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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Kissinger e a Margem Equatorial

Abordamos a exploração de petróleo na Margem Equatorial sob a ótica geopolítica.

Allan Kardec

Atualizada em 29/08/2023 às 16h01
 
 

A geopolítica estuda as relações internacionais e a análise dos fatores geográficos, históricos e sociais que influenciam a política global. Ela explora como a geografia – incluindo localização, clima, topografia e acesso a recursos – influencia a política, as relações de poder e as estratégias dos Estados e outros atores no cenário mundial.

No cerne da geopolítica está a ideia de que a localização geográfica e os recursos naturais de uma nação influenciam suas políticas externas e internas, bem como suas interações com outros países. Ela examina como as nações usam seu poder – seja ele militar, econômico ou político – para influenciar ou controlar regiões geográficas específicas ou recursos vitais, como rotas de transporte, passagens marítimas ou reservas de energia.

Neste século, questões como mudanças climáticas, globalização, ou mesmo tecnologia digital também têm um papel na geopolítica. Por exemplo, o derretimento do gelo no Ártico tem levado a novas rotas marítimas e competição por recursos, enquanto a infraestrutura digital, como redes 5G, tornou-se um ponto focal da competição geopolítica.

Henry Kissinger, com sua vasta experiência como diplomata e acadêmico, tem uma perspectiva que tem sido estudada largamente sobre como o mundo moderno foi moldado. Em seus escritos, particularmente em "Ordem Mundial", ele explora vários fatores e eventos que influenciaram a formação da ordem internacional contemporânea.

Naquele livro, a Paz de Vestfália, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, é fundamental para entendermos o mundo de hoje e, em particular, o Brasil e sua forte referência à Europa. Ele estabeleceu o conceito de soberania do Estado-nação, um princípio fundamental na política internacional até hoje.

Kissinger defende que a história europeia foi marcada por um sistema de equilíbrio de poder, em que nações se alinhavam para prevenir a dominação por uma única potência. Esse conceito influenciou significativamente a diplomacia e as relações internacionais até o século 20.

Ainda assim, a Europa e avançou em outros continentes, como a Ásia, África e Américas, invadindo e colonizando vários países para deles extrair suas riquezas. No século 20, foi epicentro de duas guerras de proporções mundiais em que a primeira foi a demonstração concreta da falência de outro Tratado, o de Versailles enquanto a segunda tirou a Europa do protagonismo internacional de hegemonia que passou a ser ocupado pelos Estados Unidos.

Ele argumenta que diferentes civilizações têm concepções distintas de ordem. O Ocidente, baseado na soberania do Estado-nação; o mundo islâmico, centrado em um conceito de Ummah global (comunidade); e a China, com a ideia de "Estado do Meio".

Kissinger teve um papel central durante a Guerra Fria, ele teve um papel crucial na aproximação entre os EUA e a China na década de 1970. Ele defendia que a incorporação da China ao sistema internacional poderia criar uma ordem mundial mais estável.

Um exemplo muito atual do contexto geopolítico é a guerra na Ucrânia, que explicitou como a posse de excedentes de energia, ou seu contrário, a dependência de energética, converte-se num fator de força ou de vulnerabilidade de uma Nação. A Alemanha, por exemplo, coração industrial da Europa, viu explicitada sua fragilidade energética, ao revelar a dependência, em 40% de sua matriz energética, de gás proveniente da Rússia. Depois da sabotagem do Nord Stream 1 e a descontinuidade do Nord Stream 2, gasodutos de 1200 Km que conectavam aqueles dois países, a nação germânica passou a depender da produção de gás americana.

Adicionalmente, é bom reconhecer que há pressão, sobretudo por parte de países europeus, pela aceleração na transição energética, fato que podemos testemunhar na mudança de escopos e de nomes de empresas petroleiras para “de energia”. Outro é que os Estados Unidos se tornaram o maior produtor de petróleo e gás do planeta nos últimos anos, ultrapassando a Rússia e a Arábia Saudita, a partir de 2015. Esses dois fatores reconfiguraram a geopolítica internacional na última década explicitada, por exemplo, no recuo estadunidense no Oriente Médio ou no aumento da dependência do Brasil de diesel e gasolina importados daquele país, nos últimos anos.

Em nossa opinião, há duas propostas hoje no Brasil sobre a exploração de petróleo e a importância estratégica da Margem Equatorial: uma que é a adesão pura e simples ao discurso que tem como eixo central o que Kissinger cognomina “projeto europeu”, enquanto a segunda é dos que abraçam um projeto nacional de defesa do Brasil e de combate à desigualdade no Arco Norte – a parte do Brasil situada acima do paralelo 16.

A primeira usa a falsa dicotomia entre questões climáticas e desenvolvimento como âncora para fomentar a dependência brasileira às tecnologias europeias, principalmente nas novas formas de gerar energia aliada à perspectiva do aumento da importação de refinados dos EUA. A segunda argumenta que o Brasil está em uma posição extremamente confortável em relação à transição energética e é exemplo para o mundo por ter desenvolvido uma matriz energética largamente renovável, enquanto pondera que a questão climática tem de andar junto com o combate à desigualdade – algo que a Europa desconhece nas últimas décadas – mas que é central para o desenvolvimento brasileiro.

Em resumo, a geopolítica é uma ferramenta analítica que ajuda a entender o comportamento dos Estados e outros atores internacionais à luz de considerações geográficas e estratégicas. Ela oferece insights sobre como a geografia molda a política global e as relações de poder. O Brasil e a Margem Equatorial não fogem à regra.

Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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