O Velho Cais
Era fim de tarde no Cais da Praia Grande. A brisa chegava devagar, como quem não tem pressa de partir.
Era fim de tarde no Cais da Praia Grande. A brisa chegava devagar, como quem não tem pressa de partir. O céu tingia-se de dourado, e o sol, cansado, despedia-se do dia. Uma criança caminhava sozinha — era Toinho — olhos atentos, pés inquietos, como quem persegue algo que ainda não sabe nomear.
Sentado num banco antigo, o velho Theodoro observava o mar. Tinha o olhar de quem já viu muitos barcos partirem — e alguns poucos retornarem. Toinho se aproximou e sentou ao seu lado sem pedir licença, como só as crianças sabem fazer.
— O senhor sabe pra onde vai aquele barco? — perguntou, apontando um barco de vela colorida que cortava lentamente as águas da baía de São Marcos.
Theodoro olhou com calma. Sorriu, como quem reconhece um velho amigo.
— Vai pra Alcântara. Mas vai muito além, se a gente quiser ver com outros olhos.
Toinho franziu a testa, curioso.
— Como assim?
— Veja, menino, aquele barco tem um destino. Ele não corre, não se apressa. O vento é macio, mas firme. E os guarás, que sobrevoam como guardiões do caminho… Eles sabem onde pousar. Obedecem ao vento — e, às vezes, se rebelam. Sabem driblar armadilhas, contornar os obstáculos. Assim são os sonhos: precisam de direção, mas também de tempo, sensibilidade e disciplina.
— E se o vento parar? — perguntou o menino, olhando o barco que agora parecia menor no horizonte.
— Aí entra o remo — disse o velho Theodoro. — O esforço. O foco. Tem dia que o vento ajuda. Tem dia que a gente ajuda o vento. E tem aqueles dias em que a gente tem que remar contra tudo.
Toinho ficou em silêncio por um tempo. Os olhos fixos no barco, depois nos guarás, depois no mar.
— O senhor já teve um sonho?
O velho riu com ternura.
— Já tive muitos. Alguns ainda me esperam. Outros deixei escapar — por falta de coragem ou por pressa. A pressa é inimiga dos grandes sonhos. Ela cega. A falta de coragem é pior: nos impede de dar o passo, às vezes o mais decisivo. Com o tempo, isso pesa.
— Mas… e se eu não conseguir? — murmurou o menino, quase como quem revela um segredo que não queria dizer em voz alta.
— Sonho que se respeita não é pra se conseguir de uma vez — respondeu o velho. — Sonho é caminho, não é chegada. A disciplina é o leme. A sensibilidade, a vela. A dúvida também navega com a gente — disse, apontando para o próprio peito —, mas é aqui dentro que o rumo se decide.
Um silêncio bonito se fez entre os dois. O sol agora beijava a linha do mar. O barco sumia aos poucos no horizonte. O menino respirou fundo, como quem entende uma coisa pela primeira vez. Levantou-se devagar e agradeceu com os olhos.
— Vou sonhar com vento bom… e remar quando for preciso.
O velho assentiu, emocionado.
— E, quando chegar a Alcântara, olhe para trás. Vai ver que o mais bonito não era só chegar. Era ter partido.
Toinho saiu correndo, com os olhos acesos de mundo. Theodoro ficou. Os guarás ainda arrevoavam o céu. E o cais, como velho guardião, cumpria sua sina: continuava a ser o lugar onde os sonhos partem — e, às vezes, voltam diferentes.
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