemas estruturais. A começar na passarela e com placas de concreto ainda soltas em alguns pontos (em especial no corredor Jaracati-Centro). Alguns pilares abaixo apresentam sinais de desgaste.

No corredor da ponte, outra questão a ser sanada é quanto ao uso da pista pelas carroças. Diariamente, carroceiros que residem no Jaracati e que fazem frete com o meio de transporte animal de materiais de construção, aproveitando-se da grande concentração de empreendimentos do gênero na Camboa, são vistos atravessando a ponte em horários de grande fluxo. Alguns carroceiros, em exceção, são mais cuidadosos e aproveitam um intervalo curto de trânsito livre para passarem.

Homenagem a uma das referências literárias: da ponte surge a Avenida Carlos Cunha

Ex-integrante da Faculdade de Filosofia do Maranhão, membro da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, da Academia Brasileira de Trovas e da Associação Brasileira de Imprensa, Carlos Cunha empresta seu nome a uma das vias mais movimentadas de São Luís, a Avenida Carlos Cunha, no bairro Jaracati, cuja interligação somente fora possível a partir da construção da Ponte Bandeira Tribuzi.

Foi por ocasião da amizade com Tribuzi que Carlos Cunha colaborou por anos no jornal O Estado do Maranhão onde escreveu sobre a história da política maranhense. No periódico, lançou artistas como Jesus Santos, na pintura; e Luís Carlos, na escultura. Também, em parceria com Bandeira Tribuzi, lançou o poeta Luís Augusto Cassas.

De origem humilde, o menino frequentou a escola pela primeira vez aos sete anos de idade, no Instituto Zoe Cerveira e de lá, ingressou no Colégio Marista, atual Colégio Maranhense, onde iniciou antigo primário e concluindo-o no Grupo Escolar Raimundo Correia.

Estudou na Academia de Comércio, onde cursou Técnico em Contabilidade, à noite, porque trabalhava durante o dia. “Sem dúvida, um dos grandes nomes da arte no nosso Estado”, disse Pergentino Holanda, um admirador do trabalho de Cunha.

O último dia 22 de outubro marcou as três décadas do falecimento de Cunha. Um homem de diversos atributos que, além de entusiasta da boa literatura e do desenvolvimento de artistas, também foi um exímio educador.

Saiba mais sobre Tribuzi

José Tribuzi Pinheiro Gomes, o Bandeira Tribuzi, mudou-se para Portugal, a fim de concluir seus estudos. Por lá, graduou-se em Ciências Econômicas, na Universidade de Coimbra, e iniciou sua formação político-ideológica no marxismo, já que Portugal sofria com o Salazarismo.

Carregado de influências europeias, ele retornou ao Maranhão em 1948, período que coincide com a chegada do Modernismo ao estado, diferentemente do que aconteceu no resto do país, quando foi instituído o período modernista em 1922.

Amigo do também escritor José Sarney, eleito governador do Maranhão, aceitou o convite deste para assumir a Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão (Sudema) e o Banco de Desenvolvimento do Maranhão (BDM). Após a passagem pelo setor econômico do estado, voltou-se para o jornalismo e fundou, juntamente com José Sarney, o jornal O Estado do Maranhão, em 1973, diário de notícias de maior circulação até os dias atuais.

O poeta morreu em virtude de um infarto, no Estádio Municipal Nhozinho Santos, durante uma partida do Moto Club, time do qual era torcedor apaixonado.

Em 1986, o governador Luiz Rocha criou o Memorial Bandeira Tribuzi, na Ponta d’Areia, próximo do que hoje está construído o Espigão Costeiro.

Números

1979 foi o ano de retomada das obras da Ponte

974 metros de extensão da Ponte Bandeira Tribuzi

1977 foi o ano de falecimento de Bandeira Tribuzi

18 meses foi o tempo de duração aproximado da segunda parte das obras da via

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