Os bebês e a música
Falamos um pouco sobre a musicalidade dos bebês e sua influência na linguagem humana.
Eu não conhecia as “paradas” em línguas até chegar no Japão e ser corrigido na pronúncia. Só então vi que línguas que utilizam paradas e sons longos são fascinantes pela forma como esses elementos fonéticos moldam a estrutura e o ritmo da fala. As paradas, também conhecidas como oclusivas, ocorrem quando o fluxo de ar é completamente bloqueado por um breve momento durante a articulação. Os sons longos, por outro lado, são caracterizados por uma duração estendida de uma vogal ou consoante.
No japonês, cuja cultura e povo ganharam minha eterna gratidão e admiração, a duração da vogal é crucial para a distinção de palavras. Uma vogal longa é frequentemente indicada por como o som repetido de “a” para “aa”, como se fosse uma exclamação. O japonês também possui uma parada glotal, conhecida como sokuon, que é usada para criar um som de consoante abrupto e curto.
Aprender japonês me deixou intrigado pela capacidade humana de inventar, inverter e trabalhar os sons. O ritmo na língua! A influência do ritmo e da música nas diversas línguas do mundo é um aspecto fascinante da linguística. Esses elementos sonoros não apenas enriquecem a expressão cultural, mas também moldam a forma como as línguas são faladas e percebidas. Nós, por exemplo, falamos usando as sílabas tônicas com algo belíssimo como uma proparoxítona.
Um aspecto interessante dessa reflexão é que os recém-nascidos têm uma sensibilidade notável à batida da música, o que reflete uma capacidade inata para reconhecer padrões rítmicos. Essa habilidade é parte da natureza humana e se desenvolve mesmo antes do nascimento.
Quando expostos à música, os bebês podem mostrar sinais de reconhecimento e reação à batida. Isso é evidente na maneira como eles podem se acalmar ou se animar dependendo do tipo de música. Estudos têm mostrado que até mesmo bebês prematuros respondem ao ritmo, o que sugere que essa habilidade não é totalmente aprendida, mas sim parte do desenvolvimento humano.
Henkjan Honing, professor de cognição musical na Universidade de Amsterdã, investiga as origens da música. Em um artigo recente na revista Scientific American, ele apresenta evidências de que recém-nascidos processam ritmos, sustentando a teoria de que a percepção de batidas tem uma base biológica.
Aquele estudo não só esclarece as raízes biológicas da musicalidade, mas também destaca como somos naturalmente equipados para perceber e interagir com ritmos no ambiente sonoro – algo que não é encontrado em testes com animais, segundo Honing. Assim, a música seria entendida não apenas como um fenômeno cultural, mas também como uma característica biológica fundamental, trazendo vantagens evolutivas para os humanos, compondo inclusive as características de nossa linguagem.
Integrando psicologia e neurociência com biologia e genômica, a pesquisa em musicalidade utiliza métodos empíricos para testar teorias sobre suas origens. Ela também ajuda a mostrar um ponto essencial de nossa característica: o que nos torna humanos! Este é um argumento central no debate que nos quer reduzir a meros animais que deixaram de subir em árvores – tentando justificar nossa animalidade, em vez de nos exigir comportamento equivalente à delicadeza de nosso tecido cerebral.
Em tempo: português tem música na fala quando usamos a sílaba tônica – algo que não existe em japonês, em que todas as sílabas são tônicas e iguais. Portanto, no molho shoyu, por exemplo, as duas sílabas são pronunciadas com a mesma entonação, ao contrário do Brasil que pronunciamos como se “sho” fosse a sílaba tônica. Claro, é só um comentário e uma resposta quando me veem misturando shoyu com azeite de coco babaçu na salada...
* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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