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COLUNA
Dr Hugo Djalma
Médico nutrólogo e neurocientista
Dr Hugo Djalma

O tempo livre e a insanidade Parte 2

O que fazer com o tempo livre que a tecnologia e o home office nos deram?...

Dr Hugo Djalma

Atualizada em 30/10/2024 às 16h29

Resposta: tudo menos seguir essas duas lacunas! A lacuna do cérebro hipervigilante que usa o "tempo livre" (aspas porque o mundo é tão grande que você nem em mil vidas terá de verdade tempo livre) para prever e acreditar em coisas negativas, sejam de futuro com ansiedade ou se martirizar com o passado alimentando a depressão. A outra lacuna já não depende de você, mas pode deixar de ser bucha de quem a exerce: a da sobrevivência individual e parasitária; o quanto você consome e enche seu repertório de existência e sobrevivência vendo propagandas e "teatros" de acontecimentos como panos de fundos nos sites e jornais (sim, eles fingem que futebol feminino é interessante e você nem discute a pauta se vai ganhar a copa que, certamente, ninguém liga).

Então a mente resolvedora de problemas não contava com uma coisa: o cérebro não tolera a inexistência de previsibilidades.

E isso é tão biológico que o nobel de medicina de 2017 mostrou a existência de genes responsáveis por entender e se ativar no decorrer dos ciclos circadianos, seja diário ou circa semanal (como o sentimento automático que você tem na sexta à noite e no domingo, mesmo que não tivesse que trabalhar na segunda).

Mas um outro fator que mostra quanto a biologia precisa criar previsibilidades é no córtex sensorial. Ele chega a criar alucinações em ambientes muito iguais. Você certamente já viu filmes e desenhos com oásis no deserto que o pica-pau via cheio de palmeiras e água e, na verdade, era apenas areia. Sim, eles mostravam como se fosse a falta somente de água, mas o cérebro que viu o mesmo estímulo e paisagens iguais por muito tempo cria coisas mesmo que você não queira. O mesmo ocorre em astronautas no espaço, aviadores nos céus da segunda guerra mundial ou nos desertos em estradas longas ou marinheiros em alto mar por dias.

Outro terceiro fator mais surpreendente é sobre a avaliação de existência de consciência (você existir). Nos testes p300, um sinal elétrico mostra que fetos já processam e respondem a estímulos externos. Sequência de sons iguais é rompida e o cérebro responde por não entender a mudança. Adultos com sono ou anestesiados só reproduzem o sinal elétrico da excêntrica local. O sinal mais complexo, que existe nos adultos conscientes, a excêntrica global, ocorre também em fetos após as 35 semanas de gestação. Ou seja, dentro do útero o cérebro humano já cria padrões de acontecimentos e isso, mesmo que você não queira, vai fazê-lo tentar prever algo.

Adivinhe: com isso tudo você hoje tem mais tempo para a sobrevivência, porém cada vez menos para o fluxo de obrigações que você mesmo se inseriu. E para quê? Para você prever riscos, acreditar com veracidade neles e se preocupar como se fosse a última chance na vida de tirar nota boa em matemática. Mas também principalmente para você passar horas "livres", fornecidas pela tecnologia no Instagram e perdendo exatamente o que mendigos e reis têm em comum: seu tempo e seu repertório existencial. Deixa de ser um realizador para ser um imaginador de possíveis reprovações que o fazem procrastinar, tem medo de ser julgado por terceiros já julgando e punindo a si mesmo com a não exposição. Você certamente já se sabotou para não encarar a si mesmo. Ter medo do futuro e consumir loucuras que você não queria somente porque seu inconsciente se alimentou do marketing que o induz a ser gado da sobrevivência alheia.

Mas existe um terceiro elemento que você também não consegue evitar: o desejo enraizado de receber mais com menos esforços.

Isso é maravilhoso, mas seu preço é igualmente caro quando você usa esse "restante" de tempo e energia diária alimentando-se com as migalhas divagadoras que estão à sua disposição. Em resumo: o tempo é um trem que nunca para e você não consegue controlá-lo, mas consegue saber que paisagens darão valor e atenção na sua trajetória. Sim, a maioria das pessoas hoje são meros expectadores e você não difere disso. O que nos chama atenção é tão aleatório que a riqueza material não cabe mais aos homens honestos ou que salvam vidas e sim a blogueiros que ousam mostrar como se vestir, comer até não suportar ou fazer danças inúteis e jogar Minecraft. Para piorar acredite: esses mesmos jogadores de videogame tornam-se autoridades em assuntos que não têm menor ideia; afinal de contas, eles têm 40 milhões de seguidores que também jogam Minecraft.

Portanto, a vida sapiens hoje entra em um ciclo praticamente irreversível que alimenta massas com três julgamentos psicológicos subconscientes: a utópica igualdade, o anestésico em diminuir os melhores e o desejo em pertencer. Então você estará plenamente vulnerável a um "profeta" bonzinho que o ilude com os discursos destas naturezas.

O mundo desfragmentou as tribos e a mente da recompensa sem esforço paga caro pela própria ignorância: perde a família em seus significados, a tranquilidade da alma pelo terror das mídias, a autoestima pela comparação com ilusões e perfeições da internet e a noção de quanto os humanos estão recebendo cada vez mais empregando menos esforços; que o diga a confecção de palestras, monografias e estudos feitos pela inteligência artificial. O Homo sapiens vai sucumbir pela inutilidade e o século será, irreversível e inteiramente, da psiquiatria e da psicologia.

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