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COLUNA
Sônia Amaral
Sônia Amaral é desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Sônia Amaral

Maconha X Tabaco

Esse é um tema recorrente na sociedade, cuja intensidade depende muito da fase, legislativa ou judicial, em que se encontram os debates.

Sônia Amaral

Muito tem se falado e debatido sobre a liberação ou não da maconha, tanto para uso medicinal, quanto para uso recreativo. Esse é um tema recorrente na sociedade, cuja intensidade depende muito da fase, legislativa ou judicial, em que se encontram os debates.

Vamos tentar refletir por partes em relação a esse tema, porque na atualidade, diante da possibilidade do STF levar à votação processo que visa a liberação para consumo, o momento se mostra oportuno ao debate. 

Adianto que nutro concordância com a possibilidade de liberação para uso medicinal, porque poderá trazer solução ou melhora na qualidade de vida de pessoas acometidas de algumas enfermidades. 

É importante lembrar, que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Veja, a papoula, matéria-prima para a fabricação de opioides, usada como fármaco analgésico e que também serve para fazer a heroína. Portanto, se é possível se usar de forma correta a papoula, apesar dos malefícios da heroína, por que a maconha não pode seguir a mesma regra? 

Todavia, confesso, não tenho uma ideia conclusiva sobre o uso da maconha para fins recreativos. Tenho lido posições prós e contra a liberação da maconha para fins recreativos e encontro justificativas plausíveis nos contra mais que nos prós. Nesse contexto, quero acrescentar ao debate um argumento contra pouco debatido, mas cuja conclusão que chego, de certa maneira, é pela liberação, desde que seja modulada. Confuso? Leia até o fim.

Segundo indicam estudos realizados por pesquisadores do Dana-Faber Cancer Institute, sediando em Boston-USA, a fumaça do cigarro/cachimbo/bog de maconha concentra no organismo humano níveis elevados de naftaleno, acrilamida e acrilonitrila.

Estudos apontam que a acrilamida e a acrilonitrila são cancerígenos; e que o naftaleno causa diversos efeitos adversos no organismo, tais como  dor abdominal, diarreia, cefaleia, confusão mental, taquicardia e outros.

Tais componentes tóxicos também existem no cigarro comum, de tabaco, ao que se pergunta: Por que no cigarro de maconha essas substâncias não fariam o mesmo mal? Há alguma justificativa plausível que diga que na maconha, diferente do tabaco, tais substâncias produzem resultados diferentes? 

Apesar de não ser uma cientista, a lógica autoriza-me responder que, por conta de tais toxinas presentes na fumaça produzida pelo cigarro/cachimbo/bog de maconha, a exemplo do que acontece com os cigarros comuns de tabaco, os malefícios serão iguais. 

Alguns dirão: então é válido liberar para produção de outros produtos possibilitados pela maconha, como bolos, bolachas, balas etc, como já fazem outros países, proibindo o uso recreativo na modalidade de fumo. Creio que a resposta mais apropriada ainda não é chegada, mas a  levar-se em conta o que acontece com o tabaco, é necessário ainda realizar muitos estudos para se ter uma melhor segurança no consumo em outras modalidades. 

O agricultor que planta tabaco adquire inúmeras doenças em face do manuseio da folha, dentre as quais destaca-se a conhecida a “doença da folha verde”, que consiste na intoxicação por nicotina da absorção pela pele dessa substância durante a colheita. 

E a maconha, já temos estudos robustos afastando a possibilidade similar de aquisição de doenças pelo simples contato com a folha? Creio que não. 

Além disso, não podemos tentar tapar o sol com a peneira e desconhecer que a) culturalmente o uso recreativo da maconha, na maioria esmagadora, é pela inalação da fumaça produzida pela queima do cigarro/cachimbo/bog e b) quem e como se fiscalizaria o uso apenas em outras modalidades? 

Feitas tais considerações, que se somam a outras dúvidas, penso que o mais recomendável seria tratar o consumo da maconha recreativamente como outrora se tratou o consumo do cigarro de tabaco. Noutros termos, pode-se até liberar, mas nós, governo e sociedade civil, temos de nos comprometer com uma vasta e intensa campanha de condenação e limitação dos espaços de uso, a exemplo do que se fez com o cigarro. 

Não faz muito tempo que a sociedade, tomando ciência dos malefícios do cigarro de tabaco, promoveu uma verdadeira cruzada contra o consumo. Aquilo que antes era endeusado por artistas em filmes e novelas, chegando mesmo as crianças a serem incentivadas a fumar a partir da comercialização do cigarro feito de chocolate, passou a ser tratado da forma correta como um grande mal à saúde. Com isso, de um cenário de consumo elevado, chegamos a índices residuais, quando comparados ao quadro anterior, sendo proibida a utilização em diversos espaços. 

Chamo a atenção, pois o que vejo hoje, igual ao que aconteceu em tempos de antanho com o cigarro, é o verdadeiro endeusamento do consumo recreativo, sem levar em conta os males que causam ao organismo humano.

Chega-se a aceitar com naturalidade uma “Marcha pela maconha” e isso é impensável de ser naturalizado se fosse o cigarro de tabaco. Chega-se ao ponto de glamorização nos filmes de Hollywood, sendo quase impossível não ter alguém fumando um cigarrinho de maconha na tela. Chega-se a sentir o cheiro e ver jovens fumando abertamente e com um ar meio blasé, principalmente em grandes capitais do país. 

Grosso modo e com base somente nessa linha argumentativa – uma vez que há outros argumentos contra consistentes – penso que, se não criminalizamos o tabaco, também não devêssemos criminalizar o consumo recreativo da maconha. Desde que – e isso é inegociável – façamos o mesmo trabalho de demonização do uso da maconha, tal qual feito em relação ao tabaco. 

 

 

 

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