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COLUNA
Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

A Ilusão da Previdência Eterna

Falemos então da previdência. Essa que constantemente tem passado por reformas significativas no Brasil.

Ibraim Djalma

Atualizada em 29/08/2023 às 15h18

Quase ninguém percebe, mas a maioria das imposições estatais sobre nós vem acompanhadas de um convencimento de aceitação generalizada que implicitamente nos faz achar serem obrigações existentes desde que a sociedade é sociedade.

Mentira não contada.

Para se ter uma ideia, o imposto de renda foi criado no Brasil há apenas 100 anos, em 1922. Isso num país de mais de meio século. E hoje é visto como praticamente o sustento do poder público, como se sem ele um Estado nunca houvesse existido no passado.

Isso nos gera o inconsciente de que temos que realmente pagar.

O IPVA, antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), foi estabelecido em 1969. Novinho. Tem lá seus 54 anos. Não dá nem para aposentar por idade.

A propósito, os Estados Unidos nem cobram esse imposto.

Mas temos a sensação de que sem ele as estradas seriam piores.

Tudo ditado pelas entrelinhas de informações nos repassadas cautelosamente.

A democracia então. Essa só ganhou força agora, depois das Duas Grandes Guerras Mundiais, mas parece – ou é - verdade incontestável que nos traz a conclusão subconsciente de que sempre existiu como regime durante todas as sociedades.

Por isso é preciso ampliar as visões históricas.

Falemos então da previdência. Essa que constantemente tem passado por reformas significativas no Brasil.

Para começo de conversa, apesar de ser anunciada com a idade de 100 anos - o que já a enquadra no rol dos adolescentes -, a previdência nos moldes atuais de universalidade e obrigatoriedade só foi surgir em 1960, com a Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, pela Lei n 3.807/60. 

Ou seja, tem 63 anos nesse formato.

Mas é essencial saber que, porque ela é tão nova e mesmo assim sofreu tantas mudanças, o seu período áureo já chegou ao fim em tão pouco tempo e agora dá sinais claros de sucumbência.

Historicamente, a primeira Constituição a tratar da previdência foi só agora em 1917, com a Constituição Mexicana; seguida em 1919 com a Constituição Alemã de Weimar.

O Brasil começou muito depois no cenário internacional. O que não é novidade. E veio tão empolgada que sua energia impulsiva parece que não vai durar tanto.

Os primeiros esboços previdenciários brasileiros surgiram com reconhecimento de direitos de aposentadoria a determinadas categorias de funcionários que ‘serviram a nação’, avançando depois para o sistema de caixas, de natureza privada. 

Isso mesmo, empresas ou categorias profissionais faziam uma espécie caixa para acolher seus funcionários e integrantes que necessitassem de renda para se manter enquanto não pudessem trabalhar por algum motivo alheio.

A coisa evoluiu e ganhou mais corpo com a famosa lei Eloy Chaves, de 1923, de 100 anos atrás. Mas ela se destinava a acobertar funcionários de companhias ferroviárias, as obrigando a criar Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAP.

Foi então que somente em 1960 que se criou a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, com natureza universal e obrigatória, alcançando assim uma gama mais uniforme de contemplados para evitar o cenário confuso de centenas de mini regimes que existiam antes dele.

A previdência social, junto com a assistência e a saúde, avançou a partir daí e ganhou notabilidade com a Constituição Federal de 1988. Ou seja, ainda é uma criança dando os primeiros passos na história.

Mas a gente escuta falar dela como se fosse um elemento inerente ao funcionamento do Estado, tanto quanto pensava do imposto de renda.

E aqui, juntamente com outros direitos fundamentais, ela foi instaurada num cenário de proteção máxima aos trabalhadores, com expansão ao maior número de pessoas, bem como de riscos sociais, como doença, morte, prisão, baixa renda e até mesmo funeral.

Acontece que essa empolgação tem um custo e alguém tem que pagar a conta.

Numa mistura de sistema bismarckiano, cuja base é a contributividade, e o sistema beveridgiano, com impulsos solidários típicos de países de primeiro mundo, a previdência do país em pouquíssimo tempo regozijou-se em confetes no seu apogeu, com a concessão de pensões perpétuas independente da idade ou do tempo de convivência, a figura do menor sob guarda como contemplado – com enxurrada de fraude de falsos filhos -, aposentadorias cujo cálculo incluía somente os últimos salários-de-contribuição como parâmetros, rendas mensais de 100% independente de carência ou tempo de contribuição, somadas com benefícios assistenciais cuja contributividade se desnatura por si só do seu conceito.

Universalidade e solidariedade eram a palavra de ordem. 

Ainda são. 

Só que a proclamação de direitos dessa natureza aos quatro cantos do país recebeu um choque de realidade na hora de bater as contas no fundo do escritório.

E em pouco tempo a tão orgulhosa previdência reconheceu que, embora essencial ao funcionamento da sociedade no formato atual – pós período industrial – não poderia se manter nos mesmos lindes da beleza escultural de seus discursos constitucionais.

E aí o sistema contributivo falou mais alto, impondo sequencialmente minirreformas para tentar minimizar os efeitos do gozo do apogeu temporário, mas nefelibata.

Durou pouco, bem pouco mesmo, aquela sensação de que os problemas eram só para gerações futuras e a gente já teria morrido mesmo.

Cortes cirúrgicos no cálculo da renda inicial, inclusão de mais requisitos para concessão de benefícios, diminuição no tempo de gozo e percentuais cada vez menores foram os gestos inevitáveis que redesenham e marcam a nova previdência, canalizando-a em tão pouco tempo para um cenário de garantir apenas o mínimo essencial.

Uma sucessão de regressos ao comando da contabilidade. Ou seria economia. Aqui, inimigas da utopia.

É, a montanha russa foi intensa, porém passageira e bem curta.

E já estamos de descida.

É nessa hora que dá mais adrenalina, porque o frio na barriga atinge literalmente a barriga de todos.

A previdência subiu historicamente outro dia e já começou a descer, acabando com a falsa ilusão de que ela surgiu a muito tempo e que, por isso, duraria para sempre.

Marshall Berman já dizia, tudo que é sólido se desmancha no ar.

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