A dor senta ao lado
A dor é passageira de todo voo humano, não para ser evitada, mas compreendida, pois é ela que revela a força que já habita em nós.
O saguão do aeroporto era um mosaico de vozes, anúncios e malas deslizando pelo piso. Eu esperava meu voo, distraído, até que duas vozes próximas começaram a ganhar sentido no meu ouvido. Não sei se foi o tom sereno da senhora ou a atenção silenciosa da jovem, mas percebi que ali havia algo mais do que uma simples conversa.
— Minha filha — disse a senhora, com o olhar pousado num ponto que parecia mais distante do que o painel de partidas —, a dor é como um passageiro que senta ao seu lado. Você não escolhe, não sabe quando ela embarca e, às vezes, ela permanece durante todo o trajeto. No começo, a gente tenta ignorar, finge que ela não está ali… mas, cedo ou tarde, percebe que precisa aprender a viajar com ela.
A jovem ajeitou o cabelo, como quem queria ganhar tempo para responder, e retirou o outro lado do fone de ouvido.
— Eu pensava que superar era esquecer — disse baixinho —, mas não é. É seguir o voo mesmo com a dor no assento ao lado.
A senhora sorriu. Não era o sorriso de quem minimiza a vida, mas de quem já atravessou tempestades.
— A força não vem do que vemos pela janela, mas do motor escondido que mantém o avião no ar. Assim é com a gente: a dor não cria força, apenas revela a que já estava dentro.
Um anúncio ecoou pelo saguão, mas nenhuma das duas pareceu ouvir. A conversa seguiu sem pressa.
— Não se trata de evitar a turbulência — continuou a senhora —, mas de atravessá-la. Como dizia minha avó: quem foge do mau tempo nunca aprende a reconhecer o valor do céu limpo.
O embarque delas foi anunciado. Antes de partir, a senhora tocou a mão da jovem e disse:
— A dor pode mudar o destino, mas é você quem escolhe onde pousar.
Elas se afastaram, e fiquei olhando a porta de embarque se fechar. Permaneci parado naquela cena, imaginando: não sei qual era a realidade daquela senhora, se a dor de que falava já era memória ou ainda era ferida aberta. Pensei que talvez todos sejamos viajantes, e que, vez ou outra, a dor e o sofrimento venham sentar-se ao nosso lado. Não é um convite que possamos recusar — mas é uma companhia que, se bem compreendida, nos ensina a seguir viagem com mais coragem, expondo a fragilidade da vida e, por vezes, desafiando nossas seguranças. Sempre na esperança de que, em algum ponto da rota, as nuvens se abram para o sol.
Temos sido educados para negar o sofrimento, para rejeitar a dor e as dificuldades, como se isso fosse garantia de uma vida sem frustrações. Mas a natureza humana carrega uma ambiguidade: longe de ser castigo, ela é a amplitude das possibilidades de seguirmos voo com liberdade e realização.
Chegou a hora do meu embarque. O tempo, esse, nunca gira a nosso favor. Coloquei os fones e abri um aplicativo de música. Tocava, serena, a canção do Padre Zezinho: “Sabiás ainda são sabiás, mesmo quando não voam.” Assim segue a vida — que às vezes voa ferida.
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