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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
COLUNA DO KARDEC

A relação entre Inteligência Artificial e Neurociência

Falamos sobre a relação entre a neurociência e a inteligência artificial.

Allan Kardec

 
 

Hoje talvez enfrentaremos um tema um pouco árido. Mas como muita gente me pergunta sobre inteligência artificial (IA), tentarei organizar, em poucas linhas, o seu conceito. Creio que a neurociência tenha sido, historicamente, a maior fonte de inspiração para o desenvolvimento da IA nas últimas décadas. A compreensão dos processos cerebrais e da cognição humana influenciou diretamente o design e a implementação de algoritmos e arquiteturas de IA. 

A história das redes neurais artificiais (RNAs) remonta aos primeiros dias da computação. Inspiradas na estrutura e funcionamento dos neurônios biológicos, as RNAs são um dos pilares da IA moderna. Elas simulam a forma como os neurônios interagem no cérebro, permitindo que a máquina aprenda a partir de dados de entrada e melhore seu desempenho ao longo do tempo. 

A Ciência é trabalho de longo prazo. De fato, o conceito de redes neurais foi introduzido pela primeira vez por Warren McCulloch e Walter Pitts em 1943. Na década de 1950, o psicólogo Frank Rosenblatt expandiu aquele modelo e criou o “perceptron”, uma rede neural artificial capaz de realizar tarefas simples.

No entanto, apesar do entusiasmo inicial, o interesse pelas RNAs diminuiu, nas décadas de 1960 e 1970. O perceptron foi incapaz de resolver um problema lógico simples e a pesquisa na área foi desfinanciada.

O interesse pelas RNAs foi reavivado com o trabalho de David Rumelhart, Geoffrey Hinton e Ronald Williams, mas só na década de 1980. O algoritmo proposto permitiu o treinamento eficaz das redes neurais superando muitas das limitações anteriores. 

Na década de 1990, as RNAs começaram a ser aplicadas com sucesso em diversas áreas, como reconhecimento de padrões, processamento de linguagem natural e visão computacional. Dois aspectos definiram a evolução: o aumento da capacidade computacional do mundo e a disponibilidade de grandes conjuntos de dados. 

Da mesma forma que o cérebro humano, os neurônios artificiais aprendem melhor com muitos exemplos. Se você mostra várias cadeiras, em diferentes ângulos e de diferentes formas, a RNA vai aprender com mais facilidade a distinguir uma cadeira em uma imagem em uma sala. A mesma coisa acontece com um rosto que o seu celular localiza quando você tira fotos. 

No entanto, foi a grande capacidade computacional que garantiu o que hoje testemunhamos, por exemplo, no ChatGPT. A primeira proposta de McCulloch e Pitts só tinha um neurônio. Agora elas possuem trilhões e o seu processamento exige datacenters gigantescos, com estruturas enormes.

Hoje, os principais laboratórios de pesquisa de IA estão enfatizando a ampliação de arquiteturas complexas para alcançar sistemas neurais artificiais ainda mais poderosos. Esse foco na engenharia está impulsionando o desenvolvimento de modelos avançados de IA com recursos aprimorados, com a consequente exigência cada vez maior de fornecimento de energia.

O professor Shun-ichi Amari, meu tutor no Brain Science Institute, no Japão, onde fiz o Pós Doutorado, fez contribuições significativas para a teoria matemática das redes neurais artificiais.  Amari é conhecido por seu trabalho na década de 1970 e 1980, onde ele introduziu conceitos como a geometria de informação, que fornece uma estrutura matemática para entender a dinâmica e a otimização em redes neurais. Essas ideias são fundamentais para a teoria por trás do treinamento de redes neurais.

As redes neurais artificiais continuam a ter uma forte inspiração no cérebro humano. Por exemplo, uma extensão das RNAs, as chamadas “redes neurais profundas”, foram inspiradas pela ideia de hierarquias de processamento no cérebro. Essas redes possuem propriedades que permitem a extração de características complexas dos dados, o que tem sido fundamental para avanços em áreas como visão computacional, processamento de linguagem natural e reconhecimento de fala.

Inspirados pelo mecanismo de atenção seletiva do cérebro humano, os modelos de atenção foram desenvolvidos para melhorar o desempenho de sistemas de IA em tarefas que exigem foco em partes específicas dos dados de entrada. Baseados nos princípios de recompensa e punição que regem o aprendizado animal, o aprendizado por reforço permite que os algoritmos de IA aprendam a tomar decisões otimizadas por meio da interação com o ambiente e da recepção de feedback.

A busca por avanços impulsionados pela engenharia em IA também influenciou a maneira como a pesquisa em neurociência é conduzida. Por exemplo, o uso de métodos de IA em pesquisas cerebrais é visto como um "fruto de baixo custo" que impactou a direção da pesquisa em neurociência em instituições como o Google DeepMind.

Apesar do foco atual da engenharia, há reconhecimento do valor da integração de insights da neurociência na pesquisa de IA. Alguns pesquisadores argumentam que a peça que falta nos métodos atuais de IA pode vir da pesquisa básica em neurociência, sugerindo um potencial de convergência futura entre esses campos.

Ao longo das últimas décadas, a interação entre neurociência e IA tem sido bidirecional, com avanços em uma área frequentemente inspirando novas pesquisas na outra. Essa sinergia continua a ser uma fonte rica de inovação e progresso no campo da inteligência artificial e da neurociência.

 

 

Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

 

 

 

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