A realidade quântica
Um pouco de elucubração sobre a Mecânica Quântica.
Confesso que escrevi com um pouco de receio esse título. Me explico: qualquer coisa que use o termo “quântico” em geral encanta muita gente. E, nesse viés, enquanto há coisas sérias, da mesma forma é onde se escondem embustes terríveis.
Sempre quis escrever sobre o tema – que é extraordinariamente interessante, por diversas razões: tecnológicas, científicas ou mesmo filosóficas. Lamento, mas ainda não consegui – ao contrário de vários escritores – nenhuma razão religiosa para abordá-la. E, como um deísta convicto, essa tarefa se torna ainda mais complicada e difícil.
Explico-me, ou me explico (acho meio chato a gente ter de usar a tal da ênclise, porque algum jurista das letras disse que tinha de ser assim, mas ninguém usa): como tenho a cabeça cheia de imagens e cores, nunca consegui entender matemática sem elas: equação pra mim são figuras e imagens. Não consigo imaginar qualquer texto sem associar a ele um quadro de imagens vivas. Matemática, da mesma forma, é como desenhar ou interpretar uma pintura. Ok, entendo sua dissonância. Cada doido com sua mania.
Fernando Pessoa chegou a falar que o binômio de Newton seria tão belo quanto a Vênus de Milo. E olha que ele é um dos maiores poetas da língua portuguesa, comparado por conhecedores profundos de sua literatura a nosso querido Luís Camões que, sempre que escuto seu nome, me lembra do soneto tirado da Bíblia, mostrando o trabalho de Jacó a Labão. Aqui, na minha humildade, gosto tanto das letras do vate português escorrendo em um papel quanto dos x e y nas equações em um quadro negro. Mas é coisa minha, ninguém precisa concordar.
Abordar Mecânica Quântica em uma crônica é complicado porque é o mesmo que convidar ou incitar você, leitor, a parar de ler aqui. Principalmente porque, como disse, não vejo nada de místico ou especial no que acontece no mundo que ela aborda. Não existe, em minha opinião, remédio quântico, medicina quântica, fisioterapia quântica ou algo similar... quem quiser que abrace, mas tenho a opinião que esteja sendo enganado.
O que existe de especial está na revista Time deste mês, que ilustra nosso início: o computador quântico! Com ele, você vai conseguir em segundos o que provavelmente demoraria anos para calcular em um computador atual. Místico? Mágico? Não. Inimaginável, talvez. Como foi o avião – dos céus de onde escrevo estas linhas. Quem pensaria que conseguiríamos imitar um sabiá ou um gavião e ir acima das nuvens?
Eu acho que há, sim, algo de mágico no avião. Em tempos imemoriais, esse era o sonho de Ícaro: voar, subir e descer até o céu cair, como Biafra canta naquela música lindíssima, que é de minha época, mas ninguém queria ouvir comigo porque seria brega. Mas acho que ninguém mistura anjos de gás com fauno lunar impunemente...
Na mitologia grega, Ícaro conseguiu fazer asas e subir aos céus! Voar como nenhum ser humano conseguiu fazer. Mas usou cera como cola e o sol a derreteu... Relata-se que, no entanto, o sábio de Al-Andaluz Abbãs ibn Firnãs saltou de uma torre em Córdoba com uma asa delta e por isso é considerado o pai da aeronáutica – e não Santos Dumont, em aeroporto de cujo nome eu vou pousar daqui a pouco. Desculpas, mas é complicado não dar crédito ao inventor original, ainda que esquecido nos livros de História do Brasil - talvez porque tenha sangue árabe.
A novidade da Mecânica Quântica é que, nela, os computadores não se comunicam por bits. Acho que todos conhecemos os bits: aquela sequência de zeros e uns que são a peça chave da comunicação dos computadores em que você, por exemplo, usa para ler estas linhas. Esses zeros e uns preenchem essa tela brilhante que tenho o privilégio de que você me leia. Bem, essas novas máquinas se comunicarão por “qubits” – que são as asas de Ícaro que assusta hoje o planeta.
Aqui está a chave da confusão que é, aliás, centenária. Dois gênios da Física, Einstein e Bohr, pelos idos de início do século 20, tiveram discussões profundas e conhecidas pela turma da área. O dinamarquês Bohr defendia que um qubit é desconhecido até que alguém o observe porque, segundo ele, o mundo só existe a partir do momento que o observamos.
O que Bohr está dizendo é que só quando olhamos a tela de um computador quântico é que surgem os zeros e uns. É um mundo ao contrário de Hollywood de Lucinha Lins: ele só passa a existir se você abrir os olhos. Pelo fato de o professor ser da Dinamarca, essa teoria passaria a se chamar de “Interpretação de Copenhagen”. Ao que o alemão Einstein replicava: quer dizer que a lua não está lá até que eu a observe?
Quem fez troça também com essa ideia foi o também prêmio Nobel Erwin Schroedinger. Imagina um gato dentro de uma caixa com uma armadilha que pode apertar ou não um botão com um veneno que o matará a qualquer momento, mas não sabemos quando o mecanismo será acionado. Ele perguntou: quer dizer que o gato está ao mesmo tempo morto e vivo até que o observemos?
Complicado? Não. Novidade? Muita! Seja bem vindo! Para resumir, a matemática da quântica tem uma equaçãozinha tinhosa que amarra tudo: isso é o que se sabe de fato! O qubit ou o gato de Schroedinger estão presos nela. Assim como Bohr, Einstein e outros que interpretaram o fato de forma absolutamente diferente da turma de Copenhagen. Um deles morou no Brasil, nos idos dos anos 1950, David Bohm.
As interpretações são questionáveis, mas as equações não. Esse é X da questão. Ninguém, por certo, espera encontrar, nos computadores da IBM, Google ou Microsoft um gato meio morto ou meio vivo, mas sabe que os mecanismos computacionais funcionam – e muito bem. Equações funcionam. A interpretação? Como dizem, é ao gosto do freguês. Cada um consome a comida que se lhe apraz.
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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