Show

Zeca Baleiro diz que a 'música brasileira está fofa'

O artista diz que também tem seu momento de fofura. Zeca faz show em São Luís, neste sábado, dia 6.

Pedro Sobrinho / Na Mira

Atualizada em 27/03/2022 às 12h16

O cantor e compositor Zeca Baleiro apresenta a turnê 'Calma Aí, Coração" neste sábado (6), no Centro de Convenções Pedro Neiva de Santana, no Calhau. Na ocasião, o artista estará apresentando ao público canções do mais novo CD, 'O Disco do Ano', o 9º disco de músicas inéditas de sua carreira pela gravadora Som Livre. Na quarta-feira (3), Zeca Baleiro conversou, informalmente, com a imprensa, no Sebo Poeme-se (Praia Grande). Também participou de noite de autógrafos, com direito a clipes de suas músicas e a participação dos fãs que fizeram fila na Praia Grande. Sempre acessível, Baleiro respondeu a todas as perguntas feitas por jornalistas, radialistas e blogueiros, com irreverência, às vezes em tom de ironia e sempre com a língua afiada que Deus lhe deu. Ele falou sobre diversos assuntos, mas o foco principal foi o novo disco.

 Zeca Baleiro faz show da turnê 'Calma Aí, Coração', neste sábado, (6), onde apresenta canções do novo CD 'O Disco do Ano'. Foto: David Fortes /Imirante.com
Zeca Baleiro faz show da turnê 'Calma Aí, Coração', neste sábado, (6), onde apresenta canções do novo CD 'O Disco do Ano'. Foto: David Fortes /Imirante.com

De Volta ao Começo

Voltar a São Luís e encontrar os amigos é sempre um prazer. Aqui, tudo começou. Eu sou anterior a Praia Grande como atração turística e já vivia, artísticamente, antes do projeto Reviver. Aqui, eu tomei muitas pingas e toquei em bares [lembrou o Risco de Vida]. O Riba, do Poeme-se, é um contemporâneo meu em um tempo de muita efervescência cultural, nos meados dos anos 80, quando se tinha eventos no Circo Cultural, instalado na avenida Beira-Mar, próximo a RFFSA. Foi um período efervescente, cristalino, onde muitos talentos desabrocharam. A música passou a ser levada a sério na minha vida a partir desse momento. Riba fazia parte do grupo de poetas da Academia dos Párias, um grupo de poetas que mexeu com a cena artística de São Luís. Eu era muito próximo deles. E a volta às origens é uma forma de homenagear a resistência do Sebo Poeme-se, há mais de 20 anos funcionando numa cidade sem livrarias. É lamentável para uma terra de poetas e que já foi chamada de Atenas Brasileiras. Enfim, não é um problema da minha alçada.

O Disco do Ano

O público pode acompanhar de perto o novo álbum, e a resposta me surpreendeu pelo volume de gente interagindo. Nós começamos, por meio do hotsite em janeiro, mostrar os bastidores da produção do CD, com pequenos vídeos e mensagens minhas, postadas diariamente até a data de lançamento. Não era para ser um 'Big Brother', um 'Reality Show', mas pensei da necessidade de ter a cooperação do público não para tentar entender a concepção e complexidade do disco, mas para se envolver com o lúdico que existe por trás disso. A gente teve a ideia de fazer uma enquete sobre a capa do novo disco. Criamos três capas, três ensaios fotográficos. Na primeira capa, o público elegeu a capa oficial do disco. O segundo ensaio fotográfico escolhido pelos internautas ficou para a tiragem limitada do 'Disco do Ano' em vinil, um sonho de criança, onde presentearei Kid Vinil [pra quem eu perguntei em uma música quando ele iria gravar CD. Ele me respondeu dizendo que já tinha gravado. Ele me perguntou quando eu iria gravar vinil. Eu gravei (rsrsrs)]. Pois bem, e no que diz respeito ao terceiro ensaio foi o que mais gostei. Mas a gente perdeu e respeitou a decisão democrática. Foi um processo interessante e a gente vê o alcance que tem isso. A internet é um 'baita' veículo e que deve ser bem utilizado, coisas que nem sempre acontece. Pra mim, essa interação foi útil e divertida.

Brasília, por quê ?

Desde o primeiro disco, a gente tem buscado não fazer o mesmo caminho de sempre. Estrear no Rio ou São Paulo e depois fazer o caminho afora. A partir do Líricas, o meu terceiro disco, começamos a fazer isso por Belo Horizonte. A estreia do disco com Fagner foi em Porto Alegre. Baladas no Asfalto foi em São Luís. O Coração do Homem Bomba foi em Manaus e depois percorreu as cidades de Belém, Macapá, no Norte. Nunca havíamos feito no Centro Oeste, especialmente, Goiânia e Brasília, duas cidades que têm acolhido bem o meu trabalho. Veio a calhar um produtor nos procurando, querendo fazer a estreia do show em Brasília, no palco enorme do Villa-Lobos, embora abandonado, é um palco histórico e não recusamos o convite. Foi um misto de desejo e acaso para realização do show. Embora sendo maranhense, o importante é descentralizar, pois traz satisfação pessoal. E o interessante é curtir outra temperatura, fugir do circuito Rio-São Paulo, que tem um público formador de opinião e já conhecido, em que a reação em certo sentido é previsível.

Heterogêneo

Sei que onde tem gente tem encrenca. Fiz a escolha de trabalhar com vários produtores para fugir um pouco desse trabalho de produção. Já fiz meus próprios trabalhos e alheios. Essa responsabilidade passei para outros produtores. É legal ter outra pessoa de fora para que se tenha um embate. E dizer isso não tá legal, poderia ficar melhor. Sozinho você tem que decidir tudo. Eu acabei virando uma espécie de gerente de produção descentralizador dessa loucura criativa toda. Mas, coisas incriveis aconteceram até porque trabalhei com gente que nunca tinha trabalhado. Uma delas foi o Luís Brasil, um cara que adoro o que faz. Já trabalhou com Cassia Eller, Jussara Silveira, além do Beto Vilares, que tem produzido muita coisa interessante. Já produziu com Céu, Siba e faz trilha sonora para cinema. Algumas pessoas que vestiram algumas dessas canções me surpreenderam bastante. E como sempre fui promíscuo desde o começo da carreira. Já trabalhei com muita gente. Nesse disco, tem as participações de Wado, da cantora japonesa Kana, Frejat, Margareth Menezes, da minha irmã Lúcia Santos e de Chorão, de quem sou fã, e Andréia Dias, uma figura da geração posterior a minha e que acho muito boa artista. No meio dessa diversidade, já fiz discos enxutos. Mas eu gosto dessa confusão, pois sempre sai uma coisa interessante. As pessoas ficam muito obcecadas por unidade. A pergunta que mais ouço é esse disco não tende a ficar sem unidade ? Eu respondo: nem Deus é uno. A bagunça, a confusão, a heteregoneidade me interessa muito mais como artista.

Show

Quando eu lanço um disco e faço o show, gosto de centrar naquele disco, senão corre o risco de ficar o cantor das mesmas 15 e 20 músicas de sempre. Levarei para o palco aquelas músicas que todos cantam juntos. Mostraremos as canções mais antigas de maneira reciclada, rearranjadas. Mas o show é bastante centrado no repertório do novo disco. Foram preparadas algumas projeções para o show. Tem releituras de Martinho da Vila, Marina Lima, e algumas surpresinhas...

MPM ?

A projeção dela lá fora ainda é muito desconhecida. Não sei explicar o que acontece. A gente é rico em talentos, mas a produção cultural local não consegue transpor barreira. Nem se pode justificar mais que é pela distância geográfica, argumento esse que era justo quando se tinha dificuldades para se gravar disco anos 70. Os artistas tinham que ir para Belém, Recife, para gravar. Na época, em São Luís, existia a Sonato, um ponto de resistência, mas que era insuficiente. Recife virou matriz cultural do Nordeste, mas em termos de produção cultural, acho que a gente não fica a dever. Tem alguma coisa que impede que essa música se expanda. Aí, é assunto para antropólogo, sociólogo ou, quem sabe, um cientista político e não para um belo compositor popular. Como diria Tom Jobim: 'o caminho, a saída, é o aeroporto do Tirirical (rsrsrs).

Ano do Brasil em Portugal

Foi no domingo 23, [parece mais a música de Jorge Benjor, rsrsrs] que me apresentei no show de abertura do Ano do Brasil em Portugal, em Lisboa, evento que reúne uma série de atividades culturais dos dois países. E nesse dia me apresentei e dividi o palco com Martinho da Vila, Zé Ricardo, Pedro Luís e os artistas portugueses Paulo Gonzo, Carminho e o rapper Boss AC. Foi um show coletivo, mas deu entrada para que volte para lançar o 'Disco do Ano', em Portugal. Lancei os meus discos lá. Embora com a crise econòmica é um mercado muito interessante pra mim. Eu gosto muito de lá.

Pra Que Pensar ?

A Música Popular Brasileira está fofa. A música é uma crônica de costumes, narra a história de um tempo, de uma época. Nos anos 60, 70, a música era rica porque a época exigia isso. Os anos 80 foi marcado por outro momento. Hoje, predomina uma alienação que vai além do político. Temos menos teor ideológico. Eu não sei explicar direito. Mas acredito que tem haver com o mundo tecnológico, com esse mundo digital, das redes sociais. Isso tem criado uma neblina no pensamento. Eu tenho dois filhos adolescentes que estão inseridos nesse contexto. Eu sei bem que é isso. A gente próprio não está imune desse contágio. A internet é uma coisa viciante, 'quanto cocaína e tão perigosa quanto' [brincou]. A gente tem que ter muito cuidado com essas coisas. Como pai, estou sempre atento. Essa geração já nasceu dentro desse mundo. É uma geração muito pouco instigada a pensar, a questionar o mundo. Talvez, por isso, haja essa falta de estofo crítico nas canções feitas hoje. A gente vive um momento de fofa na música. Eu, também, tenho meu momento de fofura. Acho legal canções delicadas. Gosto do lado feminino no sentido grego da palavra. Mas acho que é preciso pintar a porta, de uma certa rudeza. Acho que o meu trabalho é uma transição entre tudo isso. Enfim, a música que predomina hoje é bonitinha, bacaninha, porém inócua. Ah, não sei se a música, hoje, tem o poder de outrora de mudar o quadro social e político. A internet tem mais poder. É terrível, [eu] um compositor popular, um cara que vive de música ter que falar isso. A internet tem mais poder de transformar, efetivamente, uma situação do que a música. A música virou uma trilha, um pano de fundo, um BG (background). Infelizmente !

A Música é uma brincadeira

O Funk da Lama é uma brincadeira. A princípio, os músicos não queriam dançar a coreografia. Aumentei o cachê e disse a eles que iriam ganhar muitas meninas [brincou Zeca]. Eu criei o funk e, especialmente, inventei a coreografia. Perguntaram porque não contratava bailarinos para dançar o funk. Eu preferi apostar nos músicos, pois a ideia que ficasse tosco e ridículo para combinar com a ironia da música. Os músicos gostam muito. É o melhor momento do show. Tudo não passa de uma brincadeira. A música é uma brincadeira. A matéria musical é uma celebração. Ela ganhoi outros contornos com o tempo se tornando uma coisa séria demais, talvez porque o momento político, social do mundo, exigia para que ela se tornasse séria. A música é um vínculo de entretenimento. Contesto quem fala que a música tem que ter sempre um papel social. Eu acho que não tem que ter (a priori), senão James Brown, Michael Jackson e Tim Maia seriam lixos ? A música é dança, obviamente, ela carrega em si um potencial incrível de comunicação, de interferências na vida das pessoas. É uma possibilidade imensa. Isso sim. Se a música tem essas possibilidades, vamos usá-las todas...

* Leia o Blog de Pedro Sobrinho.

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