[e-s001]Ao meio-dia de 3 de novembro de 1955, uma quinta-feira de sol, o avião “Presidente Stroessner”, um Douglas C-47 da Força Aérea do Paraguai, aterrissou no aeroporto do Tirirical, em São Luís, e dele desembarcou, para uma permanência de apenas uma hora em solo, o ex-presidente da Argentina, Juan Domingo Perón.
Deposto por um golpe militar menos de dois meses antes, Perón havia fugido para o Paraguai, onde recebera asilo temporário. No dia anterior à sua chegada ao Maranhão, embarcara em Assunção na aeronave militar cedida pelo governo paraguaio, cruzando o espaço aéreo brasileiro com destino a Manágua, capital da Nicarágua, de onde seguiria para a Espanha para um exílio que duraria 18 anos.
A hora transcorrida entre o pouso e a decolagem do “Presidente Stroessner” no Tirirical foi suficiente para que o político de maior projeção da América Latina à época concedesse uma entrevista exclusiva a jornalistas de O Imparcial e do Pacotilha O Globo, comprasse sardinhas em lata para o almoço e cumprimentasse e posasse para fotografias com funcionários civis e militares e trabalhadores do aeroporto, enquanto fumava desbragadamente.
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Aos dois diários maranhenses o líder argentino, que, um mês antes, a 3 de outubro, havia completado 60 anos de idade, disse estar seguindo para Manágua e outros países para denunciar o golpe de que tinha sido vítima e afirmou que voltaria à
Argentina como candidato às eleições seguintes. “Se não me privarem dos meus direitos constitucionais de cidadão, concorrerei à eleição presidencial de meu país e tenho certeza de que ganharei”, declarou. Para ele, o fato de ter perdido, havia pouco, a patente de general, cassada pelo Exército, não tinha importância. “Não liguei. O governo atual da Argentina e os seus atos não terão duração. Um governo que procura firmar sua base em perseguições e mortes dos adversários não pode perdurar”.
A história mostraria que Perón estava equivocado. Seu retorno à Argentina só seria permitida em novembro de 1972, quase 18 anos depois, aos 76 anos. Ele reorganizaria o seu Partido Justicialista, extinto pelos militares, e, em 1973, seria novamente eleito presidente. Morreu no cargo um ano depois, sendo sucedido pela Isabelita, sua terceira esposa, que era sua vice.
[e-s001]Furo de reportagem
A descida do Douglas C-47, reluzente artefato de fuselagem bege com a identificação do governo paraguaio pintada em letras pretas, causou alvoroço no pequeno campo de pouso de São Luís, pois nem o Departamento de Aviação Civil, com seu pequeno destacamento militar, nem os funcionários do aeroporto, sabiam daquele voo.
Mas os repórteres dos dois jornais, que pertenciam à poderosa rede de comunicação montada em todo o país por Assis Chateaubriand, souberam com antecedência, pois, minutos antes, chegaram ao local para registrar o pouso e tentar entrevistar e fotografar o passageiro ilustre. Entre os repórteres, estavam Nonnato Masson, Miécio Jorge, José Nogueira Arruda, Lago Burnett, Rangel Cavalcante e José Sarney, jovens que mais tarde iriam fazer história no jornalismo e em outras atividades.
- Eu estava lá, me lembro muito bem – diz o ex-presidente José Sarney, à época um jovem advogado e poeta de 25 anos, membro da Academia Maranhense de Letras e terceiro suplente de deputado federal. Sarney, que integrava a equipe dos Associados, participou da cobertura da visita e escreveu uma nota sobre o assunto no Imparcial. “Foi realmente um furo de reportagem”, recorda.
A tripulação do “Presidente Stroessner”, composta pelo comandante paraguaio Novak e pelo major Victor Radeglhia, secretário particular de Perón, desceu poucos minutos depois do pouso. Perón e a aeromoça paraguaia Lili Ramirez permaneceram no interior da aeronave. Os jornalistas então pediram que o comandante tentasse convencê-lo a conversar com eles. O ex-presidente desembarcou em mangas de camisa e um boné na cabeça, a todos cumprimentando e esbanjando simpatia. Conversou à vontade com os jornalistas, cumprimentou os funcionários civis e militares do aeroporto, deu autógrafos e posou para fotos.
“De sapatos pretos, presente do presidente do Paraguai, ganho no dia 3 de outubro, quando completou 60 anos de idade, calça de tropical cinzento, camisa esporte cor de sorvete cremoso e um boné tipo jóquei, Juan Domingo Perón, como diriam os cronistas sociais, ‘aconteceu’ ao sol do meio-dia no aerocampo do Tirirical”, escreveu Nonnato Masson, em divertido e espirituoso texto.
Masson descreveu a aeronave, “da cor de leite condensado”, como um “um avião de turismo, dado o luxo do seu interior”. Segundo ele, os tripulantes, fardados de verde, “à moda dos alunos do Colégio São Luís”, perguntaram, antes de apresentar qualquer documento, onde poderiam comprar sardinhas em lata. E só então confirmaram a presença do ex-presidente argentino no avião. Ele gostava de sardinhas em conserva e dos cigarros brasileiros Hollywood e Continental, informaram.
Diferentemente da reportagem política publicada pelo Imparcial, escrita provavelmente por Miécio Jorge, e do artigo que Lago Burnett escreveu para o Pacotilha atacando o velho caudilho (“O triste fim de Juan Domingo Perón”), Masson concentra a sua crônica na apresentação de Lili Ramírez, a aeromoça que acompanhava o presidente deposto, cuja beleza o impressionou.
O encontro com a jovem paraguaia “foi, não há dúvida, o momento mais emocionante da passagem de Perón por São Luís”, escreveu. “Alva e linda como uma personagem de Vargas Vila, de cabelos negros e olhos que pareciam duas fabulosas esmeraldas, o sol daquela tarde aureolando-lhe a figurinha insinuante de jovem guarani vestida de azul e branco, tal qual uma normalista”.
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E prossegue o repórter enamorado: “O resto da história é a seguinte: Peron no avião acenava com a mão desesperadamente através da janela e parece que ninguém observava. Porém, quando a mão de Lili agitou-se no gesto de adeus, todas aquelas mãos que estavam em terra ergueram-se e ficaram acenando até o avião sumir...”l
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Antonio Carlos Lima é jornalista e escritor. Membro da Academia Maranhense de Letras.
Email: antonioacglima@gmail.com
SAIBA MAIS
Militar e político argentino, Juan Domingo Perón (1895-1974) presidiu a Argentina por três vezes: de 1946 a 1952; de 1952 a 1955; e de 1973 a 1974. Adotou uma política social de apoio aos mais pobres, que o tornou muito popular até hoje, 46 anos após a sua morte, mas desagradou os militares por seu estilo autoritário, inspirado no fascismo italiano. Cumpria o segundo mandato quando, em 19 de setembro de 1955, militares invadiram o palácio do governo e o depuseram. Menos de dois meses depois, chegaria a São Luís, naquela tarde de sol em que foi entrevistado. De São Luís, seguiria para Macapá, capital do antigo território do Amapá, e, de lá, para Manágua, capital da Nicarágua, etapa de um exílio que se estendeu até 1972.
Quando o “Presidente Stroessner” transitou pelo território brasileiro (fez pousos no Rio de Janeiro, Salvador, São Luís e Macapá), nos dias 2 e 3 de novembro de 1954, conduzindo Perón, o Brasil era presidido por Café Filho, vice de Getúlio Vargas (que se suicidara em 1954). No dia 8, Café Filho afastou-se do cargo por motivos de saúde e Carlos Luz assumiu o governo. O Maranhão era governado pelo médico José de Matos Carvalho (1905-1993).
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