Exploração

Maranhão é o 2º estado do Nordeste em abuso do trabalho infantil doméstico

Casos como o de Maria Isabel Castro Costa são a realidade para mais de 22 mil crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, no Maranhão; 95% das crianças exploradas em trabalho doméstico são meninas e 74% delas, negras

Adriano Martins Costa / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h44
Cartilha do Unicef trata do trabalho infantil  doméstico
Cartilha do Unicef trata do trabalho infantil doméstico (trabalho)

os 8 aos 14 anos, Maria Isabel Castro Costa morou na Rua de São Pantaleão, no centro de São Luís. A casa onde morava ficava bem ao lado da tradicional Escola Sotero dos Reis, mas ela nunca pôs os pés no colégio, já que sua vida se resumia a cuidar de três crianças, filhas da dona da casa. A história de Isabel se passou há mais de 40 anos, mas hoje ainda é a realidade para mais de 22 mil crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, no Maranhão. Esses números tornam o estado o segundo maior explorador de mão de obra infantil para o trabalho doméstico no Nordeste, atrás apenas da Bahia.

Segundo Carla Serrão, assistente social, mestre em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão e especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes, o trabalho infantil doméstico é uma atividade incrustada na história do Brasil como algo natural. Mas que rouba a infância de milhares de crianças, em especial meninas, no estado.

Meninas como dona Maria Isabel. Hoje com 56 anos, ela é empregada doméstica, com carteira assinada e todos os seus direitos garantidos, mas viveu um período ruim em sua vida. Na década de 1960, ela nasceu em um povoado onde hoje fica o município de Central do Maranhão. Assim que viu a luz, o dono do terreno onde vivia a família foi até a casa e disse que a menina era dele. Segundo contou a mulher, nessa época era comum que os grandes latifundiários tomassem também a posse das pessoas, como em um regime escravocrata. Quando ela tinha 3 anos, sua mãe morreu. Aos 7 anos, o “dono do povoado” foi até sua casa reivindicar a menina.

Vida de exploração
Entre muitas reviravoltas, idas e vindas, Maria Isabel foi parar na casa da Rua de São Pantaleão. Quase como se tivesse sido vendida, disseram que ela não tinha mais família, que estava todo mundo morto, e fizeram de seus acolhedores sua nova parentela. Mas era mentira, já que, além do pai, outros nove irmãos ainda estavam vivos.

Na casa, ela foi cuidar de duas crianças, gêmeos de 4 anos. Sua vida era isso. Não tinha direito a brincar, estudar, viver, sonhar. Somente ficar de olho nos meninos. Nem mesmo adoecer lhe era permitido. Conta que uma vez, quando o terceiro filho da família já havia nascido, ela estava debilitada, doente, nem se aguentava em pé. Mas a deixaram para olhar a criança no berço. Desmaiou. Acordou sob os gritos da patroa.


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Noutra situação, ela era obrigada a varrer todos os domingos, religiosamente, a calçada em frente à casa. Um desses dias, terminou o serviço e entrou. Um vento forte veio e espalhou terra no chão recém-limpo. A patroa, mais uma vez, a chamou, xingou-a, e disse que Maria Isabel deveria varrer o chão de verdade, pois ela mentiu da primeira vez. A menina tentou argumentar, mas a adulta se abaixou, tirou a chinela do pé, que naquela época era bem mais pesada do que as de hoje, e avançou em seu rosto. “Se eu não boto a mão, ia direto na minha cara. Já começaram a me maltratar. Eram os riscos que eu corria”, relembra.

Maria Isabel mudou de vida aos 14 anos, quando foi literalmente resgatada da casa onde morava. Um dia estava na janela e o irmão dela, que já estava em São Luís e não cessava de procurá-la, a viu. Ele perguntou se ela era a filha do Jorge, do Monte Cristo. Quando recebeu a afirmativa, descobriu-se o parentes­co. Maria Isabel foi embora da casa, e só então passou a frequentar escola e sonhar com uma vida melhor. Nunca mais viu seus antigos patrões.

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