Raio-X São Luís

Sistema de saúde pública de São Luís está em colapso

Pacientes nos corredores dos hospitais, reclamação de servidores e falta de infraestrutura compõem o cenário caótico

Eduardo Lindoso / OEstadoMA.com

Atualizada em 11/10/2022 às 12h46
Paciente instalado em maca no corredor do Socorrão II

SÃO LUÍS – Definitivamente a saúde do município de São Luís está um caos. Pacientes jogados pelos corredores dos hospitais de forma deplorável, inclusive crianças, médicos e servidores reclamando das condições de trabalho e muita, mas muita mesmo, insatisfação por parte da polução. Isso sem citar o pequeno número de médicos diante da grande demanda de atendimentos. Todo esse cenário se passa em contraste ao que é divulgado pela Prefeitura em campanhas publicitárias, que mostram instalações de qualidade, comunidade satisfeita e profissionais sorridentes.

Recentemente, o jornal O Estado publicou uma reportagem que mostra que administração pública da capital recebeu pouco mais de R$ 400 milhões este ano em repasses do Governo Federal para aplicação em serviços de atenção assistência farmacêutica, atenção básica, assistência médica de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, vigilância em saúde e investimentos.

Em busca da situação atual do sistema de saúde pública oferecido pela Prefeitura de São Luís, a equipe de oestadoma.com visitou os hospitais Socorrão I e II e no Hospital da Criança – três centros de referência no atendimento de urgência na cidade. E o que foi encontrado é assustador.

Logo na chegada ao Hospital Djalma Marques (Socorrão I), que fica no Centro, encontramos o vigilante Cléo Passo Chaves, que, coma as duas mãos no vidro da porta da saída de emergência, tentava o olhar a tia, oriunda do interior Buriti, que estava instalada no corredor à espera de uma cirurgia na vesícula. “Minha tia está aqui com o marido e com a filha. Ela chegou há dois dias e está alojado no corredor. Quando ela chegou nos avisaram que não tinha vaga em nenhum leito. Fomos informados, também, que ela não será operada aqui. Estamos tentando levá-la para Santa Casa ou para o Dutra”, disse.

Ainda na porta da emergência do Socorrão I, a reportagem foi abordada por um senhor, que não quis se identificar. Ele, com medo de represália, afirmou que o filho de criação, de apenas 12 anos, teria sido baleado, na porta de uma escola no bairro do Coroadinho, por integrantes de uma facção criminosa e não conseguia fazer uma cirurgia para a retirada de uma bala que ficou alojada na perna. “Ele veio de uma unidade mista para o Socorrão, o problema é que aqui não querem retirar a bala da perna dele. Já nos mandaram para o Socorrão II e lá, também, não fomos atendidos, pois nos informaram que lá não operam crianças. Ou seja, estou desesperado sem poder ajudar o meu filho”, disse ele, com os olhos marejados, exibindo exames de Raio-x, que comprariam a necessidade de intervenção cirúrgica na criança.

Além destas duas pessoas, vários outros pacientes reclamaram dos mesmos problemas. Muitos enviaram fotos pelo celular para comprovar que o hospital tem várias pessoas acomodadas no corredor do hospital, já que a direção não permite a entrada de jornalistas no prédio.

Servidores do SAMU fazem denuncia

Funcionários do SAMU lamentam precariedade de serviços no Socorrão I

Um grupo do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) entram em contato com a redação de o OEstadoMa.com para denunciar problemas que estão enfrentando com a falta de leito no Socorrão I.

"Estou a quase quatro horas com a maca presa aqui [no Socorrão I] à espera e não posso sair porque não posso deixar a minha maca aqui. Tenho que respeitar ordem, já que trabalho no SAMU do interior e a lei não permite que eu deixe meu material aqui. Uma maca não pode ficar retida para alojar paciente em corredor de hospital. Assim como a minha, as outras ambulâncias do interior têm de retornar para, infelizmente, trazer outros pacientes que também irão necessitar de macas. Infelizmente, os hospitais macrorregionais, que eram para atender esses pacientes, simplesmente não estão conseguindo fazer o que realmente era para ser feito", disse um dos denunciantes, que não quis se identificar.

Em um segundo contato, outro servidor do SAMU fez uma denúncia parecida. "Estamos a outras ambulâncias presas a espera de maca e nada e de o hospital liberar. Ainda dizem que paciente em corredor é coisa do passado. Triste, mas assim que está nossa saúde”.

Em 2013, o Ministério Público do Maranhão apontou itens do sistema de saúde municipal que necessitariam de providências imediatas. No Socorrão I, foi citada a central de regulação de leito, a pouca quantidade de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Socorrão II,

No Socorrão II, que fica na Cidade Operária, existem os mesmos problemas, com acréscimos de mais alguns. Além da grande quantidade de pessoas alojadas nos corredores, pacientes reclamam da precariedade na infraestrutura do prédio e da fata de material básico para o atendimento. Os próprios usuários fizeram registros fotográficos de alguns banheiros da unidade de saúde completamente imundos e, alguns, até sem vazo e sem água. Até cadeiras, partos e colheres têm de ser levados pelos acompanhantes.

A doméstica Danielma Pereira acompanhava a avó, que é diabética e estava internada no hospital, reclamou muito das dificuldades que ela, e também a paciente, enfrentaram durante a internação. “É horrível. Tem idosos jogados em macas no chão. Alguns, nem maca têm para ficar. Está tudo abandonado aqui”.

Danielma lamentou também que, como acompanhante, ela teve de passar uma noite inteira em pé porque não havia uma cadeira para sentar. “No segundo dia de internação eu pedi para minha mãe trazer uma cadeira de casa. Quem não traz de casa não tem nem onde ficar. Muito triste essa situação”, lamentou.

Outra acompanhante, que é funcionária da própria Prefeitura e por isso não quis se identificar, afirmou que seu marido, que havia sido baleado durante uma tentativa de assalto, estava há mais de 18 horas sem se alimentar e não tinha previsão para entrar no centro cirúrgico por causa da falta de médico.

“Tem mais de 10 pacientes no corredor. Nem colher aqui para comer o paciente tem. Até para tomar banho é ruim, já que tem apenas uma cadeira aqui. Meu marido está sofrendo muito, imagina o que é passar 18 dias aqui”.

Crianças padecem em unidade de saúde

SÃO LUÍS – Quando a situação expõe crianças é ainda mais chocante. E no hospital Dr. Odorico Amaral de Mattos, popularmente conhecido como Hospital da Criança, e fica no bairro Alemanha, os problemas são os mesmos dos Socorrões. Falta de médicos e enfermeiros, materiais básicos e pacientes instalados nos corredores. No caso desta unidade, os pacientes são alojados até em bancos de plásticos utilizados para espera fora dos quartos.

Na porta do hospital, o comerciante Ednildo Melo reclamava da falta de estrutura da unidade de saúde e pedia solução para o sofrimento do filho de 8 anos. “Tentei até transferir o meu filho para um hospital particular, mas não consegui, pois nem um médico para assinar a transferência tem aqui. Neste momento, temos uma enfermeira para 40 pacientes. Isso é desumano”.

Crianças recebem atendimento em cadeiras de espera no Hospital da Criança

Em uma situação ainda pior estava uma família que acompanhava um garoto de 10 anos que havia sido atropelado por um caminhão no interior do Maranhão. Como quebrou a bacia, o garoto não podia ficar muito tempo sentado. E, como estava em uma cadeira de rodas, ele precisa de uma maca. Sem macas disponíveis no hospital, o tio da criança foi obrigado a deixá-lo dentro de automóvel no estacionamento.

“Isso é um absurdo. Eu estou revoltado. Estamos no fim do mundo”, esbravejou o tio do menino, que não quis nem responder à reportagem qual era seu nome devido ao seu estado de nervos.

Em abril de 2015, a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) precisou desativar o setor de internação da unidade por causa dos estragos causados pelos fortes temporais que ocorreram na capital naquele mês.

Posicionamento da Prefeitura

Em resposta por meio de nota, a Prefeitura de São Luís informou que vem realizando melhorias no sistema de saúde da capital. Entre as medidas está a construção, ampliação e reforma do Hospital da Criança, que contará com 138 novos leitos após o final da reforma, prevista para dezembro deste ano.

Segundo a nota, estão sendo realizadas também reformas no Hospital Municipal Djalma Marques (Socorrão I) e no Hospital Municipal Clementino Moura (Socorrão II), que deverá ter mais 60 novos leitos, sendo que a Semus já colocou em atividade 10 novos leitos na Unidade de Terapia Intensiva e deverá operacionalizar o restante proposto no Termo com a conclusão da reforma.

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