Data histórica

Dia da Adesão do Maranhão: entenda a data que marca o reconhecimento do estado à Independência do Brasil

A adesão do Maranhão à independência do Brasil se deu quase um ano depois de o Brasil se tornar independente de Portugal, sendo que o estado foi um dos últimos a aceitar esse desligamento, por uma série de questões.

Imirante

Atualizada em 28/07/2024 às 11h03
Imagem que representa a Adesão do Maranhão à Independência do Brasil. /Foto: Divulgação/ Câmara dos Deputados (Plenarinho.leg.br)..

SÃO LUÍS - Neste dia de 28 de julho é comemorado o Dia da Adesão do Maranhão, um fato histórico que completa 201 anos e é feriado no estado, porém muita gente não faz ideia do que se trata.

A data marca o dia em que a, então província do Maranhão, aderiu à independência do Brasil do reino de Portugal. Uma adesão que se deu quase um ano depois de o Brasil se tornar independente do país europeu, sendo que o estado foi um dos últimos a aceitar esse desligamento, por uma série de questões.

O Imirante conversou com o professor Euges Silva de Lima, que é historiador, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM). Ele explica como se deu o processo de adesão do Maranhão à independência, o porquê de o estado ter demorado tanto para aderir e porque a celebração dessa data é importante na atualidade.

 

A Independência do Brasil

Obra Independência ou Morte, que é uma pintura do artista brasileiro Pedro Américo, considerada a representação mais consagrada e difundida do momento da Independência do Brasil. / Foto: Divulgação.

Antes de abordar a adesão do Maranhão, é preciso entender o próprio contexto da Independência. Em 7 de setembro de 1822, o príncipe regente do Brasil, D. Pedro I, deu o famoso “grito’’ de independência às margens do riacho Ipiranga, no estado de São Paulo. Porém, esse dia foi apenas algo simbólico, que marcou o desligamento do Brasil do reino de Portugal, pois o processo de independência já vinha se desenvolvendo desde 1808, quando a família real portuguesa fugiu de Portugal para o Brasil por causa do conflito com França.

O imperador da França, Napoleão Bonaparte, determinou o Bloqueio Continental na Espanha e Portugal, com o objetivo de sufocar a economia inglesa que comercializava com outras nações europeias.

A família real ficou no Brasil até 1821 e fez, durante esse período, uma série de melhorias na então colônia, como a abertura dos portos, autorização para os comerciantes negociarem com nações amigas, instalação de bibliotecas e museus, desenvolvimento de uma pequena imprensa, sendo criada a "A Gazeta do Rio de Janeiro", o primeiro jornal fundado no Brasil, entre outras ações.

Após Napoleão Bonaparte perder a guerra na Rússia em 1814, o rei português D. João VI começou a ser pressionado para voltar a Portugal. Durante os anos de pressão, o rei de Portugal elevou o Brasil para a condição de reino, deixando assim de ser uma colônia, e permaneceu em terras brasileiras.

Porém, em 1820 teve início a Revolução Liberal do Porto, um movimento militar que exigia a volta de D. João a Portugal, senão ele perderia o reino. Além disso, o movimento exigia, ainda, que o Brasil voltasse a ser colônia de Portugal, algo que foi um dos estopins para a independência.

Diante dessas pressões, em 25 de abril de 1821, D. João retornou para Lisboa, capital portuguesa, acompanhado de sua família, mas, para garantir a continuidade administrativa e a presença real no Brasil, deixou seu filho mais velho, D. Pedro I, como príncipe regente.

Porém, como havia uma pressão para que o Brasil fosse recolonizado, D. João recomendou a volta de D. Pedro. No entanto, a elite agrária brasileira, percebendo essa tentativa de recolonização e uma possível perda dos seus direitos, recolheu oito mil assinaturas pedindo para D. Pedro ficar.

Esse movimento resultou na decisão do príncipe regente em ficar no Brasil, fato consolidado em 9 de janeiro de 1822, quando D. Pedro I, durante uma audiência do Senado, disse a famosa frase: "Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico".

A decisão do príncipe regente contrariava as exigências portuguesas e, a partir dessa data, houve uma sucessão de fatos que resultaram no Dia da Independência, celebrado em 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro I declarou a independência do Brasil às margens do Ipiranga e marcou o fim do domínio português sobre o Brasil, principalmente nas relações econômicas e políticas.

Imagem de Dom Pedro I retirada do livro “Grandes vultos da Independência Brasileira”, de Affonso de Taunay./Foto: Divulgação.

Porém, a independência do Brasil não foi rapidamente aceita por todas as províncias. Como foi o caso do Maranhão, que só aderiu a essa ruptura um ano depois.

Resistência do Maranhão à Independência do Brasil

Em entrevista ao Imirante, o historiador Euges Lima destaca que o Maranhão foi a penúltima província do Brasil a aderir ao Império brasileiro. Foi só no final de julho de 1823, um pouco mais de dez meses após o 7 de setembro de 1822, que a província aceitou essa separação. A Bahia aderiu em 2 de julho do ano seguinte e o Pará, somente em 15 de agosto de 1823.

Euges explica que essa resistência do Norte do Brasil ao processo de independência se deu porque a separação do reino português começou como um projeto mais do Sul do Brasil, do Rio de Janeiro e São Paulo, e só depois sendo aderido nas demais províncias. Porém, as províncias do Norte não compartilhavam desse projeto e se mantiveram leais às Côrtes portuguesas, foi o caso do Maranhão. “Não havia então, uma unidade nacional, eram vários ‘brasis’ com projetos diversos”, explica.

O pesquisador destaca que, historicamente, havia uma longa identidade e ligações econômicas, comerciais e culturais do Maranhão com a metrópole portuguesa, desde a época que o Maranhão era um estado independente do resto do Brasil, onde as suas relações eram todas com Lisboa e não com o Rio de Janeiro.

“Nesse sentido, quando estourou o processo de Independência do Brasil no Sul, o Maranhão não vai aderir, pois, não havia identificação, o Maranhão era comandado pelos portugueses. Todos os cargos públicos importantes eram ocupados pelos portugueses, havia uma colônia rica e poderosa de lusos no Maranhão, em particular em São Luís, que era a capital da província. Então, eles reconheciam as ordens e orientações vindas de Lisboa e não do Rio de Janeiro, por isso o Maranhão não vai aderir, inicialmente, ao projeto de emancipação política, que estava ocorrendo no Sul, capitaneado por D. Pedro, e vai resistir, se mantendo leal a Lisboa”.

Reação da monarquia brasileira diante da resistência

Mas a resistência do Maranhão à independência não foi simplesmente aceita pela monarquia brasileira. Após a emancipação do reino português, D. Pedro teve que reagir, pois corria o risco de perder as ricas províncias do norte, como no caso do Maranhão.

“Houve reação, D. Pedro I, para não perder a rica província do Maranhão e as demais  províncias do Norte e fragmentar politicamente o Brasil, como ocorrera com a América Latina, vai contratar os serviços militares navais do experiente e famoso Lord Cochrane - mercenário escocês - para sufocar essa resistência portugueses das províncias do Norte e manter a unidade territorial. Cochrane já havia ajudado antes na Independência do Peru e do Chile”, explica o historiador.

Imagem de Lord Cochranere tirada do livro “Grandes vultos da Independência Brasileira”, de Affonso de Taunay./Foto: Divulgação.

Além de ter contribuído para a Independência do Peru e Chile, Cochrane era uma espécie de celebridade na época e tinha uma enorme lista de feitos e vitórias militares navais no currículo. Ele havia sido da Marinha Real Britânica, lutara nas Guerras Napoleônicas, tendo obtido lendárias vitórias a favor da Inglaterra. Com tanto prestígio, o Lord Cochrane se tornou o primeiro Almirante da Marinha brasileira.

O professor Euges aponta, ainda, que a figura do Lord Cochrane e sua esquadra foi fundamental para a rendição das tropas portuguesas e incorporação das províncias do Norte ao Império brasileiro. Ele levou apenas seis meses para atingir seu objetivo.

Processo de adesão do Maranhão

Apesar da pressão do império brasileiro, o processo de adesão do Maranhão não se deu de forma rápida. Houve conflitos, principalmente nas regiões de Caxias e São José dos Matões, entre tropas realistas, que eram fieis à Portugal, e as tropas independentistas, vindas do Ceará e Piauí, que pertenciam ao governo brasileiro.

No entanto, Cochrane conseguiu obter a adesão do estado sem precisar dar um tiro sequer. 

“Na capital (São Luís), Lord Cochrane por meio de blefes e ardis, rendeu os portugueses sem disparar um só tiro. O presidente da Junta Governativa, D. Frei Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, diante do cenário de dificuldades que se encontrava, com tropas pró D. Pedro I, marchando para capital, e a suposta esquadra Imperial comandada pelo Lord, ameaçando bombardear a cidade, acabou vendo-se sem alternativa e foi ter a bordo com Cochrane na Nau D. Pedro I e acertaram, finalmente, a adesão da província do Maranhão à Independência”, explica o historiador.

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Durante o encontro entre Cochrane e D. Frei Joaquim, ficou combinado que no outro dia, 28 de julho, no Maranhão seria proclamada a Independência e aclamado D. Pedro I como Imperador do Brasil.

Foi então que, 28 de julho de 1822, foi realizada uma cerimônia solene no Palácio do Governo, na presença da Junta Provisória, representantes do Senado da Câmara e demais autoridades civis, militares e eclesiásticas, sem a presença do Almirante Cochrane, que alegou problemas de saúde. 

Nesse momento, “romperam inúmeros vivas na Sala do Governo, à Religião Católica, ao Imperador, à Independência e Constituição brasileira, os quais vivas foram depois repetidos na varanda do Palácio pelo Presidente da Câmara, a que respondeu o povo na rua como o maior entusiasmo”.

TRANSCRIÇÃO DO AUTO DA PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, PELA CÂMARA GERAL, EM 28 DE JULHO DE 1823:

[e-s001]Livro de Acórdãos, nº 18 (1823-1824) Folhas 36 a 38

Anno do Nassimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil outosentos e vinte tres anos aos vinte outo dias do mês de julho nesta cidade de San Luís do Maranhão no Palácio do Governo Civil Provizorio da Provincia em acto da Camara Geral reunida por ordem da Exma. Junta Provizoria, e sendo perzentes, e ali congregados do Exmo. Bispo Perzidente e membros da Junta da Camara da Cidade e todas mais Authoridades Constituídas, e cidadãos que formão o Corpo de Camara Geral, depois de mostar o Sacartario (sic) da Exma. Junta que não comparecia (sic), o Exmo. Lord Cochrane por moléstia mas sim o primeiro Comandante da Náo como tudo constou do offício deste dia do mesmo Exmo. Lord, e que outro sim igoal motivo de molestia empedira ao Exmo. Governador das Armas da Provincia de Comparecer neste acto como se vio de seo offício deregido a Exma. Junta neste mesmo dia, foi ditto pello Perzidente da Camara Francisco Joze da Costa, que por ordem do Exmo. Governo Provizorio se determinara a Camara da Cidade que fizese reunir esta Camara Geral, em cujo acto se acharia o Governo Civil e Militar com as Authoridades Constituídas e rezidentes nesta Cidade, para que nella se proclamase a Independencia Política desta Província com adhezão ao Emperio Brazilico e Governo do Imperador o Senhor Dom Pedro segundo.

Lord Cochrane (Prefação)

Obra: Narrativa de serviços no libertar-se o Brazil da dominação potugueza

“Se não fosse a demora considerável que exigiria o poder sollicitar e obter do Rio de Janeiro a honra da necessaria permissão, era meu desejo ter dedicado esta versão Portugueza de uma obra sobre a mais importante porão da historia Brazileira, a Sua Magestade Imperial D. Pedro II; não tanto em recordação da confiança com que fui honrado por Seu Augusto Pai, como em testemunho de respeito para com um Principe que teve a fortuna de estabelecer em segura base aquelle Imperio, para cuja independencia eu tive a satisfação de contribuir em não pequena parte – sob os auspicios do illustre Predecessor de Sua Magestade”

Cochrane e Maranhão

Londres, 11 de maio 1859

 

Resultados da adesão do Maranhão à Independência 

O professor Euges Lima analisa que a adesão do Maranhão à Independência, do pon­to de vis­ta so­ci­al, não sofreu mu­dan­ças. Mas houve importantes alterações no contexto político.

“A In­de­pen­dên­cia do Bra­sil e a pos­te­ri­or in­cor­po­ra­ção do Ma­ra­nhão ao nas­cen­te Im­pé­rio bra­si­lei­ro man­te­ve o sis­te­ma es­cra­vis­ta e mo­nár­qui­co, por­tan­to, uma rup­tu­ra con­ser­va­do­ra do pon­to de vis­ta so­ci­al. Um re­gi­me, por as­sim di­zer, ana­crô­ni­co no con­tex­to da Amé­ri­ca es­pa­nho­la, on­de a in­de­pen­dên­cia des­sas colô­ni­as foi se­gui­da pe­la im­plan­ta­ção de re­gi­mes re­pu­bli­ca­nos. Po­rém, do pon­to de vis­ta po­lí­ti­co, o Bra­sil co­me­ça a se cons­truir en­quan­to na­ção, en­quan­to es­ta­do, en­quan­to iden­ti­da­de na­ci­o­nal. E o Ma­ra­nhão, a par­tir daí pas­sa a se in­cor­po­rar aos pou­cos nes­se pro­je­to vi­to­ri­o­so, que vai dar uma fei­ção de Bra­sil que co­me­ça a se for­mar”.

A comemoração dessa data no estado

A pesar da resistência do Maranhão em aderir à Independência, a data dessa adesão é celebrada no estado, se tornando um feriado. 

O historiador Euges destaca que esse momento se tornou célebre, pois, “simboliza o momento em que o Maranhão, enquanto província, colônia, se integra ao Império brasileiro (Brasil), enquanto país independente, emancipado politicamente. É a data da Independência do Brasil no Maranhão, portanto, uma efeméride (comemoração de um fato importante) histórica com bastante simbolismo cívico e que no passado foi muito reverenciada e festejada”.

As contribuições dessa celebração para as novas gerações

A lembrança desse momento histórico, que se dá todos os anos quando se comemora a adesão do Maranhão em 28 de julho, é importante para que a geração presente e as futuras possam entender a pluralidade da cultura maranhense e do Brasil como um todo.   

A celebração dessa data contribui para as novas gerações “no sentido de ajudar a conhecer e refletir sobre a nossa história, sobre como se deu o processo de Independência do Brasil no Maranhão e suas especificidades. Ajuda a explicar porque temos todo esse legado português na nossa arquitetura e cultura, além da contribuição dos brasileiros, nordestinos, brancos, negros, mestiços, escravizados e libertos, que também lutaram pela Independência do Maranhão”, finaliza o historiador Euges Lima.

 

Fontes consultadas

LIMA, Euges. 200 anos da Independência no Maranhão (1823-2023). Imirante, São Luís, julho, 2023. Disponível em: https://imirante.com/noticias/sao-luis/2023/07/28/200-anos-da-independencia-no-maranhao-1823-2023.

MOTA, Antônia. Adesão do Maranhão à Independência do Brasil completa 200 anos. Disponível em: https://portalpadrao.ufma.br/site/adesao-do-maranhao-a-independencia-do-brasil-completa-200-anos.

SILVA, Daniel Neves. "Independência do Brasil"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/independencia-brasil.htm

 

 

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