Vereador alega que todos os juízes que condenaram Lula foram afastados de seus cargos pelo CNJ, mas a afirmação é enganosa
Apenas dois dos quatro juízes afastados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estiveram envolvidos em condenações do presidente Lula (PT), diferentemente do que afirma um post em rede social.
Enganoso
Apenas dois dos quatro juízes afastados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estiveram envolvidos em condenações do presidente Lula (PT), diferentemente do que afirma um post em rede social. São eles o desembargador Thompson Flores, que participou do julgamento do presidente na segunda instância pelo caso do sítio de Atibaia, e a ex-titular da 13ª Vara de Curitiba Gabriela Hardt, que condenou Lula em primeira instância pelo mesmo caso. Os outros dois magistrados afastados do Tribunal Regional Federal da 4ª região, que tem sede em Porto Alegre, respondem por um processo envolvendo o ex-titular da operação Eduardo Appio. A medida do CNJ foi motivada por suspeitas de irregularidades no andamento da Lava Jato, mas o plenário do órgão reviu a decisão e manteve o afastamento de apenas dois desembargadores.
Conteúdo investigado: Publicação do vereador Fernando Holiday (PL-SP) com as frases “Todos os juízes que condenaram Lula foram afastados de seus cargos pelo CNJ. Coincidências estranhas”, seguida por um emoji de palhaço.
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: Uma publicação feita pelo vereador Fernando Holiday (PL-SP) engana ao sugerir que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou todos os juízes federais envolvidos em condenações do presidente Lula (PT), sugerindo retaliação. Na verdade, apenas dois dos quatro afastados inicialmente participaram de julgamentos do presidente. Divulgada nesta segunda-feira, 15 de abril, a decisão do corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, atinge desembargadores que estariam envolvidos em diversas irregularidades cometidas na Lava Jato, mas foi revista no julgamento em plenário. O próprio magistrado pondera que a operação trouxe contribuições relevantes para o país, mas que, nas palavras dele, “descambou para a ilegalidade”.
Uma das afastadas que voltou ao posto após um novo julgamento é a ex-titular da 13ª Vara de Curitiba Gabriela Hardt, substituta do ex-juiz Sergio Moro que condenou Lula a 17 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia (SP). A sentença, de 2019, foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, assim como a do caso do triplex do Guarujá (SP), proferida por Moro em 2017. Essas foram as únicas condenações enfrentadas pelo presidente.
Segundo o CNJ, Hardt violou o Código de Ética da Magistratura ao validar a criação de uma fundação privada com recursos oriundos da operação. A iniciativa vem sendo criticada desde 2019, quando a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a nulidade do acordo ao STF, que acatou o pedido. “A ideia de combate a corrupção foi transformada em uma espécie de ‘cash back’ para interesses privados”, diz trecho da decisão do corregedor. O plenário do CNJ avaliou, no entanto, que é necessário abrir um processo disciplinar antes de determinar o afastamento da magistrada.
Também foram afastados os desembargadores Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, acatando uma solicitação do ministro Dias Toffoli, do STF. Eles foram investigados pela corregedoria do CNJ por suspeita de burlarem decisões da Suprema Corte em processos da operação que implicam o empresário Raul Schmidt Felippe e o advogado Tacla Duran. Ambos seguem afastados, apesar da revisão em plenário.
“Ao decidirem pela suspeição do juiz federal Eduardo Appio, impulsionaram – com consequências práticas relevantes – processos que estavam suspensos por força de decisão do eminente ministro Ricardo Lewandowski e utilizaram-se, como fundamento de decisão, prova declarada inválida pelo ministro Dias Toffoli”, diz a decisão de Salomão.
Thompson Flores também esteve envolvido no julgamento de Lula pelo caso do sítio de Atibaia na segunda instância. Já no processo do triplex do Guarujá, nenhum desembargador que atuou no julgamento de Lula na segunda instância foi implicado na decisão do CNJ. Todos eles ainda fazem parte do TRF-4.
O atual titular da Lava Jato, Danilo Pereira Júnior, que havia sido retirado do posto na decisão inicial por suspeita de irregularidade no caso do juiz Eduardo Appio, retornou ao cargo após novo julgamento. “No caso concreto, não existe nenhum fato contemporâneo para se tornar urgente o afastamento”, sustentou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) se manifestou sobre a decisão do corregedor nacional de Justiça. A entidade disse que recebeu com surpresa a notícia de afastamento de magistrados vinculados ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região e classificou a medida como “inadequada”.
“O afastamento cautelar de qualquer magistrado reclama motivos de natureza extremamente grave, além de contemporaneidade aos fatos, ainda mais quando determinado de forma monocrática, situações que não se verificam no caso em debate”, diz trecho da nota.
Procurado, Fernando Holiday disse que o intuito da postagem é “gerar uma reflexão sobre as similaridades dos ocorridos com a Operação Mãos Limpas, na Itália, e a Operação Lava Jato, no Brasil”. Segundo ele, “a punição dos juízes tanto tempo depois do ocorrido pode transmitir uma mensagem equivocada sobre as consequências de combater a corrupção no Brasil”.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até a publicação deste texto, o post somava mais de 136 mil visualizações.
Fontes que consultamos: A verificação foi feita a partir da consulta à decisão do CNJ sobre o afastamento dos juízes federais e também de notícias sobre o fato. Além disso, também consultamos o histórico de decisões da Lava Jato nos sites do TRF-4 e do STF.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A Operação Lava Jato já foi objeto de outras verificações do Comprova. Em 2022, um vídeo usou declarações antigas de Deltan Dallagnol para afirmar que Lula poderia perder a candidatura por conta da operação. O Comprova também já publicou um texto explicando o que foi a Lava Jato.
Atualização: Esta verificação foi atualizada em 18 de abril com informações do julgamento no Plenário do Conselho Nacional de Justiça que, por maioria de votos, anulou o afastamento da juíza Gabriela Hardt e do juiz Danilo Pereira Júnior, que atuaram na 13ª Vara Federal de Curitiba; e manteve o afastamento dos desembargadores do Tribunal Regional da 4ª Região, Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima.
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