O domingo foi muito bom para os dois filmes brasileiros dentro da programação da Semana Internacional da Crítica, uma das mostras paralelas de maior prestígio do Festival de Cannes.

O único longa brasileiro de toda a programação deste ano, "Sonhos de Peixe", do diretor russo Kirill Mikhanovsky — que pela condição de estreante concorre ao troféu Caméra D''Or — e o curta do paulista Esmir Filho, "Alguma Coisa Assim", foram recebidos com entusiasmo em sua primeira apresentação, pela manhã. Ambos concorrem ao prêmio de melhor filme desta seção.

Um espectador francês, emocionado, fez questão de abraçar José Maria Alves, o pescador potiguar que interpreta Jusce em "Sonhos de Peixe", uma transposição quase documental da vida real do vilarejo pesqueiro de Baía Formosa (RN).

A reação do público foi um presente extra para Alves, que nunca havia viajado de avião. O lugar mais longe a que chegara antes de Cannes havia sido Recife, mas de barco a motor, há dois meses, viagem que demora um dia inteiro.

Ele contou que começou a pescar aos 12 anos e entrou no filme por pura sorte. "Eu estava por ali, no porto de Baía Formosa, quando a produção chegou e acabou me escolhendo", disse.

A inexperiência não foi obstáculo para que Alves conseguisse transmitir as complexas emoções de seu personagem, o pescador Jusce. Ele vive da pesca da lagosta e da raia — atividade ilegal e perigosa, como o filme deixa bem claro —, ao lado de João (Chico Díaz, um dos raros atores profissionais do elenco).

Jusce é apaixonado por Ana (Rúbia Rafaelle) e pinta o nome dela em barcos em miniatura. Até o dia em que outro ex-pescador, Rogério (Phellipe Haagensen, de "Cidade de Deus"), que melhorou de vida levando turistas estrangeiros para passeios de buggy, começa a disputar com ele a atenção da moça.

Na luta para não perder Ana, Jusce faz sacrifícios, como vender sua casinha a um estrangeiro para poder comprar o sonho de consumo da amada: uma TV para assistir à novela.

Segundo a produtora Fernanda De Capua, "Sonhos de Peixe" foi produzido com orçamento de 350.000 dólares — vindos dos Estados Unidos e da Rússia. Nenhum centavo foi obtido no Brasil já que, pelo fato de o diretor ser russo, o filme não pôde ser inscrito nas leis de incentivo.

O diretor, Kirill Mikhanovsky, de 32 anos, conta — em bom português — que descobriu o Brasil em 1995, ao ouvir uma música de Caetano Veloso no filme "A Flor do Meu Segredo", de Pedro Almodóvar. Foi passar férias no país, chegando a Baía Formosa em 2001. "Era um lugar quase virgem", descreve.

O roteiro do filme evoluiu da paixão pelo local. "A história veio das pessoas que viviam ali. Não inventei nada. O que filmei foi o que vi", garante.

Mesmo sem falar português no início das filmagens e de ter enfrentado um período de chuvas, Kirill apreciou o resultado final. "Oitenta por cento do que se vê na tela não foi ensaiado. Filmei com os atores que pude achar, com muitas cenas sendo inventadas na hora. Foi só quando entrei na sala de montagem que vi que uma mão protetora nos guardou, até nos nossos erros", diz ele, que filmou por seis semanas.

BEIJO CENSURADO

A sessão matinal do curta brasileiro "Alguma Coisa Assim", do diretor paulista Esmir Filho, de 23 anos, dentro da Semana da Crítica, acabou sendo a primeira exibição pública de sua versão completa. O curta já fora exibido antes em uma mostra da Cultura Inglesa em São Paulo, mas sem uma cena que mostra um beijo entre dois rapazes em uma boate (André Antunes e Daniel Tavares).

A cena é fundamental para o roteiro, que aborda a indecisão, ambigüidade e curiosidade dos adolescentes, inclusive na esfera amorosa. Um casal de amigos (André Antunes e Caroline Abras) vai a uma casa noturna. O rapaz está curioso para saber como é namorar um homem, e a garota ajuda-o a se aproximar de um dos freqüentadores (Daniel Tavares).

A equipe que representa o curta é a mais jovem desta seção do festival. Além do diretor, com 23 anos, vieram sua diretora assistente, Mariana Bastos, de 24, André Antunes, de 22, e Caroline Abras, de 18. Todos muito felizes com sua primeira vez sob o sol da Riviera francesa.

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