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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

A Consciência

Podemos esperar que computadores se tornem conscientes?

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 
 

O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo! De fato, onde falta dinheiro, sobra bom senso. Até em confusão e briga todos se acham com razão e, obviamente, têm bom senso. Aliás, a frase é de René Descartes, o filósofo francês que deu o pontapé inicial para organizar o que hoje chamamos de Ciência. 

Será que Phineas Cage também tinha bom senso? Ele é um caso clássico da neurociência. Em 1848, uma explosão acidental atirou uma barra de ferro de um metro contra sua cabeça. Como uma flecha, penetrou pelo lado esquerdo da testa, saindo pelo topo da cabeça. A parte da frente do lado esquerdo de seu cérebro foi completamente danificada, uma área que hoje é chamada de lobo frontal.

Apesar do acidente, ele nem chegou a perder a consciência. Sua espantosa recuperação impressionou a comunidade médica da época. Depois de dez semanas, ele já estava trabalhando, mas nunca mais foi o mesmo. Segundo os relatos, ele tinha se tornado grosseiro, irreverente, violento e impaciente, mostrando pouco respeito por seus companheiros. Até o final da vida, ele nunca mais conseguiu se manter em um emprego.

Quase dois séculos depois, a neurociência avançou extraordinariamente. Ao ponto de hoje os especialistas entenderem que aquele lobo frontal é onde se aloja o que se chama de córtex pré frontal que é a área responsável pela censura do cérebro. Ou seja, lá é onde ele deixa ou não passar determinada informação. Em outras palavras, é um “filtro”. 

Não vou entrar em detalhes, mas o córtex pré frontal tem várias outras importantes funções como uma parte fundamental no aprendizado, de todos os tipos. Seja matemática, português, geografia ou tarefas que não ensinam na escola (ainda), como amar. 

O caso de Phineas Cage e outros tantos em que o cérebro foi afetado em acidentes serviram para uma área da Ciência em que se estuda a consciência – talvez um dos mais desafiadores deste século. O que é consciência? O que nos faz seres conscientes? Os animais têm consciência? Essas e outras perguntas pululam nos laboratórios e nas cabeças dos pesquisadores em busca de aliviar as dores do mundo.

Talvez uma das perguntas mais instigantes dos últimos anos seja: os computadores têm consciência? No fundo, este artigo é resposta a uma provocação de alguns de leitores que perguntaram minha opinião depois que saiu a notícia do engenheiro do Google, Blake Lemoine, afirmando que o novo sistema LaMDA da Google tinha desenvolvido consciência. Será?

Roger Penrose foi orientador de Stephen Hawking, o conhecido autor de “uma breve história do tempo”, que vendeu milhões de cópias e fala sobre buracos negros, física quântica e tantas outras coisas. Penrose também tem diversos livros de divulgação científica, incluindo um recente intitulado “Sombras da mente” em que ele aborda a questão da consciência de máquinas.

Só um breve parênteses, para deixar a coisa mais instigante. O computador quântico é alvo de uma disputa acirrada entre pesquisadores chineses e americanos, de empresas como IBM e Google, e é fundamentada em um fenômeno chamado “emaranhamento quântico”. Algo que Einstein denominou de “ação fantasmagórica”, que acontece entre duas partículas. Como se fossem gêmeas, elas fazem tudo junto e se comportam igualmente, mas deixam, misteriosamente, de ser gêmeas quando alguém as observa. Ninguém tem explicação para esse fenômeno. Einstein, Bohr, Von Newman e outros grandes nomes tentaram explicar, mas nunca se chegou a um consenso. 

Entre as diversas razões para o emaranhamento quântico, Penrose e outros grandes pensadores sugerem que o que acontece seria o efeito da nossa consciência sobre as duas partículas. Talvez por isso ele tenha focado profundamente em estudar a consciência de computadores.

O que ele conclui em seu livro recente? Bem, que há os que acreditam fortemente que computadores podem simular a consciência humana e os que não o creem. Penrose está entre estes últimos. E dá inúmeras razões, lógicas e matemáticas para demonstrar que os primeiros estão equivocados.

Quais? Acredito que a principal seja fruto de uma das maiores mentes do século 20: Kurt Gödel – reconhecido como o maior filósofo ocidental depois de Aristóteles. Amigo e parceiro de debates de Einstein. Em resumo, ele mostra que há verdades que nós, humanos, reconhecemos, mas que um cálculo computacional, mesmo que seja o computador mais avançado do planeta, não conseguiria demonstrar.

Reduzir o homem a um computador fica ainda mais esdrúxulo quando se examina o fenômeno da meditação. O que acontece quando os seres humanos entram nesses estágios chamados de super consciência?

Fiz toda essa argumentação para reforçar algo que disse em outro artigo: não vejo sentido em se esperar que robôs se tornem humanos. Mas podemos nos tornar super humanos entendendo o que acontece com nossa mente, com nosso cérebro e ajudado pelas máquinas.

“Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio”...

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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