Será arte?
Um vídeo e uma breve digressão sobre a matemática ser arte.
Caetano fez 80 anos. Acompanhado de Gil. Milton é daqui a pouco e Chico mais daqui a pouco. Que idade! Olhando aqui de fora, tem leãozinho misturado com cavalos que falavam inglês e dores imensas de separações simbolizadas em um grão!
Vamos organizar. “Gosto muito de te ver, leãozinho” é uma frase que me persegue e acalenta nos braços outra: “e meu cavalo só falava inglês”, para morrer em “o amor da gente é como um grão. Tem de morrer pra germinar!”. E ressuscitar em “o que importa é ouvir a voz que vem do coração!”
Olhando daqui de fora, aliás, de longe, a poesia, a música ou a arte lembram o mistério ou o convite a pensar daquela frase do Zen Budismo que fala que “conhecer e não fazer ainda é não conhecer”. Conseguimos viver o que pregamos? Somos realmente o amor que propagamos no instagram e em grupos e whatsapp? Enfim, sua interpretação é tão vasta quanto um velho koan – que é uma narrativa, diálogo ou afirmação que contém aspectos que são inacessíveis à razão. Por exemplo, “quando batemos as duas mãos uma na outra temos um som. Qual é o som de uma única mão?”
Falo isso porque trouxe um vídeo para mostrar na coluna de hoje. Mas a questão subjacente que me ocorreu é que a matemática também é pura arte, assim como a música de Chico ou os quadros de Picasso! Espere. Sei que falar de matemática é chato, mas não pare de ler o texto, porque só vou falar dos encantos dessa Ciência e não de suas equações. Aliás, o querido Fernando Pessoa tem um poema afirmando que o binômio de Newton é tão belo quanto a Vênus de Milo.
Einstein propôs em 1905 a Teoria da Relatividade. Mais de um século depois, ainda deixa muita gente sem entender as suas consequências. Quando a propôs, ele não pensava em equações, mas sim organizava o raciocínio em termos de “experimentos de pensamento”. Deixe-me explicar. Antes de 1905, ele relatou que se imaginava montado em um raio de luz! Essa elocubração revolucionou o mundo, mas acho que qualquer poeta roubaria prazerosamente essa imagem: o cavaleiro do raio de luz!
Só depois disso, o pensamento dele virou equação. A turma que viu o artigo ficou encantada! Por quê? O sentimento de quem gosta de matemática é esse mesmo: deslumbramento quando alguém consegue colocar uma ideia no papel de forma tão resumida que cabem em duas ou três letras – afinal, uma equação é um conjunto de letras, em uma linguagem que transmite ao interlocutor uma ideia. De tão bela a arte, o cientista repetiria Michelangelo e gritaria “Fala, Moisés!”
Qual a diferença dessa ideia e de se olhar um quadro de Jackson Pollock, por exemplo? Um deles está ilustrado ali acima. Bem, as suas pinturas são aquilo que os cientistas chamam de “fractais”. O termo fractal foi utilizado pela primeira vez pelo matemático polonês Benoit Mandelbrot, em 1967, que por sua vez deu esse nome baseado no adjetivo latino fractus e no verbo frangere, que quer dizer quebrar, fraturar. Muitas formas na natureza são aproximadas por esta geometria.
Um fractal é uma figura que é auto semelhante: imagine que você observa uma floresta. Faz um zoom e vê algumas árvores. Outro zoom e enxerga as folhas. Bem, o que acontece é que há algo que se repete em todas as imagens: a forma de galhos. Você descobrirá que as ramificações tanto da floresta quando das folhas são formas que se repetem. O mesmo acontece com o trabalho de Pollock! O grande artista descobriu que nos agrada ver esses padrões repetitivos!
Descobrir geometria e encontrar matemática olhando a paisagem, as árvores ou um grão de trigo é uma sublimidade que traduz a beleza extraordinária do pensamento humano. Dito isso, convido você a assistir ao vídeo, para ver como a organização de fungos sugeriu um padrão para a logística do metrô de Tóquio!
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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