A Petrobras é reguladora de mercado?
O Brasil precisa criar regras claras para a área de refino.
“Se você só tem um martelo, tudo lhe parece prego”. Essa frase inglesa cabe bem neste momento que o Brasil passa, ou melhor, o mundo! Crise grande de energia. Para os consumidores, aumento de preço na gasolina e no diesel.
Quase todas as revistas semanais focam no tema: Petrobras. Particularmente acho estranho. Afinal, a Petrobras é uma empresa. Sim, uma estatal em que o comando é do Governo Federal e a maioria das cotas é de privados. O primeiro tem 38% e os outros 62%. Entre eles, 40% estrangeiros.
Creio que haja uma distorção gigantesca na forma de debater combustíveis no Brasil. Todas as soluções convergem para a Petrobras – o que é uma clara distorção! Não se discutem leis, falam-se de intervenções! O resumo da ópera, seja no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto ou no bar da esquina seria “qual a melhor intervenção na empresa Petrobras para baixar o preço dos combustíveis?”
Como assim? Ninguém cita leis? Normas? Resoluções? Como vamos sustentar algo tão fundamental para um país – que é a energia – baseados em intervenções do mandatário de plantão em uma empresa? Mais: como organizar um mercado que seja atrativo para os investidores e que dê segurança ao povo sem saber quais as regras a seguir?
Desde 1998, o Brasil tem as agências reguladoras, e criou um arcabouço regulatório que organiza o mercado. No caso de petróleo, gás ou combustíveis, é a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Quando você colocar gasolina no carro, olhe por favor os vários avisos afixados nas bombas. Lá tem as normas que o consumidor pode cobrar do dono do posto de gasolina – independentemente de quem seja o dono. Para o Estado brasileiro, o dono do posto é “agente econômico”.
A mesma coisa acontece com as plataformas de petróleo. Um agente econômico chamado petroleira não pode, por exemplo, queimar muito gás quando estiver extraindo petróleo em alto mar. E tem de avisar a ANP quando tem produção extraordinariamente grande. Daí que vêm os royalties: o Estado taxa e retira dividendos para distribuir para a população, via municípios, estados e os vários órgãos do Governo Federal, sejam na área ambiental ou Ciência e Tecnologia.
Vamos falar um pouco de como é estruturado o mercado de combustíveis, para eu poder argumentar mais adiante. O setor de exploração e produção de petróleo é chamado de “upstream”, enquanto o setor de distribuição e revenda de combustíveis é “dowstream”. Para eles, as regras são claras – melhor, impessoais. Qualquer um é regulado pela ANP e por isso é chamado de agente econômico.
Há um terceiro setor: o “midstream”. Esse é o setor do refino. Ele obviamente faz a conexão entre o upstream e o downstream. Nele, historicamente, só há basicamente um agente econômico e ele se chama Petrobras. Como o midstream está no meio entre a produção de petróleo e a revenda de combustíveis, ele é obviamente dependente dos dois e atua para organizá-los.
Quais são as regras que dialogam com o refino, no caso de grande produção e grandes lucros? Ou o contrário? Que garantias têm os agentes econômicos que podem fazer investimentos? Quais são as normas que os consumidores têm de seguir para planejar o pão ou o arroz no final do mês ou no ano que vem?
Infelizmente, a resposta dos gestores é: Petrobras. Ela, uma empresa e que, portanto, visa o lucro, tem de organizar um mercado! Ora, essa responsabilidade não é dela! Aliás, se o amigo leitor verificar as notícias na área de petróleo e gás nos últimos 10 anos, verá que a Petrobras quer desinvestir em refino! Ou seja, no plano de negócios da empresa, o refino é um ativo a ser descartado. Traduzindo: a empresa quer se desfazer das refinarias. Não pode?
Tenho defendido há muito tempo que o Brasil se desfaça da atitude de entender que a Petrobras é seu único martelo. Há uma semana, a empresa teve lucros extraordinários para na semana seguinte sofrer alguns prejuízos bilionários. De certa forma, nessa hora difícl, o noticiário parece uma feira em que cada um tenta prevalecer gritando mais alto ou falando mais grosso.
Há várias propostas na Câmara dos Deputados e Senado Federal. Creio que algum parlamentar, ou mesmo o Governo Federal teria de organizar essas várias propostas, discuti-las e fazer o que se chama “Marco Legal”. Por quê? Porque vão provavelmente haver projetos de leis, eventuais mudanças constitucionais e delegar à ANP a regulação, via resoluções.
O mundo está mudando extraordinariamente na área de energia. Tenho a impressão que vai haver muitas oscilações nesse mercado, nessa área. A crise no segundo semestre pode se agravar com a entrada da safra no Brasil e o início do inverno no hemisfério norte. Por isso, é urgente o Brasil se definir e se organizar. Ter leis, normas, regulação. Agora, tem de ficar clara uma coisa sobre os combustíveis: a culpa não é da Petrobras.
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
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