
Um papa contra a corrente
O papa Francisco, desde o início de seu pontificado em 2013, representou uma ruptura com o conservadorismo político e religioso.
O papa Francisco, desde o início de seu pontificado em 2013, representou uma ruptura com o conservadorismo político e religioso. A ênfase na justiça social, no acolhimento aos marginalizados e na crítica ao capitalismo selvagem colocou-o em rota de colisão com movimentos de extrema-direita no mundo.
A morte do pontífice, na manhã de hoje, fecha um ciclo de renovação e arejamento dentro da Igreja Católica – que nasceu conservadora e fez uso desse conservadorismo para manter uma estrutura de poder que tem perdurado por séculos. Expor essas contradições internas do Vaticano foi, sem dúvida, o ofício do santo padre de navegar contra a corrente.
No Brasil, o papa, por muitas vezes, especialmente entre os anos de 2018 e 2022, tornou-se alvo de ataques de setores da direita por defender os pobres, os socialmente vulneráveis, os indígenas e a democracia. As ideias de valorização da cultura, da criatividade e da insurgência da juventude como forças de transformação reforçavam a posição por ele adotada publicamente de uma Igreja mais aberta e humana. Isso causava estranhamento e reação, inclusive entre muitos cardeais.
Francisco trouxe consigo uma abordagem pastoral de impacto. Por algumas vezes criticou severamente a desigualdade e a ganância e afirmou que a economia, tal como era conduzida pelos principais líderes mundiais, era capaz de matar. Isso rendeu a ele acusações de “marxismo” por parte da direita.
O papa abriu também diálogo inter-religioso com questões caras à qualidade de vida no planeta, como a ecologia. Numa de suas encíclicas mais contundentes, em 2015, desagradou negacionistas climáticos e setores alinhados a interesses econômicos predatórios.
Outro ponto que causou antipatia em setores tradicionalistas foi a abertura da igreja a divorciados e o público LGBTQIA+, incluindo bênçãos a casais homoafetivos. Para alguns setores do bolsonarismo, o papa Francisco foi rebaixado a “traidor da tradição”.
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Além das questões sociais, Francisco destacava a importância da arte e da inquietação juvenil. Em pronunciamentos e artigos publicados na imprensa, ele citava poetas como o alemão Hölderlin e o italiano Dante, e dizia que a beleza e a criatividade são caminhos para a transcendência e a liberdade. “Uma pessoa que perdeu a capacidade de sonhar não tem poesia, e a vida sem poesia não funciona. Nós, seres humanos, ansiamos por um mundo novo. Precisamos do poeta com a genialidade dos seus versos que amam, protestam, clamam e gritam”, disse em texto divulgado no ano passado.
Para Francisco, os jovens sempre serão como “eternos inconformados” e que jamais deveriam perder o plano de sonhar alto. Ele dizia que a juventude não deve ser domesticada, e sim ouvida, pois seu descontentamento é motor de transformação.
Francisco desafiava não apenas dogmas religiosos, mas estruturas de perpetuação do poder. A defesa que fez dos excluídos, a crítica ao neoliberalismo e a valorização da cultura como instrumento de libertação representavam uma ameaça a projetos políticos baseados no autoritarismo e na intolerância.
Os alarmados de direita não temiam apenas as ideias de Jorge Mario Bergoglio. Temiam seu chamado em voz alta a um mundo mais justo, fraterno e poeticamente humano.
A igreja perde um líder. O mundo perde o ser humano imenso.
@felixalbertolima
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