Violência

Isolamento social deixa mais vulneráveis crianças e adolescentes vítimas de abusos

Especialistas comentam situação e recomendam, vizinhos e outros adultos da família devem denunciar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas
A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas (violência contra criança)

São Luís - À medida que a população tem acatado o isolamento social, na tentativa de achatar a curva de contágio da Covid-19, um outro e velho desafio traz preocupação, neste cenário de isolamento social: a situação das vítimas de maus tratos que têm na família os próprios agressores. Nesse contexto, crianças e adolescentes são as ainda mais vulneráveis. Nesta segunda-feira, 18, é o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e merece uma reflexão.

No Brasil, a cada uma hora, três meninas menores de 18 anos são vítimas de violência sexual. A cada 4 horas, isso acontece com uma menina de 13 anos, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo dados do Balanço Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2018 o Brasil registrou 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que haja um grande volume de subnotificações nos casos de violência sexual e apenas 10% sejam reportados. Os estudos apontam que a maioria das vítimas é violentada dentro de casa, na família, e por alguém conhecido.

O número de denúncias de violações contra pessoas socialmente vulneráveis registradas no Portal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos cresceu no último mês. A maioria dos casos é relativa a ataques contra pessoas socialmente vulneráveis (3.469) ou em restrição de liberdade (797). Idosos, crianças e pessoas com deficiência somam 1.028 ocorrências.

Embora seja lei que toda criança precisa de um lar seguro para viver, não são todos os pequeninos que desfrutam de sentimentos como amor, carinho e aconchego. Em alguns casos, a casa onde a criança vive com os pais é o palco de inúmeras violências. Segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, a maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente, os parentes mais próximos. O estudo também mostra que a maioria das violências é praticada mais de uma vez.

"Como as crianças estão em casa e o abusador também, o risco aumenta absurdamente. Precisamos alertar os cuidadores sobre esse risco, que fiquem mais atentos às crianças, principalmente à noite e de madrugada, pois os agressores e abusadores têm o hábito de acessar as vítimas enquanto todos estão ausentes ou dormindo", alerta a psicóloga Celiane Lopes, do Hapvida Saúde.

Abuso sexual
Para evitar que isso ocorra, os adultos da família que têm maior aproximação com a criança precisam estar atentos ao comportamento delas. Muitas vezes, por medo, as crianças não usam palavras para dizer explicitamente o que estão vivendo, mas a especialista ressalta que os pequenos dão sinais. "Geralmente, não é um sinal só, mas um conjunto de indicadores. É importante ressaltar que a criança deve ser levada para avaliação de especialista caso apresente alguns deles".

O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no padrão de comportamento das crianças. Segundo Celiane, esse é um fator facilmente perceptível, pois costuma ocorrer de maneira repentina e brusca. "Por exemplo, se a criança nunca agiu de determinada forma e, de repente, passa a agir. Se começa a apresentar medos que não tinha antes, como medo do escuro, de ficar sozinha ou perto de determinadas pessoas. Ou então mudanças extremas no humor: a criança era super extrovertida e passa a ser introvertida, calada. Era super calma e passa a ser agressiva", exemplifica a psicóloga.

Importante lembrar que a mudança de comportamento também pode se apresentar com relação a uma pessoa específica, o possível abusador. Como a maioria dos abusos é cometida por pessoas da família, às vezes, a criança apresenta rejeição a essa pessoa, fica em pânico quando está perto dela. E a família estranha: 'Por que você não vai cumprimentar fulano? Vá lá!'. "São formas que as crianças encontram para pedir socorro, e a família tem que tentar identificar isso", recomenda.

Em outros casos, a rejeição não se dá em relação a uma pessoa específica, mas a uma atividade. A criança não quer ir a uma atividade extracurricular, visitar um parente ou vizinho ou mesmo voltar para casa depois da escola. Tudo isso pode ser traduzido como medo de se colocar em uma situação que a deixa vulnerável.

Apesar de, em muitos casos, a criança demonstrar rejeição em relação ao abusador, é preciso usar o bom senso para identificar quando uma proximidade excessiva também pode ser um sinal.

Identificando algum comportamento estranho, o melhor a se fazer é, antes mesmo de conversar com a criança, procurar ajuda de um especialista que possa trazer a orientação correta para cada caso.

Violência física
Bastante popular entre as famílias de todo o mundo, as palmadas hoje são verdadeiros motivos de polêmica e divisão de opiniões. Segundo, o cientista social da Estácio São Luís, Gabriel Nava, historicamente, as famílias brasileiras vêem a punição física como forma de educar os filhos. Essa realidade ainda é comum e defendida abertamente dentro dos núcleos familiares, principalmente das tradicionais. “Desde a colônia essa forma de educar e ensinar princípios éticos e morais eram usados. A educação tradicional jesuítica possuía nas suas escolas funcionários para realizar a punição determinada pelo professor. Essa forma de educar estava ligada a percepção da criança como um adulto em forma. A infância era desconsiderada”, lembra Gabriel Nava, cientista social da Estácio São Luís.

O problema é que, agora, submetidas a situações estressantes dentro de casa o dia inteiro, muitos pais e mães têm se descontrolado e o impulso de dar uma palmada nas crianças ultrapassa o limite. “Aparentemente, aquela palmada resolve o problema, parece ter um efeito instantâneo. Porém, a longo prazo, esses espancamentos trazem consequências graves até na vida adulta”, enfatiza a psicóloga Celiane Lopes.

Mas por que o castigo físico? Celiane explica que o indivíduo é um reprodutor de comportamentos. “É um reflexo, só age assim quem foi ‘educado’ assim e, portanto, não acredita no diálogo para educar. O diálogo dá um pouco mais de trabalho sim, mas resolve, em especial se for estabelecido desde cedo. Há diferença entre ser firme e ser violento. Tem que explicar o motivo, ser firme com carinho”, defende,

Lei da Palmada
Publicada no ano de 2014, a Lei 13.010, conhecida como Lei da Palmada, proíbe pais de aplicarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante para educar os filhos. Ficou determinado que, aqueles que agredirem os filhos devem receber orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, além de advertência.

De acordo com o artigo 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais podem, ainda, perder a guarda, ser destituído da tutela e do poder familiar. Além dos pais, podem ser enquadrados parentes, servidores que cumprem medidas socioeducativas ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar da criança. Quem recebe as denúncias é o Conselho Tutelar.

SAIBA MAIS

18 de Maio – Histórico

O dia 18 de Maio é uma conquista que demarca a luta pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes no território brasileiro. Esse dia foi escolhido porque em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES), um crime bárbaro chocou todo o país e ficou conhecido como o “Caso Araceli”. Esse era o nome de uma menina de apenas oito anos de idade, que teve todos os seus direitos humanos violados, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta daquela cidade. O crime, apesar de sua natureza hedionda, até hoje está impune. O dia 18 de Maio foi proposto em 1998, quando cerca de 80 entidades públicas e privadas, reuniram-se na Bahia para o 1º Encontro do Ecpat no Brasil.

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