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COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Um jogo de espelhos

O espelho provém do latim speculum, que significa especulação, termo dúbio que remete às ideias de conjectura, exploração, ou até mesmo de um estudo com validade científica.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 23/11/2023 às 10h47

O espelho provém do latim speculum, que significa especulação, termo dúbio que remete às ideias de conjectura, exploração, ou até mesmo de um estudo com validade científica. No princípio, os espelhos eram considerados objetos mágicos, nos quais seria possível enxergar o tempo livremente, por isso eram utilizados para a adivinhação. Posteriormente, foram empregados para observar e estudar os astros. Da mesma maneira, em uma primeira leitura dos contos A dama no espelho (1929), de Virginia Woolf, e A menor mulher do mundo (1960), de Clarice Lispector, podemos ressaltar o coincidente mistério que paira sobre os cenários descritos, o que sugere a necessidade de uma minuciosa investigação, como demonstram as passagens a seguir: 

“Das profundezas do sofá na sala de estar a gente podia ver refletidos no espelho italiano não apenas a mesa com tampo de mármore do lado oposto, mas também um trecho do jardim mais adiante. Podia ver uma longa trilha de grama que seguia por entre carreiras de flores altas até que, fazendo uma curva, a borda dourada a amputava. [...] A casa estava vazia, e a gente se sentia, por ser a única pessoa na sala de estar, como um daqueles naturalistas que, coberto de folhas e capim, fica observando os mais ariscos dos animais – texugos, lontras, martins-pescadores, também eles camuflados – andando livremente ao redor” (WOOLF, 1929, p. 57).

“Nas profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez surpreendente. Mais surpreso, pois, ficou ao ser informado de que menor povo ainda existia além de florestas e distâncias. Então mais fundo ele foi. No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo” (LISPECTOR, 1960, p. 68). 

A partir dos recortes acima, podemos notar que essas obras carregam consigo semelhanças no que diz respeito à procura por algo que normalmente é imperceptível – busca essa que parte tanto de um explorador profissional, quanto de uma pessoa leiga – bem como no que se refere à escolha vocabular, como, por exemplo, a utilização da palavra “profundezas”, para designar as dificuldades e/ou distâncias que os referidos personagens precisaram transpor para aproximarem-se de seus objetos de estudo, que tratam-se justamente das protagonistas de Clarice Lispector e Virginia Woolf, conforme observamos nos fragmentos a seguir: 

“Meia hora antes, a dona da casa, Isabella Tyson, tinha descido pela trilha de grama, em seu vestido leve de verão, carregando uma cesta, e tinha desaparecido, amputada pela borda dourada do espelho. Ela fora, supostamente, até o jardim dos fundos colher flores [...] Era, contudo, estranho que, tendo-a conhecido por todos esses anos, a gente não fosse capaz de dizer, no que concerne a Isabella, qual era a verdade” (WOOLF, 1929, p. 58).

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

“Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada. “Escura como um macaco”, informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu pequeno concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida” (LISPECTOR, 1960, p. 68). 

De acordo com as passagens supracitadas, notamos que os textos são narrados em terceira pessoa, respectivamente, por um narrador-personagem e um narrador onisciente. Ambos observam, com um certo distanciamento, as protagonistas e comentam suas primeiras impressões. Isabella Tyson é descrita como uma senhora hermética, que não é plenamente conhecida nem mesmo em seu círculo de amizades. No decorrer do conto, ela é apresentada como “uma solteirona; que era rica; que comprara esta casa e formava coleções com as próprias mãos – muitas vezes nos cantos mais obscuros do mundo e correndo o risco de picadas venenosas e doenças orientais” (WOOLF, 1929, p. 58). 

A personagem clariceana, por sua vez, trata-se do reflexo invertido de Isabella, ao ser retratada como uma mulher de baixa estatura, – considerada a menor do mundo – negra, silenciosa, que estava grávida e que vivia no coração da África, em uma casa humilde, no topo de uma alta árvore, com seu marido (curiosamente designado de “concubino”, termo que costuma ser empregado para se referir à figura feminina, assim, ela recebe um maior destaque na narrativa). Não havia viajado pelo mundo, nem tampouco tinha o conforto e as riquezas da protagonista de Woolf. Era simples, e, por vezes, animalizada: pertencia a uma “raça de gente (que) está aos poucos sendo exterminada [...] Os Bantos os caçam em redes, como fazem com os macacos. E os comem” (LISPECTOR, 1960, p. 69). Apesar de suas diferenças, as duas protagonistas são comparadas à flores, como demonstram as passagens a seguir: 

“como parecia mais natural supor, fora colher algo leve e fantástico e frondoso e rasteiro, uma clematite, ou um daqueles elegantes ramos de convólvulos que se enovelam em muros feios, explodindo aqui e ali em flores brancas e roxas. Mais do que o aprumado áster, ela sugeria o fantástico e trêmulo convólvulo, a empertigada zínia ou suas próprias e ardentes rosas, acesas como lâmpadas nos esteios retos das roseiras. A comparação mostrava quão pouco, após todos esses anos, a gente sabia sobre ela [...]. Tais comparações são mais do que fúteis e superficiais – elas são até cruéis, pois elas se interpõem, tremulando, tal como o próprio convólvulo, entre os olhos da gente e a verdade” (WOOLF, 1929, p. 58). 

“Foi, pois, assim que o explorador descobriu, toda em pé e a seus pés, a coisa humana menor que existe. Seu coração bateu porque esmeralda nenhuma é tão rara. Nem os ensinamentos dos sábios da Índia são tão raros. Nem o homem mais rico do mundo já pôs olhos sobre tanta estranha graça. Ali estava uma mulher que a gulodice do mais fino sonho jamais pudera imaginar. Foi então que o explorador disse, timidamente e com uma delicadeza de sentimentos de que sua esposa jamais o julgaria capaz: - Você é Pequena Flor” (LISPECTOR, 1960, p. 70). 

Nos fragmentos acima, podemos perceber que essa comparação tem conotações distintas, visto que, se por um lado, a enigmática Isabella ora é comparada à clematite, flor cuja parte superior se move em direção à luz, mas cuja parte inferior deve ficar à sombra, ora a um convólvulo, planta trepadeira que se entrelaça, e que é utilizada para cobrir muros rústicos; ou seja, ela é representada tanto como alguém que se encontra entre a luz e a sombra, a verdade e a ilusão, quanto como algo belo que disfarça/cobre as imperfeições ao seu redor. Por outro, a pigmeia é associada a uma pequena flor, no sentido genérico, por se tratar de um ser raro, frágil e efêmero. 

Nesse sentido, as flores, aliadas à figura feminina, têm diversos sentidos, visto que, em determinadas plantas,  elas são responsáveis por sua reprodução, se transformando em frutos, representando, dessa forma, a fertilidade e a vida; mas, em outros casos, as flores podem conter espinhos e veneno, para sua autodefesa, por isso, também simbolizam um perigo escondido, um subterfúgio das expectativas: a aparência em detrimento da essência, isto é, a representação, de acordo com a teoria filosófica de Schopenhauer (2002). Por esse motivo, as protagonistas, sobretudo Pequena Flor, causam diferentes impressões nos indivíduos, conforme notamos nos fragmentos a seguir: 

“Isabella conhecera muitas pessoas, tivera muitos amigos; e, assim, se a gente tivesse a audácia de abrir uma gaveta e ler suas cartas, encontraria as pistas de muitas comoções, de compromissos a honrar, de reprovações por não tê-los honrado, longas cartas de intimidade e afeto, violentas cartas de ciúme e acusação, terríveis palavras finais de despedida – pois todos aqueles encontros e escapadas tinham dado em nada – isto é, ela nunca se casara e, contudo, a julgar pela disfarçada indiferença de seu rosto, ela tinha tido vinte vezes mais paixões e experiências do que aqueles cujos amores são trombeteados para o mundo inteiro ouvir. Sob a tensão de pensar sobre Isabella, sua sala tornou-se mais sombria e simbólica; os cantos pareciam mais escuros, as pernas das cadeiras e mesas, mais espigadas e hieroglíficas” (WOOLF, 1929, p. 59). 

“Nesse domingo, num apartamento, uma mulher, ao olhar no jornal aberto o retrato de Pequena Flor, não quis olhar uma segunda vez “porque me dá aflição”. Em outro apartamento uma senhora teve tal perversa ternura pela pequenez da mulher africana que - sendo tão melhor prevenir que remediar - jamais se deveria deixar Pequena Flor sozinha com a ternura da senhora. Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho. A senhora passou um dia perturbada, dir-se-ia tomada pela saudade. Aliás era primavera, uma bondade perigosa estava no ar. Em outra casa uma menina de cinco anos de idade, vendo o retrato e ouvindo os comentários, ficou espantada” (LISPECTOR, 1960, p. 70). 

As passagens acima deixam explícito o modo como Isabella Tyson e a menor mulher do mundo despertam emoções díspares nos sujeitos. Em A dama no espelho (1929), o principal sentimento esboçado pelo narrador-personagem é a curiosidade, que “funcionava como um desafio. Isabella não queria ser conhecida – mas ela não devia mais fugir. Era absurdo, era monstruoso. Se ela escondia tanto e sabia tanto, a gente devia abri-la à força com o único instrumento disponível – a imaginação”, para isso, seria necessário “se negar a continuar sendo retardado por palavras e atividades ditadas pelo momento – por jantares e visitas e conversas civilizadas. Devia buscar saber onde lhe apertavam os sapatos” (WOOLF, 1929, p. 60). 

Por outro lado, após a publicação da fotografia de Pequena Flor no jornal de domingo, ela se tornou alvo de vários olhares e julgamentos. Foi motivo de curiosidade, espanto, remorso, incômodo, aflição e pena. Mas até essa piedade trata-se de uma “perversa ternura”. Consequentemente, tal como no conto O espelho (1962), de Guimarães Rosa, no qual o protagonista afirma que “em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo” (ROSA, 1962, p. 72), os sentimentos dos personagens clariceanos são como espelhos. 

Perante a figura de alteridade encontrada em Pequena Flor, quem demonstra repugnância, sente repugnância por si mesmo, quem revela antipatia, tem antipatia por si mesmo, quem expressa pena, na verdade, possui pena de si mesmo, e assim por diante. Logo, a menor mulher do mundo, inconscientemente, exerce um papel de influência em seus observadores, ao despertar seus sentimentos mais íntimos, e apresentar a realidade sem rasuras, tal como um espelho. Aliás, vale ressaltar que o espelho é um importante elemento, no referido conto clariceano, visto que, dentre as pequenas narrativas que orbitam ao redor da protagonista, destaca-se – não somente por sua maior extensão, mas sobretudo por sua densidade – a narrativa da mulher em frente a um espelho. 

Dentre as diversas impressões causadas por Pequena Flor, destaca-se a de um menino que diz a sua mãe que poderia colocar a pequena mulher na cama de seu irmão para assustá-lo, e que depois eles poderiam fazer dela um brinquedo. No romance Água Viva (1973), o narrador de Lispector diz que o “domingo é dia de ecos”, ou seja, um dia que traz consigo a repetição de memórias longínquas. O eco acontece quando um som refletido, por um determinado obstáculo, retorna ao seu emissor. Da mesma maneira, em um dia de domingo, uma lembrança choca-se contra o espelho e retorna à uma mulher, que estava enrolando os cabelos. 

Ela lembrou-se de algo que uma cozinheira lhe contou sobre o tempo que passou no orfanato: “Não tendo boneca com que brincar, [...] as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver num armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta”, após essa memória, a mãe “abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor” (LISPECTOR, 1960, p. 71). Então, ela olhou assombrada para seu filho, como se estivesse diante de “um perigoso estranho”. 

Ela o havia criado para pensar daquela maneira, por isso, “teve horror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felicidade. Assim olhou ela, com muita atenção e um orgulho inconfortável, aquele menino” (LISPECTOR, 1960, p. 72), e, ao invés de continuar essa reflexão sobre até que ponto vai o egoísmo humano, e quem sabe, alterar sua conduta e o modo como educava aquela criança, ela simplesmente decide comprar um novo terno para ele. Queria-o limpo e belo, como se essa “superficialidade tranquilizadora” pudesse afastá-lo dos desvios morais, e, principalmente, do incômodo causado pela verdade: 

“Então, olhando para o espelho do banheiro, a mãe sorriu intencionalmente fina e polida, colocando, entre aquele seu rosto de linhas abstratas e a cara crua de Pequena Flor, a distância insuperável de milênios. Mas, com anos de prática, sabia que este seria um domingo em que teria de disfarçar de si mesma a ansiedade, o sonho, e milênios perdidos” (LISPECTOR, 1960, p. 72). 

Logo após um prolongado processo de observação, raciocínio e conjecturas, o narrador-personagem e o explorador francês, enfim, chegam às suas conclusões sobre as protagonistas de Lispector e Woolf. Isabella e Pequena Flor são retratos invertidos da realidade, ao representarem, respectivamente, uma pessoa rica e influente, mas completamente vazia; e, uma mulher que “não tendo outros recursos estava reduzida à profundeza” (LISPECTOR, 1960, p. 75), conforme observamos nos fragmentos a seguir: 

“O espelho imediatamente começou a derramar sobre ela uma luz que parecia fixá-la; que parecia um ácido que corroía o inessencial e superficial, deixando restar apenas a verdade. Era um espetáculo arrebatador. Tudo caía dela – nuvens, vestido, cesta, diamante – tudo que a gente tinha chamado de trepadeira e convólvulo. Aqui estava o muro duro por baixo. Aqui estava a mulher em si. Ela ficou nua sob aquela impiedosa luz. E não havia nada. Isabella estava perfeitamente vazia. Não tinha pensamento algum. Não tinha amigos. Não se importava com ninguém. Quanto às cartas, eram contas” (WOOLF, 1929, p. 62). 

“Há um velho equívoco sobre a palavra amor, e, se muitos filhos nascem desse equívoco, tantos outros perderam o único instante de nascer apenas por causa de uma suscetibilidade que exige que seja de mim, de mim! que se goste, e não de meu dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não ser comido, amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha. Pequena Flor piscava de amor, e riu quente, pequena, grávida, quente” (LISPECTOR, 1960, p. 75). 

Contemplamos, a partir dos trechos acima, duas narrativas que, ao seu modo, recordam os três aspectos da natureza humana, instituídos por Schopenhauer (2002), a saber, “ser”, “ter” e “representar”. Se por um lado, Isabella Tyson, assim como seu nome controverso, revela duas faces antagônicas: a princípio, uma de pureza, tal como o convólvulo, que embeleza um “muro feio”, e, por fim, outra de brutalidade, por isso, é descrita como o próprio “muro duro” por baixo das flores, isto é, suas posses lhe davam um lugar de prestígio social, uma aparência benevolente e caridosa, porém, por trás das máscaras do “ter” e “representar”, havia um somente um ser totalmente vazio e indiferente. Por outro, Pequena Flor, como vimos anteriormente, trata-se de uma figura de alteridade, que desperta os sentimentos mais íntimos das pessoas, desestruturando suas convicções e valores pré-estabelecidos. 

Olhar para ela é como observar um espelho. Em consequência disso, Marcel Pretre, ao invés de compreendê-la, defrontou-se com suas próprias emoções contrastantes, desde a curiosidade, a admiração e a devoção, até o incômodo, o medo e a inveja, visto que ao observá-la sorrindo livremente, sem nenhum motivo aparente, “pela primeira vez desde que a conhecera, em vez de sentir curiosidade ou exaltação ou vitória ou espírito científico, o explorador sentiu mal-estar” (LISPECTOR, 1960, p. 73). E esse mal-estar foi causado pela sua descoberta: “a própria coisa rara” que não tinha bens ou fama, conhecia, no âmago de seu ser, o amor decorrente do simples fato de estar viva, de observar a beleza e o valor das coisas mínimas e de apreciar o Outro, em toda sua diversidade e subjetividades. Tudo que a polidez da dita civilização desconhece, ou, simplesmente ignora.

Diante disso, no conto de Virginia Woolf, Isabella Tyson representa um ser vazio, que escondia-se atrás de suas posses (ter) e de seu prestígio social (representação). Seria, desse modo, um alerta contra a superficialidade do consumismo e da indiferença. A narrativa acontece, não por acaso, no verão, momento de maior incidência de raios solares, propício para uma melhor observação de objetos e/ou indivíduos. A luz, assim, representa a realidade, e o espelho, a ameaça da revelação de verdades mascaradas. 

O conto de Clarice Lispector, por sua vez, tece várias críticas ao machismo, o racismo estrutural e ao desamor, que, por vezes, é confundido com a posse e o egoísmo. Ao se colocar um explorador profissional – conhecedor de várias culturas e idiomas, rico, alto e branco –, ao lado de Pequena Flor – uma mulher negra, considerada a menor do mundo, simples, e que não havia sequer um nome próprio – para aprender com ela várias lições de vida, o narrador inverte e critica a lógica do colonizador e do colonizado, da civilização e dos povos “primitivos”, e, sobretudo, do sistema patriarcal. 

Portanto, os contos A dama no espelho (1929) e A menor mulher do mundo (1960), sem dúvida, levantam discussões que permanecem atuais, não somente sobre a representação da figura feminina, como também de temas filosóficos, uma vez que a protagonista de Virgínia Woolf põe em evidência o “ter” e o “representar”, em detrimento do “ser” (que era um total vazio). Já na Pequena Flor, de Clarice Lispector, ocorre o oposto, e o “ser” suplanta o “ter” e o “representar”. Assim, nos indagamos: até que ponto a civilização é, de fato, evoluída? “E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos” (LISPECTOR, 1960, p. 73). Em uma sociedade na qual a indiferença é palavra de ordem, olhar a si e ao outro, como reflexos invertidos no espelho, é revolucionário.

 

REFERÊNCIAS

LISPECTOR, Clarice. A menor mulher do mundo [1960]. In: Laços de família. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

ROSA,João Guimarães. O espelho. In: Primeiras estórias [1962]. São Paulo: Editora Global, 2019.

SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida [1851]. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2002.

WOOLF, Virginia. A mulher no espelho [1929]. In: Contos Completos: Virginia Woolf. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

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