Terapia

Covid-19: videochamadas ajudam na recuperação de pacientes

"Projeto ChAMA", realizado no Hospital Municipal Djalma Marques (Socorrão 1), reduz a distância entre os pacientes e seus familiares, por meio das chamadas de vídeos, que são feitas duas vezes durante a semana, ou mais

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
Com o Projeto paciente pode se conectar com a família, durante a internação, recebendo amor e apoio
Com o Projeto paciente pode se conectar com a família, durante a internação, recebendo amor e apoio

Imagem que fala
De acordo com Sílvia Helena de Araújo, coordenadora de enfermagem do Setor de Isolamento Covid-19 do Hospital Municipal Djalma Marques, por causa do novo coronavírus, houve uma orientação geral, em âmbito estadual e municipal, para que as unidades de saúde se organizassem com relação aos acompanhantes, por conta da possibilidade de contágio. Desse modo, cada hospital desenvolveu sua portaria, para reduzir o risco de disseminação da Covid-19 entre pacientes e parentes/amigos. “Esses familiares tinham a oportunidade, diariamente, antes da pandemia, de fazer visitas, conversar com o médico, com a equipe multidisciplinar. Com a pandemia e os decretos, essas visitas, sobretudo aos pacientes em estado crítico, foram suspensas, temporariamente”, explicou a enfermeira e idealizadora do “Projeto ChAMA”.

Ela disse que, quando viu essa situação, ficou preocupada, pois, de alguma forma, deveria existir uma maneira segura para que esse contato permanecesse. Então, a enfermeira conversou com a equipe do Djalma Marques, a fim de que algo pudesse ser feito nesse sentido. Quando dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras, às vezes, isso é verdade. Uma foto, enviada por uma colega de trabalho de Sílvia Helena, gerou uma luz nas ideias. O registro fotográfico mostrava uma ação, desenvolvida em um hospital do Estado da Paraíba, com uso de tablet, voltada para pessoas internadas com a Covid-19.

“Quando recebi a foto, liguei na mesma hora para uma amiga do hospital onde trabalho, uma assistente social, Jeanne Silveira Nascimento Ferreira. Conversamos sobre a ideia. Ela aceitou o desafio de fazermos as videochamadas. Então, iríamos desenvolver e aprender o processo juntas”, relembrou Sílvia Helena. Ela comentou que, no dia 8 de abril, as chamadas de vídeo foram iniciadas, com testes acerca do áudio e da imagem, para que tudo saísse sem nenhum problema. Para o projeto, a participação do médico Daniel Geovane Silva Souza deu um peso importante. Estava formada, dessa forma, a equipe inicial da missão.

“Alguns familiares iam até a porta do hospital, para receber informações. O médico descia para passar o boletim médico. A assistente social, então, descia com o celular dela, para onde estavam os familiares. Eu permanecia no setor, junto com os pacientes. Eu fazia a ligação para o celular dela e transmitia o momento do paciente internado. Os pacientes faziam perguntas, conversavam, brincavam. O momento era muito importante para todos os envolvidos”, frisou ela. Como salientou a enfermeira, a equipe também estendeu as videochamadas aos parentes daqueles pacientes em sedação, em ventilação mecânica, que não têm como se comunicar verbalmente. O objetivo era demonstrar como eles estavam recebendo o tratamento, no leito, sendo bem cuidados e higienizados.

[e-s001]Correspondências que curam
Em um primeiro momento, o projeto ainda não havia sido nomeado, como a profissional de saúde do Socorrão 1 mencionou. Mas, com o sucesso da ideia, foi denominado “ChAMA”, termo que faz alusão às chamadas e também ao amor envolvido na missão. A entrevistada ressaltou que, conforme a continuidade das transmissões, a equipe de Psicologia do hospital foi convidada a participar. Desse ingresso, surgiram as cartas, que são escritas pelos familiares dos pacientes, como mais uma forma de manter o contato e ajudar na recuperação.

A equipe de Psicologia faz a leitura das cartas aos pacientes internados. As cartas também são plastificadas, para que sejam entregues. É um momento mágico. É mais uma maneira de levarmos esperança, uma mensagem motivadora, para quem tanto precisa nesse momento delicado”, observou Sílvia Helena. Como diria José Saramago, esta é a matéria da escrita dessas pessoas. Por isso, elas escrevem e por isso se sentem tão bem escrevendo aquilo que sentem.

Dentro ou fora dos familiares dos pacientes, todos os dias acontece algo que os surpreende, algo que os comove, desde a possibilidade do impossível a todos os sonhos e ilusões, ainda como se expressaria o escritor Saramago. As cartas, portanto, realmente possuem esse poder de transformar o silêncio que machuca em um diálogo que cura.

Tablets que aproximam
Com uma semana de projeto, recordou a enfermeira, o trabalho foi levado ao conhecimento da diretora do Socorrão 1, Bernadete Ferreira, que, imediatamente, adorou a ideia e a considerou válida nesse contexto de pandemia. “E, no outro dia, ela disponibilizou um tablet para fazermos as chamadas de vídeo, porque a tela é maior, mais dinâmica, com maior visibilidade. A gente continuou tudo em abril realizando na UCI. Convoquei os coordenadores da UTI, da Sala Vermelha da emergência, para desenvolvermos mais ainda o projeto”, esclareceu a idealizadora.

Ela disse que, já em maio, a equipe recebeu doações de outros tablets feitas por uma empresa. Então, a Prefeitura de São Luís também entregou mais dispositivos para o projeto. O Hospital Municipal Djalma Marques teve que se adequar ao momento e criou um Setor de Isolamento, pois havia muitos pacientes internados com Covid-19, que não poderiam ficar juntos com os demais. “Nesse setor, temos a enfermaria, e também para os mais graves, que precisam de UTI. No dia 12 de maio, a direção fez o convite para que eu fosse a coordenadora de Enfermagem do setor”, declarou a entrevistada.

Conforme a enfermeira, a equipe percebeu o quanto as pessoas internadas com coronavírus estavam se sentindo sozinhas, muitas vezes distantes dos municípios onde residem. Foi encaminhado, então, um recado às famílias, sobre o projeto, para que autorizassem as videochamadas. Para a alegria dos envolvidos, todas aceitaram.

Chamadas de esperança
O poeta John Donne, em seu famoso texto, observa que, se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída. Trazendo essa afirmação literária para o contexto ludovicense, é possível analisar que a distância entre quem está infectado pelo novo coronavírus e seus familiares/amigos é maior quando estão separados fisicamente. Reduz-se, portanto, uma parte do contato. Mas tudo pode ser preenchido pela conexão virtual. Por meio do “Projeto ChAMA”, os pacientes têm a oportunidade de mostrar aos parentes que, em breve, poderão conversar pessoalmente, movidos pelo carinho, o amor, a ternura e a felicidade.

De manhã ou à tarde, a equipe do projeto entra em contato com os familiares do paciente, para avisar que a videochamada será realizada. As chamadas são feitas duas vezes durante a semana, mas, caso o internado solicite, podem ocorrer outras, mesmo para aqueles que estão em ventilação mecânica ou na enfermaria. “O que parecia satisfatório, se tornou ainda maior. O nosso coração estava realmente feliz com isso. O momento é maravilhoso, descontraído. Existe todo um pânico em torno dessa doença, se a pessoa vai sobreviver, se está bem, se está respirando. Mas os familiares têm como olhar o paciente, tirar suas dúvidas. E recebemos depoimentos de agradecimento pelo trabalho desenvolvido”, expressou Sílvia Helena.

Hoje, o projeto cresceu, com mais adeptos, incluindo assistentes sociais, médicos, psicólogos, enfermeiros e terapeutas ocupacionais. Atividades lúdicas são desenvolvidas com os pacientes, que têm a oportunidade de mostrar as pinturas artísticas que fazem no Setor de Isolamento para os familiares nas videochamadas. “Esse cuidar vai além das medicações, de verificar sinais vitais. É importante entendermos o paciente como um todo, porque existe algo muito maior do que a doença. Ele precisa ser assistido em todos os eixos, em todas as esferas. E estamos fazendo isso diariamente”, enfatizou a idealizadora do projeto.

SAIBA MAIS

Depoimentos de agradecimento
As videochamadas oferecidas pelo projeto desenvolvido no Hospital Municipal Djalma Marques possuem esse encanto que coloca a vida em outro patamar, por meio de uma mensagem de esperança e fé. A questão não é apenas sobreviver, uma vez que a ideia é provocar uma transformação ampla, mantendo o fio que une aquilo que está distante àquilo que está próximo. Devido ao “ChAMA”, a comunicação não se perde, nem mesmo quando o tablet não está sendo utilizado, pois a expectativa para o próximo contato supera a angústia, resgatando a luz que estava tímida na escuridão causada pela Covid-19. Os depoimentos de agradecimento dos familiares à equipe do projeto comprovam que a esperança nunca morre. Ou, quando ilusoriamente morre, é ressuscitada pela fé. Um dos parentes de paciente internado no Socorrão 1 declarou, emocionado, que teve o prazer de conversar com sua mãe a partir das chamadas de vídeo. “Deu para perceber que ela se sentiu bem. Todos nós nos sentimos abraçados, de alguma forma, apesar da distância. Foi muito bom. Queria agradecer o hospital”, comentou. A filha da paciente frisou que ficou impressionada pelo fato de sua mãe ter se recuperado muito rápido. Depoimentos similares são recebidos todos os dias, com mensagens de agradecimento e reconhecimento pelo trabalho terapêutico realizado no hospital. Afinal de contas, na saúde ou na doença, a humanização faz parte da rotina dos verdadeiros heróis, que nunca deixam de acreditar que suas missões diárias são resumidas na ideia de que nenhum ser humano é uma ilha, isolado em si mesmo, pois cada um de nós é um pedaço do continente, uma parte da terra firme.

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