(Divulgação)
COLUNA
Ruy Palhano
Ruy Palhano é médico psiquiatra.
Ruy Palhano

Prevenir é a melhor opção

No caso particular das doenças mentais, isso não foge à regra. Todas as grandes síndromes psiquiátricas, se não as prevenirmos, se sucederão muitas vezes.

Ruy Palhano

Há muitos anos, ouve-se falar: prevenir é melhor que remediar. Expressão por demais conhecida que em um bom sentido, significa que é melhor evitar uma doença, que ter que tratá-la. Eis a prevenção, em seu sentido lato, pode ser aplicada em quaisquer atividades humanas: medicina, direito, psicologia, segurança, engenharia, economia, e em uma dezena de outras atividades profissionais. 

Em Medicina, comporta pelo menos três significados. Prevenção primária, secundária e terciária. A primária, corresponde às medidas ou ações com visam a evitar que algo ocorra que venha afetar a saúde, de um indivíduo ou a uma comunidade, por isso as campanhas de vacinação etc. A secundária, corresponde a medidas ou ações de enfrentamento à problemas já instaladas em uma pessoa ou comunidade. A prevenção terciária é mais complexa, pois exige mais medidas para seu manejo. Corresponde ao conjunto de ações que visam reduzir a incapacidade imposta por um transtorno de forma a permitir que haja uma rápida e melhor reintegração do indivíduo à sociedade, aproveitando as capacidades remanescentes.

Aplicando-se, particularmente, em Psiquiatria, a prevenção alcança esses três níveis, porém, nos dias atuais prefere-se aplica-la no sentido de evitar recaídas. Representa um conjunto de estratégia, medidas e ações, de natureza médica e psicossocial, aplicada por diferentes técnicas e métodos, com o intuito de evitar o reaparecimento de diferentes doenças mentais, posterirormente a um tratamento. Recair, portanto, é retomar, vir a acontecer, reaparecer, um transtorno que fora tratada, parcial ou totalmente. 

Em artigo anterior publicado nesse Jornal citei a depressão como exemplo de uma das doenças mentais que mais tendem a recair, apesar de todos os tratamentos a que esses enfermos se submetem. Só para terem uma ideia, quem teve uma crise de depressão na vida, terá 75% de chance de ter a segunda. Quem teve duas crises de depressão na vida, terá 50% de chance de ter a terceira e quem teve três ou mais crises de depressão, terá mais de 90% de chance de ter uma quarta crise e assim por diante.

Daí porque nos tratamentos atuais das depressões, exige-se que o médico assistente, estabeleça, desde cedo, medidas para tratar de uma crise atual e prevenir outras crises que poderão surgir, mesmo após o tratamento ter se finalizado.  Muito embora, se saiba, que os atuais tratamentos são promissores para tratar dessa doença pois os fármacos atuais antidepressores são cada vez mais efetivos, devemos sempre prevenir outras crises. Observa-se que desde os primórdios da Psiquiatria, ainda em Areteu da Capadócia, século I AC, considerava o tratamento da depressão como um grande desafio, por haver frequentes recaídas, mas hoje, por se saber que depressão é uma doença recorrente, teremos que lutar muito para evitar seu reaparecimento. 

Graças a esses conhecimentos neurocientíficos e farmacológicos atuais e baseados em evidências médicas, não se pode pensar em tratar somente as crises agudas depressivas ou de outros transtornos psiquiátricos. Deve-se pensar acima de tudo, desde o início do tratamento, em prevenir recaídas, após os enfermos receberem alta médica. Em casos de depressão, como vimos acima, chega-se ao ponto desse enfermo ter próximo 100% de chances de vir a ter muitas outras crises ao longo da vida. Só isso, ao meu ver, já seria o suficiente para se reforçar e recomendar estratégias de prevenção de recaídas para evitar esse adoecimento.

Veja que nos guidelines (orientações para se realizar os tratamentos), todos recomendam a adoção de prevenção de recaídas, independente do tratamento que seja oferecido a esses enfermos. A prevenção de recaída está sendo utilizada em muitas outras especialidades médicas, não é somente para depressão ou doenças mentais. Todas as doenças humanas que evoluem cronicamente, independentes de sua natureza, atualmente se recomenda essa estratégia para a pessoa não voltar a reapresentar a doença: doenças metabólicas, hipertensão arterial, diabetes e muitas outras.

No caso particular das doenças mentais, isso não foge à regra. Todas as grandes síndromes psiquiátricas, se não as prevenirmos, se sucederão muitas vezes. Isso ocorre com todas as condições psicóticas, entre essas a esquizofrenia, ao transtorno afetivo bipolar, outros distúrbios do humor com a depressão, síndromes ansiosas e outros, etc. 

Só à guisa de informação, a Organização Mundial de Saúde – OMS, em seu relatório anual sobre doenças mentais/2014, mostrou que 45 % dos doentes depressivos recaem por desuso ou uso incorreto de seus medicamentos (interrupção do tratamento, utilização de subdotes, reduzido tempo de tratamento, doses irregulares, etc.). Em casos de recidivas, os custos do tratamento aumentam muito e as famílias sabem bem disso. Pois, o tempo previsto de tratamento será mais longo e caro. Se impedirmos, com prevenção de recaída, que a doença reapareça, será bem melhor para todos.

A resposta aos medicamentos é muito influenciada pela condição evolutiva dessas doenças. Quanto menor número de crises melhor será a evolução, melhor será sua recuperação e melhor a resposta aos medicamentos. Como são enfermidades que evoluem cronicamente, o binômio, prevenção de recaída e tratamento efetivo, são as ferramentas mais importantes para o manejo correto da maioria das doenças psiquiátricas.

Na realidade, só há vantagens em prevenirmos a cronificação desses doentes. Quanto mais crises, mais difícil de tratar, maior tempo de uso dos medicamentos, maiores custos financeiros e piores respostas aos tratamentos e, a recíproca é verdadeira. Devemos desde cedo, portanto, recomendar prevenção de recaídas aos nossos enfermos sempre, como um dos mais importantes recursos médicos e psicossociais para enfrentarmos tais problemas. 

 

 

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