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Coluna do Sarney
José Sarney é ex-presidente da República.
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Um Brasil menor

Como advogado, competente; como juiz, impecável. Isso não prejudicava a personalidade do contador de histórias de Minas, de mineiros.

José Sarney

Atualizada em 29/08/2023 às 15h43

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Éramos jovens. Nos conhecemos no Rio de Janeiro, na Rua Otaviano Hudson, onde José Aparecido mantinha uma pensão estudantil, udenista, com ramificações pela esquerda. Pertence era mais ligado a seu irmão Modesto, da UNE, onde tinha posições de liderança. Eu começava minha carreira como deputado federal, ligado a Magalhães Pinto, de quem Aparecido era secretário particular. Era um tempo em que eu chamava Pertence de “Zé Paulo”, e ele a mim de “Zé”; quando nos encontrávamos e não tinha abelhudo por perto, eu repetia os tratamentos da mocidade: “Ministro Zé Paulo”. E ele, “Excelência Zé”. Na Presidência da República tudo isso terminou. 

Pertence era uma enciclopédia de Direito. Sabia tudo, raciocinava tudo pelo lado jurídico, que aliava a uma personalidade digna, ética, honrada e sem concessões morais de nenhuma natureza. 

Como advogado, competente; como juiz, impecável. Isso não prejudicava a personalidade do contador de histórias de Minas, de mineiros. Excepcional e sedutora personalidade, amigo que não deixava esta misturar-se aos seus deveres jurídicos e a sua impecável retidão. 

Em 1960, fomos dos primeiros a nos mudar para Brasília. Ele vinha de Minas Gerais, onde fizera um brilhante curso de Direito, para iniciar sua extraordinária carreira de advogado. Tínhamos muitos amigos comuns, sobretudo no grupo mineiro, sempre coeso, entre eles Carlos Castello Branco — mineiro de Teresina —, Vera Brandt, Benedito Coutinho, Otto Lara Resende, Magalhães Pinto, José Aparecido de Oliveira e uma imensidão de amigos e, mais do que amigos, de admiradores de suas qualidades inexcedíveis. Tive a honra e a sorte de torná-lo meu amigo; sobretudo, ele tinha uma grande capacidade de dar conselhos quando solicitado. Eu muitas vezes me socorria a ele em momentos de dúvidas. 

Ele entrou para o Ministério Público e passou um tempo no Supremo como assessor de Evandro Lins e Silva. Foi cassado em 1969 pelo regime militar e voltou à advocacia dividindo a banca com Victor Nunes Leal, também ele atingido pelo AI-5 — o autor do imperdível Coronelismo, enxada e voto era então um dos grandes nomes do Supremo Tribunal Federal —, e Cláudio Lacombe, José Guilherme Vilela, Pedro Gordilho.  

Em tudo que fez na vida, José Paulo mostrou-se um predestinado. Assim, Pertence casou-se com uma extraordinária figura humana, Suely Castello Branco, pessoa de imensa bondade, formando uma família exemplar, com os filhos Pedro Paulo, Evandro e Eduardo.  

Tancredo Neves o convidou para Procurador-Geral da República, deixando-me a missão de nomeá-lo para o cargo em que teve, entre outras tarefas, a de encaminhar na Constituinte as transformações do Ministério Público da União, que ele depois repetia: Golbery dizia que fundou o SNI, um monstro, e ele, o Ministério Público, uma medusa. 

Dei a ele todo o meu apoio, mesmo quando, algumas vezes, deixou o governo em posição desconfortável. Ele cumpria o seu papel, eu, o meu.  

Em 1989 surgiu no Supremo Tribunal Federal a vaga deixada por Oscar Dias Correia — ainda um mineiro. Indiquei José Paulo Sepúlveda Pertence. Não poderia ter indicado ninguém melhor — e orgulho-me de minhas outras indicações, todos grandes ministros: Carlos Madeira, Célio Borja, Paulo Brossard, Celso de Mello.  

O Supremo era o lugar certo para o homem certo, inverto o lugar-comum para exprimir o casamento perfeito entre o homem e a Instituição. Lá ele se tornou mestre, professor e exemplo, transformando-se num dos maiores ministros que já teve o Supremo Tribunal Federal. Seu conhecimento jurídico, sua compreensão do fato julgado, sua interpretação da Constituição e do Direito, sua percepção do contraditório, sua visão de humanista, seu conhecimento da História, tudo contribuía para a perfeição do seu voto. Todos o ouviam com o respeito que se deve a um oráculo; mesmo se algum discordava, sabia que tinha pela frente uma análise difícil de superar. Com poucas exceções, seu voto era o voto vencedor. A jurisprudência saía dele mais rica — e, algumas vezes, reformada em nova e definitiva direção.  

Sua palavra foi de equilíbrio, bom senso, boa direção. Conversamos muito. Era um excelente ouvinte, mas melhor ainda contador de histórias. E tinha sempre uma pontuação inteligente, de fino e preciso humor.  

José Paulo Sepúlveda Pertence foi um homem de caráter irretocável, de absoluta integridade moral, com o mais arguto senso do que era justo.  

Embora permaneça conosco em sua figura íntegra e irretocável, fará falta. Muita, muita falta! 

O Brasil está menor.  

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