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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Esparta e nós

Breve relato sobre nossa ida a Minas Gerais e o debate sobre energia.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Nas icônicas guerras médicas, dizem que Xerxes teria mandado uma mensagem ao rei Leônidas, de Atenas, falando da superioridade numérica dos persas. O mensageiro teria dito que havia tantos arqueiros e lanceiros no exército persa que quando eles disparassem suas flechas e lanças elas iriam "cobrir o sol". A resposta de Leônidas foi espartana: "Melhor, combateremos à sombra".  Xerxes insistiu: "Rende-te e entrega tuas armas!" Leônidas: "Vem buscá-las!" 

Escrevo esta crônica em Uberlândia, nas abençoadas terras mineiras, onde a Universidade Federal daqui promove um debate sobre os 200 anos de independência do Brasil. É uma mesa redonda instigante, em que especialistas abordam o tema da independência no contexto de energia, tecnologia e segurança alimentar.

Não existe independência sem soberania. E vice-versa. Já falei aqui e retomo a afirmação: a guerra que sacode o mundo hoje é por energia! Não foi da Ucrânia, mas da Europa Ocidental que a Rússia cortou o fornecimento de gás. Essa é uma das partes do complexo problema.

Vamos aqui dar uma pausa e olhar os continentes. Como fica a configuração depois da guerra? Ora, o continente europeu não é autosuficiente em energia. Quem vai fornecer pra eles? Ou será o próprio Oriente Médio, ou virá dos Estados Unidos – país que se tornou o maior produtor de petróleo e gás do planeta na última década! Por outro lado, está claro que a Rússia vai aumentar seu comércio com os dois maiores países da Ásia: China e Índia. Ou seja, o mercado tá garantido.

Nesse cenário, como o Brasil se coloca? Bem, nós somos autossuficientes em energia, mas continuaremos nas próximas décadas? Ademais, com a pauta descabonizadora do planeta com a transição energética, como estamos? 

Vamos dar uma olhada na nossa matriz energética. De acordo com o Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional 2021, da Empresa de Pesquisa Energética está dividida em petróleo (34%), biomassa (16%), hidráulica (11%), gás natural (13%), carvão vegetal (9%), carvão mineral (6%), nuclear (1%) e outras renováveis (9%).  

Conta simples: 59% de nossa matriz é renovável! Algum outro país é tão exuberante? Dê uma olhada na matriz mundial, para comparar. Ora, se nós conseguimos furar em águas profundas e ultra profundas, ou seja, entre 4 mil e 7 mil metros em alto mar, nós também fizemos o etanol de 2ª geração. Por conta dessa característica, a Califórnia começou a importar daqui, por conta das exigências ambientais.

O Brasil investiu muito em tecnologia e continua sendo ousado em muitas ações, por exemplo, para mitigar as diferenças regionais. Outro dia a imprensa noticiou amplamente a criação de um “MIT da Amazônia”, inspirado na maior escola de engenharia dos EUA, o Massachussetts Institute of Technology (MIT). Seria para fazer investimentos em biotecnologia. 

Em 2006, um grupo de pesquisadores, em que me incluo, criamos o primeiro curso em rede do Brasil: a Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO). Logo após, colegas construíram igualmente a do Norte: BIONORTE. Pois bem, só dessas iniciativas, já formamos quase 1000 (hum mil!) doutores acima do paralelo 16 do Brasil, ao norte de Brasília, no Arco Norte. Trabalhos, patentes e publicações de alto nível surgiram de mentes brilhantes da região.

Não precisamos tirar ninguém de suas casas, usamos tecnologia que foi muito utilizada na pandemia: o ensino remoto, a videoconferência. A RENORBIO tem dezenas de patentes da biotecnologia dos produtos de nossa terra: erva cidreira, casca de caju, boldo e tantas outras. Por exemplo, em nosso grupo, temos várias teses de doutorado, entre elas a do uso de folha da goiabeira no tratamento da candidíase.

A mesa de debate foi conduzida pelo professor Wolfgang Lenk e o público eram professores e alunos da História e Economia. Os colegas e mostraram o momento dificílimo que passamos na educação, ciência e tecnologia: regredimos os investimentos em C&T aos patamares do ano 2000! E também retornamos ao mapa da fome.

Falei que precisamos, os professores e pesquisadores, termos voz ativa na sociedade. Pautarmos os diversos debates e não ficar a reboque de interesses outros. E que o Norte e Nordeste querem opinar sobre seus destinos. Não nos incomoda que os brasileiros, a partir do Rio de Janeiro ou Brasília digam como vão ser os investimentos na Margem Equatorial. Mas gostaríamos de participar dos debates e sermos consultados sobre ações que nos afetam diretamente.

Frequentemente ouço “lá na Amazônia”, “lá no Nordeste”. Temos testemunhado, por experiência própria, o sucesso que são as redes. Construímos, por exemplo, outra na área de engenharia aeroespacial, com enorme sucesso! E agora, estamos trabalhando a Rede Amazônia Azul, com grandes especialistas do Brasil inteiro, professores e pesquisadores de renome internacional, para enfrentar o debate sobre a Margem Equatorial.

O Brasil inteiro consome menos combustíveis que o Estado da Califórnia. Ou seja, somos relativamente pequenos no concerto internacional. Mas nosso país tem demonstrado força, ousadia e uma imensa capacidade de resiliência perante as adversidades internacionais. Como Leônidas, creio que a defesa de nossos interesses, soberania e sobrevivência está na unidade, em caminharmos juntos rumo a um único objetivo: o desenvolvimento nacional.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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