O poder e a Inteligência Artificial
Falamos sobre a nova realidade da força geopolítica da inteligência artificial.
A inteligência artificial (IA) está moldando o futuro da mesma forma que outras revoluções tecnológicas, apresentando oportunidades incríveis e disrupções significativas. Mas sua influência pode ir além, desafiando a hegemonia dos chamados Estados-nação. As entidades que dominam a IA estão se tornando atores geopolíticos de destaque, consolidando a ascensão de uma ordem "tecnopolar" onde as gigantes da tecnologia possuem poderes anteriormente só apropriados pelos governos. No cenário digital, essas empresas tornaram-se quase como nações soberanas, com a IA ampliando ainda mais seu alcance: basta ver o resultado das campanhas eleitorais dos últimos anos e das mudanças inesperadas que aconteceram.
Globalmente, os países estão percebendo os desafios apresentados pela IA e debatendo como regulamentá-la. Em 2023, iniciativas como o "processo de IA de Hiroshima" do G-7 e a proposta da Lei de IA da UE demonstram a urgência da situação, assim como o debate iniciado no Congresso Nacional do Brasil. Também houve chamadas para a criação de um órgão regulador global de IA pela ONU. Contudo, conforme apontado por Ian Bremmer e Mustafa Suleyman, em recente artigo na revista Foreign Affairs, o debate atual muitas vezes falha ao tentar encaixar a IA em moldes preexistentes. A IA não é apenas outra tecnologia - ela redefine conceitos tradicionais de poder.
O avanço da IA é vertiginoso. Para exemplificar, a evolução dos modelos de linguagem da OpenAI, como o GPT-4, mostra um crescimento exponencial em complexidade e potência. Estes modelos avançados têm progresso tão acelerado que superam previsões como a Lei de Moore. Modelos com capacidade para lidar com dezenas de trilhões de parâmetros estão no horizonte, e outros ainda maiores, com mais de 100 trilhões de parâmetros, podem se tornar viáveis em cinco anos.
Quando a OpenAI lançou seu primeiro modelo de linguagem amplo, o GPT-1, em 2018, ele possuía 117 milhões de parâmetros. Em contraste, acredita-se que a quarta geração da empresa, o GPT-4, contenha mais de um trilhão de parâmetros. A quantidade de computação necessária para treinar os modelos de IA mais avançados aumentou dez vezes a cada ano na última década. Modelos que anteriormente levavam semanas para serem treinados agora fazem isso em segundos.
A revista Science, uma das maiores do mundo tem um artigo desta semana em que afirma que uma equipe composta por 19 especialistas, incluindo cientistas da computação, neurocientistas e filósofos, propuseram uma tese de que um computador com inteligência artificial também poderia ter consciência. Eles elaboraram uma extensa lista de atributos que, quando avaliados em conjunto, esses critérios podem indicar a potencial consciência de uma IA, ainda que não tenham fornecido prova irrefutável disso.
Outra característica única da IA é sua natureza de "uso duplo", onde a mesma tecnologia pode ser utilizada para fins civis ou militares. A flexibilidade dos sistemas de IA torna suas aplicações quase ilimitadas. O mesmo software que direciona um carro autônomo pode ser adaptado para uso militar, e isso levanta sérias questões sobre controle e exportação, como visto nas restrições recentes de venda de semicondutores dos EUA à China.
O desafio posto é aquele de guiar um veículo à noite: há partes muito claras, que é a tecnológica, da fabricação e dos algoritmos. As partes escuras são as disputas e os processos de hegemonia entre as companhias e governos. Não é algo que a Humanidade desconheça. Mas é bom botar a barba de molho.
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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