Demanda

Doentes de lúpus estão sem hidroxicloroquina no Maranhão

Pacientes que se tratam com o medicamento reclamam, além da falta da substância em farmácias convencionais, da alta de preço para manipulação

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
Hidroxicloroquina sumiu das prateleiras das farmácias de São Luís e manipulação está mais cara
Hidroxicloroquina sumiu das prateleiras das farmácias de São Luís e manipulação está mais cara (hidroxicloroquina)

Na esperança de se recuperarem do novo coronavírus o mais rápido possível, muitas pessoas estão procurando se tratar com hidroxicloroquina, que é indicado para pessoas com afecções reumáticas e dermatológicas, artrite reumatoide e outras doenças. O problema é que a demanda pelo medicamento para quem deseja se curar da Covid-19 está deixando os pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) sem o imunossupressor. Denúncias feitas ao jornal O Estado indicam que algumas farmácias estão vendendo 30 cápsulas por R$ 502.

Segundo as denúncias, desde o avanço da pandemia no Maranhão, os lúpicos estão sofrendo com a falta do medicamento, essencial para o tratamento dessas pessoas. Antes do novo coronavírus, 30 cápsulas de hidroxicloroquina estavam custando entre R$ 70 e R$ 130, mas esse preço aumentou para R$ 502, como os pacientes relataram a O Estado. Desse modo, os laboratórios não estariam mais enviando a droga para as farmácias, em uma tentativa de estabilizar a produção/distribuição.

“As farmácias começaram a vender o medicamento pelo preço aumentado para tratamento da Covid-19, prejudicando quem tem lúpus e outras doenças”, disse uma das denunciantes. Com a ausência da hidroxicloroquina, o grupo teve que apelar para as farmácias de manipulação, conhecidas como farmácia magistrais, mas o valor assustou. O grupo declarou que 30 comprimidos foram oferecidos por R$ 135 em um dos locais. Em outro, ficou por R$ 143.

Um dos pacientes disse que pediu o orçamento para uma farmácia de manipulação, sendo que os valores ficaram em R$ 450 para 30 doses do medicamento. Para seis doses, o preço foi de R$ 120.

Sobre o lúpus

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), lúpus é uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Em casos mais graves, se não tratada adequadamente, pode matar. Não se sabe ao certo o que causa a enfermidade, tendo em vista que o fato de o sistema imunológico atacar e destruir tecidos saudáveis do próprio corpo é um comportamento anormal do organismo.

No entanto, os estudos presentes na literatura médica e científica nacional e mundial apontam que as doenças autoimunes, o que inclui o lúpus, podem ser uma combinação de fatores, como hormonais, infecciosos, genéticos e ambientais. Os sintomas podem surgir de repente ou se desenvolver lentamente. Eles também podem ser moderados ou graves, temporários ou permanentes. A maioria dos pacientes apresenta os moderados, que surgem esporadicamente, em crises.

O MS informou que os sintomas podem também variar de acordo com as partes do seu corpo que forem afetadas pelo lúpus. Os sinais mais comuns são fadiga, febre, dor nas articulações, rigidez muscular e inchaços, dor no peito ao inspirar profundamente, sensibilidade à luz do sol, dor de cabeça, confusão mental e perda de memória.

Tratamento da doença

Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, o tratamento da pessoa com LES depende do tipo de manifestação apresentada. O lúpico pode necessitar de um, dois ou mais medicamentos em uma fase (ativa da doença), e poucos ou nenhum medicamento em outras fases (não ativas ou em remissão). Também são incluídos remédios para regular as alterações imunológicas do lúpus e de medicamentos gerais para regular alterações que o enfermo apresente em consequência da inflamação, como hipertensão, inchaço nas pernas, febre, dor etc.

“O uso da cloroquina (ou hidroxicloroquina) está indicado tanto para as formas mais leves quanto nas mais graves e deve ser mantido mesmo que a doença esteja sob controle (remissão), pois auxiliam na manutenção do controle do LES”, frisou a Sociedade Brasileira de Reumatologia.

Hidroxicloroquina e coronavírus

Sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento de infectados pelo novo coronavírus, não há unanimidade sobre sua eficácia. Alguns especialistas alegam que o medicamento é ótimo para aliviar os sintomas da Covid-19. Outros, porém, dizem que as evidências não possuem fundamento. Apesar de não haver um consenso na comunidade científica, esses imunossupressores, seu grupo farmacológico, estão sendo utilizados em hospitais para pacientes graves contaminados pela doença, como está acontecendo no Maranhão.

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), a substância já é ministrada em todos os pacientes graves, nos hospitais da rede estadual, com diagnóstico do novo coronavírus. De acordo com o órgão, a ministração de 400mg da hidroxicloroquina segue o protocolo do Ministério da Saúde. “A SES ressalta que o protocolo para tratamento dos pacientes de Covid-19 utilizado no Hospital Dr. Carlos Macieira é o modelo norteador do atendimento nas unidades da rede estadual e está disponível no site da Secretaria, no ícone Protocolos de Atendimento”, pontuou.

No Hospital São Domingos (HSD), situado na capital maranhense, existe a disponibilidade das referidas medicações para o tratamento contra a Covid-19, como a empresa informou em nota. “Estão sendo utilizadas em casos específicos, de acordo com protocolo e após avaliação e decisão conjunta da equipe médica”, declarou.

Diálogo sobre hidroxicloroquina

No dia 23 de março deste ano, a Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) abriu diálogo com o Ministério da Saúde e os governos estaduais do Brasil para se colocar à disposição do poder público a expertise do setor para o preparo de medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina. O objetivo é possibilitar que esses medicamentos cheguem com agilidade aos centros de saúde que optarem por essa linha de tratamento, fazendo uso da capilaridade do segmento.

Além da aplicação do medicamento para pacientes com Covid-19, as farmácias podem contribuir para preparar medicamentos que supram a demanda de pacientes crônicos (lúpus e doenças reumáticas), que fazem uso contínuo dessas substâncias e se viram desabastecidos em meio à corrida pela hidroxicloroquina.

Perigos da automedicação

O jornal O Estado já publicou reportagem apontando os perigos da automedicação da droga, na qual a farmacêutica generalista Elcynez Campos Silva salientou que o medicamento é registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento de artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. Fora desse campo de abrangência e apesar de promissores, não existem estudos que comprovem o uso da hidroxicloroquina, sem evidências conclusivas, sobre a sua eficácia com relação ao coronavírus, muito menos sobre a segurança da utilização dessas drogas em pacientes contaminados pela Covid-19, como frisou ela.

“Por isso, é um dos objetos de vários estudos em andamento, para tratamento da Covid-19. Sendo assim, a automedicação pode representar um grave risco à sua saúde”, enfatizou Elcynez Campos Silva, pós-graduada em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica.

Testes em pacientes

A farmacêutica pontuou que os primeiros testes com hidroxicloroquina foram realizados por alguns estudantes da França, que fizeram o procedimento em 40 pacientes graves, todos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e entubados. Os resultados, segundo ela, foram contundentes. Isso significa que os infectados pelo novo coronavírus reagiram muito bem ao medicamento e foram curados. “Porém, devemos lembrar que esse medicamento tem seus efeitos adversos, sendo alguns bem graves, como a arritmia cardíaca, podendo levar o paciente ao óbito”, destacou Elcynez Campos.

Ela também ressaltou que em alguns pacientes que tiveram o teste positivo para a Covid-19, do tipo assintomáticos, não graves ou graves, o medicamento não está tendo a mesma eficácia com relação a outros infectados que receberam os imunossupressores. “Alguns reagem melhor com a associação de hidroxicloroquina e azitromicina, trazendo resultados excelentes. Por isso, a importância do farmacêutico para a dispensação desse medicamento que hoje é obrigatório, em um receituário especial, com duas vias. Todos da área da Farmácia estamos unidos no mesmo objetivo, que é a conscientização e a cura do coronavírus”, expressou a entrevistada.

A farmacêutica declarou que a hidroxicloroquina ou cloroquina, nesse momento, são uma incógnita, porque há pacientes que reagem bem, enquanto outros não. Devido a essa oscilação, o tratamento fica por conta do médico, dependendo do quadro clínico da pessoa contaminada. Ela frisou que, embora esteja sendo muito procurada, a hidroxicloroquina só pode ser comercializada com prescrição médica. Isso acontece porque está classificada na categoria conhecida como “Controle Especial”, da lista C 1.

O medicamento

A hidroxicloroquina é usada em tratamento contra malária. Também é indicada para pessoas que tenham doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso. Ela é muito confundida com a cloroquina, embora os benefícios clínicos sejam parecidos. Por outro lado, os efeitos adversos no organismo dos pacientes são distintos. A hidroxicloroquina, segundo alguns estudos científicos, é considerada um pouco mais segura, com menos efeitos colaterais.

As pesquisas mostram que os dois medicamentos podem causar problemas como distúrbios de visão, irritação gastrointestinal, alterações cardiovasculares e neurológicas, cefaleia, fadiga ou nervosismo. A hidroxicloroquina, que foi determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como produto controlado, possui contraindicações, como para pacientes que tenham menos de 6 anos de idade ou quem é alérgico a cloroquina.

Devido aos efeitos colaterais, um hospital da França interrompeu o tratamento experimental usando hidroxicloroquina para pacientes com coronavírus. Foi verificado que o eletrocardiograma dos pacientes analisados apresentou anomalias, o que comprova a conclusão de alguns estudos no mundo que mostram que o medicamento tem potencial para levar uma pessoa à morte súbita cardíaca em determinados infectados.

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