Dia do Professor: o valor do estudo e o futuro da engenharia brasileira
Que neste Dia do Professor possamos refletir: precisamos mudar, precisamos valorizar os professores, precisamos nos desenvolver, e a base do desenvolvimento é a engenharia
O Dia do Professor deve levar a sociedade a uma profunda reflexão, sobretudo sobre o futuro do Brasil. O país apresenta indicadores preocupantes na educação, especialmente em matemática. Essa realidade decorre, em grande parte, de uma herança cultural que tende a valorizar mais a experiência prática do que a formação acadêmica, como se o saber empírico fosse suficiente para substituir o estudo sistemático.
Essa visão é especialmente nociva, sobretudo na engenharia, profissão que possui alto poder lesivo coletivo. Exemplos trágicos como os desastres de Mariana e Brumadinho, o incêndio na Boate Kiss, o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo e o desabamento da Ponte JK, que interligava o Maranhão ao Tocantins, resultaram em 537 mortes no total, evidenciando os riscos inerentes à engenharia e deixando claro para a sociedade os perigos do exercício ilegal ou da má conduta profissional.
O projeto, em essência, precede as etapas de planejamento e estudo e representa o verdadeiro coração de uma obra, fruto do conhecimento científico e da sólida formação acadêmica do engenheiro. Ao se valorizar mais a execução da obra do que o estudo, o planejamento e o projeto, enfraquece-se a importância do estudo e, por consequência, da ciência.
Um exemplo simples pode ser observado na contratação de um link de internet. Sons, imagens e vídeos são todos dados que precisam ser transmitidos, seja por rádio ou por meios guiados, como a fibra óptica. A partir do momento em que, como nação, passarmos a valorizar a educação e o estudo, naturalmente teremos ganhos de produtividade e desenvolvimento. Afinal, como fazer engenharia sem projeto?
O projeto é muito mais do que um documento técnico ou um simples desenho em papel. Ele representa a materialização de uma base estruturada em cálculo diferencial e integral, equações diferenciais, análise complexa, transformadas integrais, geometria analítica, cálculo vetorial, álgebra linear, mecânica clássica, gravitação, ondas, termodinâmica, eletromagnetismo, óptica, física moderna, eletricidade, mecânica dos sólidos e fenômenos de transporte, entre tantos outros campos do conhecimento científico.
A engenharia não se restringe à engenharia civil. Também na engenharia elétrica, as instalações elétricas exigem o domínio da análise de Fourier e do eletromagnetismo pelo engenheiro eletricista, conhecimentos indispensáveis para enfrentar desafios relacionados aos harmônicos e aos fenômenos de compatibilidade e interferência eletromagnética (EMC/EMI), aspectos centrais para a segurança, a confiabilidade e a eficiência dos sistemas modernos.
Sem falar dos engenheiros aeronáuticos, mecânicos, de telecomunicações e de petróleo, responsáveis pela segurança dos nossos voos, da internet, dos combustíveis e da energia. Em especial, não podemos esquecer o engenheiro nuclear, cuja atuação envolve um grande potencial lesivo coletivo à sociedade em caso de sinistros. Assim, a engenharia abrange diversas áreas que utilizamos diariamente sem perceber, mas nas quais o projeto de engenharia é decisivo para transformar ciência em realidade segura e funcional.
Na engenharia, a execução, também conduzida sob a responsabilidade do engenheiro, integra um sistema de duplo controle. De um lado está o projeto, que traduz ciência em planejamento técnico. De outro está a execução, que aplica esse planejamento na prática. Durante a execução, o engenheiro pode identificar falhas ou inconsistências e acionar o projetista para as adequações necessárias. Esse processo garante mais segurança para a sociedade, pois assegura que eventuais problemas sejam tratados de forma técnica e responsável antes que comprometam a obra.
Quem nunca ouviu frases como “eu sempre construí assim e nunca caiu”, “meu pedreiro cobra mais barato” ou “o serralheiro do meu conhecido sabe fazer sem engenheiro”? Essas falas, ainda comuns, revelam o quanto persiste a perigosa confusão entre experiência empírica e responsabilidade técnica e, mais grave, configuram práticas de exercício ilegal da engenharia, tipificadas no artigo 6º da Lei nº 5.194/1966.
Cada profissional tem sua importância e deve ser valorizado. Mestres de obras, técnicos, operários e engenheiros compõem um conjunto indispensável para qualquer empreendimento. Contudo, essa valorização não pode ocorrer à custa da desvalorização da formação acadêmica, pois isso significa desvalorizar também a educação. Enquanto mestres de obras e técnicos contribuem de forma essencial na execução, é o engenheiro quem, por formação científica e atribuição legal, conduz a execução por meio da direção, supervisão e acompanhamento da obra, além de assumir a responsabilidade técnica.
Quando a sociedade desvaloriza o estudo e a formação acadêmica, desvaloriza também o projeto e, portanto, a própria engenharia. Essa postura compromete a inovação, a industrialização, a competitividade e até a segurança da população.
Os resultados do PISA 2022 refletem com clareza essa realidade. O Brasil obteve 378,7 pontos em Matemática, permanecendo bem abaixo da média dos países da OCDE, que foi de 472 pontos, e ocupou a 65ª posição entre 81 nações avaliadas. Apenas 1 % dos estudantes brasileiros atingiram os níveis mais altos de proficiência (níveis 5 e 6), enquanto a média da OCDE foi de 9 %. Esses números evidenciam um cenário preocupante e revelam o quanto ainda precisamos investir na base da formação científica e na valorização dos professores.
O futuro da engenharia brasileira depende diretamente da base em matemática e de um bom ensino de matemática no ensino fundamental e médio. Sem isso, teremos altos índices de evasão nos cursos de engenharia e grandes dificuldades em formar engenheiros com qualidade. A matemática é o alicerce do raciocínio lógico e da capacidade analítica, competências essenciais para a prática da engenharia e para o avanço tecnológico do país.
Em contrapartida, países que valorizam o ensino de matemática, a engenharia e a pesquisa científica estruturam sua base de desenvolvimento em projetos sólidos, planejamento eficiente e execução responsável.
Que neste Dia do Professor possamos refletir: precisamos mudar, precisamos valorizar os professores, precisamos nos desenvolver, e a base do desenvolvimento é a engenharia.
Não existe engenharia sem professores, e sem bons professores de matemática não existem bons engenheiros.
Artigo elaborado em colaboração com o Engenheiro Civil Mikhail Luczynski, mestre em Engenharia Civil, e com o Engenheiro Civil, Engenheiro de Segurança do Trabalho e Engenheiro Mecânico Elson Moraes, mestre e doutor em Engenharia Mecânica.
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