Índice preocupante

Maranhão lidera número de casos de conflitos de campo no país

Dado é da Comissão Pastoral da Terra, que detalhou as ocorrências deste tipo no território brasileiro; caso dos índios Gamela, em Viana (MA), repercutiu internacionalmente e virou motivo de preocupação para autoridades

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h39
Índio Gamela que foi ferido em conflito ocorrido na cidade de Viana
Índio Gamela que foi ferido em conflito ocorrido na cidade de Viana (Índio Gamela que foi ferido em conflito ocorrido na cidade de Viana)

O Maranhão é o estado do país com os maiores registros de conflitos de campo no país. A constatação tem como base o índice de ocorrências do ano passado, catalogados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e encaminhadas a O Estado, envolvendo fazendeiros, indígenas, membros de comunidades quilombolas e de movimentos fundiários. Atualmente, de acordo com a entidade, mais de um terço (aproximadamente 34%) do território maranhense é dominado por confrontos cujo “prêmio” é um pedaço de terra.

No total, ainda segundo levantamento da CPT, em 75 cidades do estado houve disputa por terras somente no ano passado. Entre os municípios que apresentam as maiores tensões envolvendo disputas de terras, estão Codó (com 16 conflitos somente em 2016), Matinha/Viana - região onde ocorreu no dia 30 do mês passado um conflito entre os índios Gamela e possíveis representantes de fazendeiros da região com 15 casos - e São Luís (com 11 casos).

Considerando o saldo total de 196 conflitos, o Maranhão supera estados conhecidos nacionalmente por possuírem grandes áreas consideradas propícias para conflitos agrários, como Rondônia (que está em segundo lugar no índice de conflitos de terras, com 172 casos), Bahia (com 164 ocorrências), Pará (143 casos) e Minas Gerais (116 ocorrências).

Dentre os fatores citados para a alta ocorrência de casos deste tipo no estado, está a expansão do agronegócio, que faz elevar a especulação imobiliária rural – especialmente nos municípios com grandes áreas produtoras. E mais: grilagem (prática antiga de falsificação de documentos para a retomada ilegal de terras consideradas devolutas ou de terceiros) e a duplicidade de registros que, na prática, seriam duas ou mais pessoas dizendo ser “donas da mesma terra”.

Segundo o integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão (OAB), Rafael Silva, somados a estes fatores está o desrespeito às origens étnicas, já que muitas das terras em disputa no estado pertencem a grupos sociais ou comunidades desde os séculos anteriores. “Quando não há este respeito às populações que detêm os direitos das terras há muito tempo, aumenta a possibilidade de conflitos nestas regiões”, disse.

Ele citou ainda a ausência, por parte de órgãos especializados, de projetos de regularização dos lotes de terra. O Estado tentou contato, durante toda a semana, com representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No entanto, nenhum representante foi localizado para comentar sobre os números.

Outras cidades

Ainda de acordo com a CPT, outras cidades do Maranhão têm destaque negativo quando o assunto é disputa por propriedades. Além de Amarante do Maranhão ( Oeste do Maranhão), com 7 casos; São Benedito do Rio Preto (no Leste maranhense) também com 7 casos, há ainda os municípios de Santa Quitéria e Palmeirândia - com seis conflitos de terra registrados em 2016 cada.

Dados parciais

Segundo a CPT, em 2017 existem apenas dados parciais referentes a problemas fundiários no estado, já que o levantamento completo é feito anualmente. De acordo com o relatório, de janeiro a abril deste ano foram registrados até o momento 20 assassinatos cujas motivações foram disputas territoriais. Dentre os casos, houve um no Maranhão.

Com base no levantamento da CPT, o caso citado aconteceu no município de São Vicente Ferrer, que teve registro fundiário em 2016 e também no mês passado. Segundo dados do órgão, a vítima, identificada por Raimundo Silva (o “Umbico”), de 57 anos, foi executado quando voltava para a comunidade Charco. Os familiares do líder quilombola acreditam em possível “emboscada”. A Polícia Civil investiga o caso.

Ameaças de morte

Ainda de acordo com a Comissão, o Maranhão é o recordista no número de pessoas ameaçadas de morte por causa de conflitos de terra em diferentes regiões do estado. Segundo a entidade, 72 pessoas já foram “intimidadas” por supostos posseiros que desejam se apropriar de lotes de terra. Outro estado que se destaca negativamente no quesito é Rondônia, com 40 pessoas ameaçadas.

Além das ameaças, como forma de inibir a permanência dos possíveis donos das terras, pessoas que querem tomar inapropriadamente os lotes agridem fisicamente os proprietários. Segundo a CPT, em um ano foram registrados no território maranhense 18 agressões físicas a pessoas que estão instaladas em terras alvos de disputas.

Entidade defende “direito às terras” aos Gamela

Entidades de defesa dos direitos indígenas defendem a existência dos índios Gamela, alvos dos conflitos fundiários na região de Viana. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), em nota encaminhada a O Estado, a informação de que os índios Gamela estão extintos não procede.

Ainda segundo a entidade, em todo o Brasil foram registrados 1.536 casos de conflitos de terra no país em 2016. Segundo a Funai, a entidade “atua no estrito cumprimento de sua missão institucional”, ou seja, o de “promover e proteger os direitos dos povos indígenas no país, em observância à Constituição Federal”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também se manifestou sobre os altos índices de conflitos de terras no Maranhão. Segundo a entidade, “nenhuma etnia pode ser considerada extinta, a não ser que seja por posicionamento oficial do Estado”.

Outro órgão que atua na questão fundiária no pais, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), divulgou em seu site oficial, no último dia 4, um balanço atualizado sobre os mais recentes assentamentos de terra. De acordo com os registros, nenhum projeto de reforma agrária foi executado no Maranhão no ano passado. Vale lembrar que o Incra é uma autarquia federal “cuja missão prioritária é executar a reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional”.

Poder público

Em nota, o Governo do Maranhão informou que encaminhou, no dia 2 deste mês, ofício para a Funai solicitando apoio para trabalhar na região (sem especificar que trabalho seria ) de Viana. No entanto, o governo informou que, até o dia 5, ainda não havia tido resposta oficial por parte do órgão federal de defesa das causas indígenas.

Quadro

Municípios com registros de conflitos de terras no MA

- Açailândia

-Aldeias Altas

- Alto Alegre do Maranhão

- Alto Alegre do Pindaré

- Amapá do Maranhão

- Amarante do Maranhão

- Anajatuba

- Anapurus

- Arame

- Araguanã

- Araióses

- Bacabal

- Bacabeira

- Barra do Corda

- Belágua

- Benedito Leite

- Bom Jardim

- Bom Jesus da Selvas

- Brejo

- Buriti

- Buriticupu

- Buritirana

- Cândido Mendes

- Carutapera

- Caxias

- Centro do Guilherme

- Centro Novo do Maranhão

- Chapadinha

- Codó

- Coelho Neto

- Coroatá

- Duque Bacelar

- Formosa da Serra Negra

- Governador Nunes Freire

- Grajaú

Igarapé do Meio

- Itaipava do Grajaú

- Itapecuru-Mirim

- Lago do Junco

- Maracaçumé

- Maranhãozinho

- Matinha

- Matões

- Matões do Norte

- Mirador

- Miranda do Norte

- Mirinzal

- Nova Olinda do Maranhão

- Palmeirândia

- Parnarama

- Peri-Mirim

- Peritoró

- Pirapemas

- Primeira Cruz

- Santa Quitéria

- Santa Helena

- Santo Amaro

- Santa Luzia

- Santa Luzia do Paruá

- São Benedito do Rio Preto

- São João do Caru

- São Luís

- São Mateus

- São Pedro da Água Branca

- São Raimundo das Mangabeiras

- São Vicente Ferrer

- Serrano do Maranhão

- Timbiras

- Tuntum

- Turiaçu

- Tutóia

- Urbano Santos

- Viana

- Vila Nova dos Martírios

- Zé Doca

Fonte: Comissão Pastoral da Terra (CPT)

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