COLUNA
Rogério Moreira Lima
Engenheiro e professor, foi coordenador Nacional da CCEEE/CONFEA e vice-presidente CREA-MA (2022). É membro da Academia Maranhense de Ciência e diretor de Inovação na Associação Brasileira de
Rogério Moreira Lima

A Desvalorização da Engenharia e do Estudo no Brasil

O Brasil convive com uma herança cultural que frequentemente valoriza mais a experiência prática do que a formação acadêmica, como se o saber empírico fosse suficiente para substituir o estudo sistemático.

Rogério Moreira Lima

Atualizada em 17/09/2025 às 17h57
O projeto é muito mais do que um documento técnico ou um simples desenho em papel. E (Foto: Divulgação)

O Brasil convive com uma herança cultural que frequentemente valoriza mais a experiência prática do que a formação acadêmica, como se o saber empírico fosse suficiente para substituir o estudo sistemático. Essa visão, entretanto, mostra-se especialmente nociva na engenharia, onde o verdadeiro coração de uma obra é o projeto, fruto do conhecimento científico e da sólida formação acadêmica do engenheiro.

O projeto é muito mais do que um documento técnico ou um simples desenho em papel. Ele representa a materialização de uma base estruturada em equações diferenciais, análise complexa, transformadas integrais, geometria analítica, álgebra linear, métodos de diferenças finitas, elementos finitos, análises estruturais, eletricidade, hidráulica, mecânica dos sólidos, fenômenos de transporte e tantos outros campos do conhecimento científico. E não apenas na engenharia civil: também na engenharia elétrica, em que as instalações elétricas demandam o domínio da análise de Fourier e do eletromagnetismo pelo engenheiro eletricista, indispensável para enfrentar os desafios impostos pelos harmônicos e pelos fenômenos de compatibilidade e interferência eletromagnética (EMC/EMI), que se tornaram questões centrais para a segurança, a confiabilidade e a eficiência dos sistemas modernos. Sem falar ainda dos engenheiros aeronáuticos, mecânicos, de telecomunicações, de petróleo e nucleares, responsáveis pela segurança dos nossos voos, da internet, dos combustíveis e da energia, e de tantas outras áreas da engenharia que utilizamos diariamente sem perceber, mas nas quais o projeto de engenharia é decisivo para transformar ciência em realidade segura e funcional.

Na engenharia, a etapa de execução, também conduzida sob a responsabilidade do engenheiro, integra um sistema de duplo controle. De um lado, está o projeto, que traduz ciência em planejamento técnico. De outro, está a execução, que aplica esse planejamento na prática. Durante a execução, o engenheiro pode identificar falhas, inconsistências ou a necessidade de correções, cabendo a ele acionar o engenheiro projetista para as adequações necessárias. Esse processo se traduz em mais segurança para a sociedade, pois garante que eventuais problemas sejam tratados de forma técnica e responsável antes de comprometer a obra.

Quem nunca ouviu frases como: “Eu sempre construí assim e nunca caiu”“Meu pedreiro cobra mais barato” ou “O serralheiro de um conhecido meu sabe construir sem o engenheiro”? Essas falas, tão comuns, revelam o quanto ainda persiste uma perigosa confusão entre experiência empírica e responsabilidade técnica e, mais grave, configuram práticas de exercício ilegal da engenharia, tipificado no art. 6º da Lei nº 5.194/1966.

Cada profissional tem sua importância e deve ser valorizado. Mestres de obras, técnicos, operários e engenheiros compõem um conjunto indispensável para a realização de qualquer empreendimento. No entanto, essa valorização não pode ocorrer à custa da desvalorização do engenheiro. São funções complementares, mas distintas. Enquanto mestres de obras e técnicos contribuem de forma essencial na execução, é o engenheiro quem, por formação científica e atribuição legal, conduz a execução por meio da direção, supervisão e acompanhamento da obra, além de assumir a responsabilidade técnica.

Quando a sociedade desvaloriza o estudo e a formação acadêmica, desvaloriza também o projeto e, portanto, a própria engenharia. Essa postura compromete a inovação, a industrialização, a competitividade e até a segurança da população. Mas o que esperar de um país que ocupou a 65ª posição em Matemática no PISA 2023, entre 81 nações avaliadas, evidenciando o desprezo histórico pelo ensino de base e pela ciência? Em contrapartida, países que valorizam a engenharia e a pesquisa científica estruturam sua base de desenvolvimento em projetos sólidos, planejamento eficiente e execução responsável.

É urgente resgatar essa consciência: toda obra nasce do projeto, e o projeto é atribuição privativa do engenheiro. Ele é o elo entre teoria e prática, ciência e execução, responsabilidade e segurança. Valorizar o engenheiro é valorizar o futuro do país, pois é ele quem transforma conhecimento científico em realidade concreta e segura, evitando improvisos e prevenindo acidentes.

A legislação brasileira reforça esse entendimento. A Lei nº 5.194/1966, que regulamenta o exercício da engenharia, estabelece em seu artigo 7º que são atividades privativas do engenheiro os estudos, projetos, análises, avaliações e execuções referentes às obras e serviços técnicos. Complementarmente, a Resolução CONFEA nº 218/1973 detalha essas atribuições, definindo de forma inequívoca que tanto o projeto quanto a execução constituem responsabilidades exclusivas do engenheiro habilitado.

Assim, não se trata apenas de uma questão de valorização profissional, mas de cumprimento da lei e de proteção da sociedade. O projeto é a essência da engenharia, e sua correta elaboração e execução, sob responsabilidade técnica de engenheiros, é a garantia de segurança, eficiência e desenvolvimento para o Brasil.

Artigo elaborado em colaboração com o Eng. Civ. Mikhail Luczynski, mestre em Engenharia Civil.


 


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