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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Wabi-sabi

Conversamos um pouco sobre o mundo oriental e como o Maranhão pode ser beneficiado.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

Saudade é uma palavra que nós brasileiros nos orgulhamos afinal, dizem os especialistas que ela é um produto nosso, como é a juçara. As palavras traduzem o espírito de um povo, revelam a alma de uma nação, garante a identidade. Quando estudei no Japão, os colegas de diferentes países costumávamos fazer um exercício do que nos identificava enquanto povos. 

Wabi-sabi é uma delas. Talvez seja a melhor tradução do espírito japonês e sua visão do mundo. Você a encontrará na estética traduzida nas artes, na língua, nas relações e, portanto, no dia a dia, seja em Kyoto, Nara, Tokyo ou Nagoya. Nessa visão, o belo é identificado como imperfeito, transitório e incompleto. 

Wabi-sabi tem uma fundamentação no Zen Budismo, que é uma versão dos ideais que vieram da Índia via China e Coreia e atravessaram o Mar do Japão, inspirado nos ensinamentos de Sidarta Gautama. A grande busca do extraordinário Buda é uma jornada para dentro de si mesmo. O Zen Budismo, na minha visão, é um movimento ousado para a tão sonhada iluminação, fazendo perguntas como, por exemplo, “qual o som de uma única mão batendo palmas?” – os famosos koans.

A transitoriedade, ou seja, a certeza da mudança e do dinamismo do mundo lá fora tornou a relação com a natureza do povo japonês muito pragmática. Lembro que os presentes que se leva para uma visita são preferencialmente comidas – doces, bolinhos, bebidas. Um país moldado pelas lutas entre os Samurais e senhores por centenas de anos ensinou seu povo a ver o mundo como impermanente. E comer é importante – mas transitório. 

E sempre me admira ou talvez me encucam as réguas que se medem os orientais. O Japão é uma pequena ilha a leste da China, da Mongólia ou Coreia. Nós, que fomos formados na filosofia de Aristóteles, que foi discípulo de Platão que, por sua vez, foi de Sócrates, parece-me, que temos uma régua universal. E tenho a impressão que medimos a qualidade e tamanho do Oriente de acordo com nossos valores, com nossas opiniões, com nossas heranças.

Há menos de um mês, os preços no atacado de gás e eletricidade na Europa atingiram o maior valor de todos os tempos, ou seja, uma explosão nos preços da energia, devido à dependência europeia do gás russo. O efeito dominó desse aumento nos vários produtos como alimentação, roupas, etc, levarão à recessão, confirmando uma miopia coletiva dos governantes europeus em relação à guerra.

E onde moram as esperanças do Ocidente? Segundo o Financial Times, na China, que é a maior comprador mundial de gás natural liquefeito. Interessantemente, a China está revendendo algumas de suas cargas excedentes para a Europa. Nos seis primeiros meses do ano, as importações europeias cresceram 60%, em termos anuais, permitindo uma taxa de ocupação de armazenamento de gás para 77%. Os jornais noticiam que a China pode ter revendido cerca de 4 milhões de toneladas, equivalente a 7% das importações de gás europeu de janeiro a junho. Estima-se que muito desse gás venha exatamente da Rússia! 

Por que miopia? Talvez antes disso, caiba a pergunta: antes do tensionamento que desaguou na guerra, os países europeus fizeram os cálculos da absurda dependência energética da Rússia? A Europa não é autossuficiente. E agora, vai depender de quem, dos Estados Unidos? Enfim, por que os países fizeram esse movimento? Uma guerra é sempre a última solução, por que incentivá-la? O que a Europa calculou como ganhos eventuais no pós guerra? 

Será que há algo mais profundo?

Parece que sim. As respostas de estudiosos e especialistas para as minhas perguntas acima sobre o fato, por exemplo, de a Alemanha jogar fora dois gasodutos, um construído, o Nord Stream 1, e sua duplicação, o Nord Stream 2, em vias de inauguração, além do fornecimento de gás, foi o grande ressentimento com a Rússia. Mais especificamente: russofobia. As guerras deixam mágoas profundas na alma dos povos: avós torturados ou assassinados, estupros, enfim, toda a insanidade da caixa de Pandora.

Mais ainda, a ascensão da China provocou um movimento agressivo por parte dos Estados Unidos, tanto no governo Trump quanto no atual, de Biden. O mundo parece caminhar para uma divisão Ocidente X Oriente. EUA e Canadá somando-se à Europa nos grandes movimentos internacionais.

Este é o momento do Brasil. Argumentei tudo isso no fundo para chegar até aqui. Nosso movimento tem de ser de fortalecimento de nossa soberania pelo conhecimento e garantia de abastecimento, seja de energia, seja de proteínas e carboidratos.

A Gasmar está fazendo um grande investimento no Maranhão, para isso tem de comprar equipamentos, vê-los funcionando, enfim, adquirir o que de melhor existe no mundo. Por isso fomos, o diretor Paulo Guardado e eu à Argentina, para analisar, in loco, uma grande planta de gás natural liquefeito (GNL) em funcionamento. Acompanharam-nos um pequeno grupo de competentes técnicos, Pedro, Gabriel e Cleidson.

O desconhecimento é muito engraçado. Por meu nome ser Allan Kardec, ouvi inúmeras piadas a vida inteira. Não é incomum eu me apresentar e a pessoa se sacudir toda simulando a incorporação de um espírito. 

Também não é raro ver alguém falando sobre o Japão – onde estudei por quase uma década – ou a China. Às vezes, são comentários que tangenciam o racismo. A melhor solução para a discriminação ou preconceito – o nome diz: pré conceito – é estudar. Viajamos pra China, em 2016, liderados pelo Governador Carlos Brandão. Trouxemos o Instituto Confúcio, e por isso temos no Maranhão ofertas de mandarim tanto pelo Governo do Estado quanto pela UFMA.

Certamente você conhece o círculo que mostramos acima que é chamado de enso – símbolo de vazio e vacuidade. “Um círculo como um vasto espaço, ao qual nada falta, nem tem muito” - são as palavras usadas no Shin Jin Mei, um texto que remonta ao século 6. Compreender o espírito oriental não só nos oportuniza o crescimento do nosso país, mas nos ajuda a desenvolver a empatia, neste momento de guerras no plano internacional. 

Wabi significa "quietude" e sabi "simplicidade” - enfim, wabi-sabi é agir, na vida diária com despojamento, austeridade e desapego, entendendo as rugosidades e asperezas do mundo como naturais.

Paz.

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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