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COLUNA
Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo

Um sinal de contradição!

O Natal chega de novo e com ele a voz dos anjos que cantam os louvores de Deus pela encarnação do seu Filho, Jesus de Nazaré, nascido naquela noite fria de dias comuns na pequena Belém.

Kécio Rabelo

Atualizada em 24/12/2024 às 19h49

O Natal chega de novo e com ele a voz dos anjos que cantam os louvores de Deus pela encarnação do seu Filho, Jesus de Nazaré, nascido naquela noite fria de dias comuns na pequena Belém.

O cenário do nascimento, uma estrebaria, lugar dos animais, abrigo dos pobres de ontem que, como os de hoje, carecem de lugar e de um olhar compassivo, atento e generoso.

Seus primeiros visitantes, pastores de ovelhas, atraídos pela mensagem dos anjos que anunciaram a boa nova, encontram uma família vinda de Nazaré, sua terra natal, para cumprir uma obrigação civil, o recenseamento imposto por César Augusto. Aquela criança, envolta em faixas e deitada na humilde manjedoura, recebia o aconchego dos pais, somado ao urro de animais, dos ventos frios de uma madrugada que já prenunciava o despontar de um novo dia.

Até aqui, todos sabemos. Tanto sabemos que, em muitos lares e espaços, esta cena é repetida com presépios de todas as formas, dando enredo e destaque a esse acontecimento, como celebração ao Nascimento do Cristo!

A gruta, a manjedoura, a estrela e os reis magos vindos do Oriente são personagens conhecidos do nosso imaginário, ainda que pese cada vez mais os apelos do mercado em substituí-los por renas, carruagens coloridas, pelo Bom Velhinho por duendes e mais uma centena de gente de barba e rosto esquisito que habita no gelo em algum lugar do planeta. Essa investida não é a toa, nem tão inofensiva quanto se faz parecer. Ela nos rouba o essencial, ilude e desvia o nosso olhar do movimento na direção para a qual aquela estrela indicava, guiando-nos.

Ao nos propor carruagens que voam e personagens que habitam o cosmo imaginário, introjetam sutilmente uma lógica inversa do que se deu em Belém.

Que foram olhar os pastores? Que encontram aqueles reis? Encontram um menino. Nele, a imagem de um Deus que desce, que vem ao encontro dos nossos passos, que assume nossa forma e nossas dores, nossos sonhos e limites, nosso estranho modo de amar e nossas contradições. Numa carruagem de fogo? Num balão ou num foguete? - Não! No ventre de uma jovem camponesa, no coração de uma família da periferia, no seio de uma comunidade de amor. Inserido, portanto, em nossa realidade.

Longe do templo e dos palácios, do outro lado da margem dos poderes, num lugar escolhido por faltar lugar, cercado de gente simples e marginalizada. Um sinal de contradição tanto quanto gesto de amor do Deus que nos oferece o Filho, feito homem, para ensinar sobre amor e partilha, caridade pura e tolerância!

Paz naquela noite feliz, fuga nos dias que se seguem. Aquele menino traz consigo uma novidade perigosa, sua fragilidade de recém-nascido esconde a força de uma missão gigante! Fogem apressadamente para o Egito, desbravando, pelo medo e ao mesmo tempo pela esperança, as montanhas de obstáculos e perigos que, desde os primeiros dias, apresentaram-se como companheiros da jornada daquele menino, daquela família. Essa fuga, longe de representar algum distanciamento de sua missão, apressa seu cumprimento, ameaçando as estruturas de poder que teimavam - e teimam - em ceifar qualquer centelha de esperança, por menor que seja.

Aquela imigração forçada é repetida ainda hoje por centenas de milhares de famílias todos os dias que, em busca de pão e de teto, fogem da fome e da guerra, eternizando a saga de Maria e José pelos caminhos e mares da história.

É verdade que o Natal é a festa do encontro. Que encontro grandioso celebramos! O encontro do céu com nosso humano coração. Do divino que, num movimento de amor, vem até nós para permanecer conosco tecendo o fio de nossa existência.

De encontro também com o mistério da dor. Sim! Aquela noite feliz de Natal, antes da luz e da sinfonia celeste, foi uma noite de dor. De dor física para Maria, de dor de alma para José. Não era aquele o lugar preparado para receber seu filho, não era por eles esperado que não houvesse algum lugar na cidade, nas hospedarias. A dor do desprezo que de todas as que já se pode sentir é a que mais dói.

Talvez dessa dor é que fale Simeão ao encontrar Maria no templo, tomando nos braços o menino, a promessa.

Essa espada de dor tem seu ápice no Calvário, mas se inicia do anúncio do anjo do Gabriel, se materializa em Belém e a acompanha até outra madrugada, aquela da ressurreição, nos legando a certeza de que nenhuma dor é para sempre.

Seja como for a ordem dos acontecimentos, seja qual a for a narrativa mais próxima dos fatos que se deram naqueles dias, só podemos concluir que nesse movimento de encontro e aproximação, Deus se deixou tocar. E quanta responsabilidade carregam aqueles em que Deus pode tocar!

Se neste Natal, a curva de nossa existência for em direção dos que mais precisam. Se no centro de nossas preocupações estiverem os sedentos de pão e de paz. Se entre os convidados de nossas mesas estiver o fugitivo menino de Belém, talvez tenhamos, ainda que timidamente, encontrado o sentido para melhor celebrar essa Noite Feliz!

Feliz Natal, com pão e alegria em todas as mesas! Que na dor, nas dificuldades, haja sempre Amor, Respeito, Fraternidade, Tolerância e Paz!

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