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COLUNA
Marcos Silva
Marcos Silva Marcos Silva é assistente social, historiador e sociólogo.
Marcos Silva

Saneamento básico no Brasil, do Planasa a atualidade

No início da década de 1960 com o Presidente João Goulart, um governo democrático e popular, com orientações desenvolvimentistas é estimulado a criação de empresas e organizações públicas para avançar nas melhorias de saneamento básico nos municípios.

Marcos Silva

No início da década de 1960 com o Presidente João Goulart, um governo democrático e popular, com orientações desenvolvimentistas é estimulado a criação de empresas e organizações públicas para avançar nas melhorias de saneamento básico nos municípios. O referencial institucional é o modelo da Fundação SESP (Serviços Especial de Saúde Pública) voltado a auxiliar os municípios com mais de 5 mil habitantes. Então, basicamente surgem duas concepções, uma seguida pelo estado da Bahia que vai privilegiar a atuação municipal e a outra seguida pelo estado de Alagoas e do Piauí que em 1962 que institui as empresas estaduais de economia mista, bem como o estado do Paraná no ano de 1963.

Após o golpe-civil militar de 1964, o que vai se ver é a busca da centralização dos serviços sob a responsabilidade dos estados por meio do fortalecimento das empresas de economia mista estaduais. Assim vai se construir a institucionalização de um Plano Nacional com o objetivo de criar uma postura na sociedade quanto ao pagamento das tarifas dos serviços de saneamento básico, abastecimento de água e esgotamento sanitário.

De forma que vão aproveitar as experiências das empresas de economia mista para garantir um ambiente mais rentável para um futuro mercado do saneamento. Veja o que diz Almeida (1977), “O Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) foi formulado e posto em execução pelo BNH (Banco Nacional de Habitação)”, o autor também afirma que a partir de 1971 o governo militar orienta os seguintes objetivos declarados como permanentes:

  1. eliminar o déficit no setor de saneamento básico através de programação adequada que permita atingir o equilíbrio entre a demanda e a oferta desses serviços no menor tempo com o mínimo de custo;
  2. manutenção em caráter permanente do equilíbrio atingido entre demanda e a oferta de bens e serviços no campo do saneamento básico;

c)      atendimento a todas as cidades brasileiras mesmo aos núcleos urbanos mais pobres;

d)     instituição de uma política tarifária de acordo com as possibilidades dos consumidores e com a demanda de recursos e serviços de forma a obter um equilíbrio permanente entre receita e despesa;

e)     instituição de uma política de redução de custos operacionais em função de uma economia de escala com reflexo direto no esquema tarifário;

f)       desenvolvimento de programas de pesquisa, treinamento e assistência técnica.

Com a implantação do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), as cidades com mais de 20 mil habitantes firmavam como meta o objetivo de atender até o ano de 1975 pelo menos 70% da população urbana com abastecimento de água potável. Com relação ao esgotamento, o desafio era dotar de coleta e disposição final adequada os esgotos de no mínimo 30% da população urbana.

Após o fim do PLANASA, em meados de 1980, o setor de saneamento básico passou por um processo de indefinições regulatórias. Assim as empresas estaduais majoritariamente responsáveis pelo planejamento e operação dos serviços nos principais estados e municípios passaram a enfrentar dificuldades na eficiência da prestação dos serviços.  Tal realidade fez com que essa situação terminasse estagnado o desenvolvimento das ações de saneamento e a capacidade de caminhar para a universalização.

Sem volumes de recursos e ausência de planejamento para o setor, os movimentos sociais buscavam formas de tornar esse serviço em uma política pública de Estado e tinham como bandeira de luta a universalização com financiamento público e controle social. No entanto, o que se viu foi uma constante busca das forças do capital econômico para estabelecer regras que garantisse a participação do capital privado na operação dos serviços de abastecimento de água e saneamento básico. O movimento dos capitalistas em vez de demonstrar e consolidar o interesse em parcerias, pois imprimir a ganância de dominar por todo os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

De tal forma que, conforme exposto por Abelardo Oliveira Filho (2018), no VI Congresso dos Trabalhadores Urbanitários do Maranhão, mesmo com a existência de um vazio institucional após o fim da era PLANASA, veio se constituindo mecanismos que seriam a base do marco legal do saneamento básico. A exemplo dos instrumentos tipo: Lei 8.987, de 13/02/1995 - Lei de Concessões; Lei 11.079, de 30/12/2004 – Lei das Parcerias Público-privadas - PPP; Lei 11.107, de 06.04.2005 – Lei de Consórcios Públicos, Convênios de Cooperação e Gestão Associada de serviços públicos; e por fim, a Lei 11.445, de 05.01.2007 – Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB).

Portanto, esse conjunto de leis se conforma no marco legal do saneamento básico, somado aos instrumentos legais constituídos posteriores à lei que institui a Política Nacional de Saneamento Básico. Por exemplo: Lei 12.305, de 02/08/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); Decisões do STF sobre o regime jurídico-institucional das regiões metropolitanas (ADI 1842-RJ e 2077-BA) – 2013; Lei 13.089, de 12/01/2015 - Estatuto da Metrópole. Então, se estabeleceu a tão esperada segurança institucional que o capital e o governo tanto pretendiam para expansão dos serviços e, evidentemente, a entrada do capital privado na qualidade de prestadores de serviços de saneamento na qualidade de parceiros ou concessionário.

Conforme Santos (2017), o Marco Regulatório é um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores econômicos e os agentes privados que operam serviços de natureza pública. De maneira que a origem da regulação é liberal e surge nos Estados Unidos no pós-crise de 1929, a fim de ampliar a participação do capital privado nos serviços públicos. No Brasil, aparece na Constituição Federal de 1988, como instrumento organizativo da participação empresarial nos ramos ditos como monopólio natural. Então, esse foi o caminho escolhido para os serviços de saneamento básico, em particular o abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Durante o governo Lula, fruto das mobilizações de ativistas, em especial da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), realizou-se uma intensa campanha sobre o saneamento básico como uma política pública de grande relevância para a sociedade. Tal resultado criou a expectativa de que, com o estabelecimento de normas regulatórias finalmente o país atingiria a universalização do acesso aos serviços de saneamento.

Nos 10 anos de marco regulatório os indicadores sociais do saneamento básico mostram ainda uma cruel realidade. No Brasil, o atendimento com rede de água alcança 93% da população urbana (83,5% da população total do país), isso significa que aproximadamente 14 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas não têm acesso a uma rede de distribuição de água, ou seja, um total de 35 milhões de pessoas em todo território nacional (CNI, 2017).

Combinada a essa situação e reconhecendo a fragilidade econômica de algumas regiões do país, era preciso também a composição de um instrumento que preservasse a segurança em caso de impossibilidade de pagamento por parte dos usuários, isto é, o subsídio governamental. Outro aspecto é o mecanismo de facilitação das privatizações através das concessões ou parcerias públicas - privadas (PPP). De tal forma que, mesmo o movimento sindical e social reivindicando o novo marco regulatório como um instrumento benéfico para o saneamento, porém, a essência da lei 11.445/2007 (BRASIL, 2007), traz em seu conteúdo a segurança para as parcerias públicas e privadas e a construção dos consórcios públicos, entre entes municipais como arranjo para atrair o capital privado em face da ampliação da escala econômica e as possibilidades de realização de grandes lucros.

O novo marco regulatório do saneamento básico, instituído no segundo governo Lula parece atender também às expectativas do capital privado, desejadas pelos capitalistas no início da década de 1970. Desta maneira, para os trabalhadores só restou à reconstrução de um movimento nacional que unifique as lutas em defesa do financiamento público, da universalização dos serviços, do controle social. Eis o desafio: as experiências do passado são muito importantes para precisar a ação do presente, para a construção de um futuro que assegure melhores condições de vida e de preservação do meio ambiente.

No entanto, vale ressaltar que ainda existia por parte do setor privado o desejo de ampliar a sua participação nos serviços de saneamento, dessa forma, lutam por medidas que aprimorem o marco regulatório de 2007, com o objetivo de facilitar ainda mais as privatizações dos serviços. Pois apesar do avanço da participação privada nos serviços. Ainda existia reclamações do empresariado que dizem por meio de sua Associação de Classe Social (ABCON) que o marco regulatório possui entraves para o crescimento da iniciativa privada nos serviços de saneamento básico. Também afirmam que em função dessa situação, existe um atraso na oferta dos serviços. De tal forma que a participação privada se ampliou de 3,89% para 5,83% das cidades brasileiras, ou seja, de um total de 5.570 municípios, 325 são operados pelo setor privado (ABCON, 2019).

Depois do golpe contra o governo Dilma Rousseff e a postura privatista do Temer e com a eleição do Bolsonaro em 2018 a privatização dos serviços de saneamento básico se expandir ao ponto de hoje ter 509 cidades sendo operadas pelo setor privado. Ou seja, um crescimento conforme Portal do Saneamento (2023) na ordem de 45%. A lei 14.026/2020 estimula a entrada do capital privado nos serviços de saneamento como forma única de assegurar a realização das metas de 99% de atendimento de água e 90% na coleta e tratamento de esgoto.

A postura do governo Lula é de garantir uma mediação onde se mantenha o saneamento básico enquanto uma política pública ofertada tanto pelo setor público como pelo setor privado por meio das parcerias público-privado. O desafio é construir um arranjo institucional que controle a ganância de um setor do capital privado em beneficiar toda a população brasileira que precisa de eficiência nos serviços combinados com tarifas módicas e o controle social por parte dos trabalhadores e usuários por meio de conferências e conselhos populares.

Por fim, o mais importante é ter a sensibilidade para entender que o saneamento básico é uma política pública que é transversal com a saúde pública e com a proteção do meio ambiente. Finalizo o texto afirmando que é possível uma mediação que assegure a manutenção das empresas de economia mista estaduais de saneamento básico com a participação do capital privado nas condições de parceiros, isso sem eliminar o caráter público dos serviços de saneamento básico.

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