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COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

Sonhar mais!

Um breve relato sobre os trabalhos desenvolvidos em estudo do cérebro em cooperação entre a UFMA e UFRN.

Allan Kardec Duailibe Barros Filho

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

 

Sidarta Ribeiro é um dos cientistas mais humanos que conheço. Poderia ter dito brilhante ou genial. Mas talvez o rebaixaria porque há algumas inteligências que navegam nas profundezas do abismo do egoísmo e da insensibilidade. Há exemplos de Prêmios Nobel que conseguiram esse título graças a oportunismo lamentável.

Aqueles que navegam no barco da solidariedade e da empatia jamais perdem seu humanismo e a sua humanidade! E por isso, acho que ele entrou profundamente no estudo dos sonhos. No seu livro o “Oraculo da Noite”, Sidarta mostra que perdemos, ao longo dos anos, o interesse pelos nossos sonhos – algo que nossos ancestrais faziam regularmente! Similarmente, perdemos o interesse pelos nossos pensamentos. Não conseguimos mais observar nossa própria cabeça. Ver “como pensamos”. Ou seja, a habilidade introspectiva – a capacidade que o ser humano tem de observar seus pensamentos e emoções.

Há algumas décadas trabalhamos juntos. E a cada final dessas centenas de dias reconhecemos que não é fácil fazer Ciência no Brasil – ainda mais nestes anos turvos. Porque fazer Ciência é, em essência, formar novas cabeças, novos cérebros, renovar a alma da sociedade. Alcançar os ombros de gigantes e enxergar além das montanhas das dificuldades!

A neurociência está na fronteira do conhecimento porque nos ajuda a fazer uma viagem que a sociedade moderna se recusa em geral: para o interior! “Conhece-te a ti mesmo” estampava a entrada do Templo de Delfos na época de Sócrates. Agora temos ferramentas fundamentais para entender o processamento neuronal, de como nosso cérebro funciona – fundamental para a nossa sobrevivência assim como tratamento e cura de enfermidades. 

Nessa pegada de busca de nós mesmos, pesquisas indicam a importância do sono, por exemplo, para o reforço de memória. Uma criança que tira um cochilo depois do almoço aprende mais do que aquela que não o faz. Claro, o mesmo acontece com adultos.

Entre as funções desempenhadas pelo cérebro, a de sonhar permanece sendo uma das mais misteriosas, mas acredita-se que ela possa ter relação com o processo de fixação e eliminação de memórias. Um dos fenômenos que nos levam a acreditar na existência desta função específica do sonho é o que se chama de “resíduos do dia”, fenômeno que insere fragmentos das memórias diurnas, nos episódios de sonhos, levando o indivíduo a sonhar com eventos que tenham ocorrido recentemente ou que tenham apresentado elevada relevância afetiva.

Os resíduos do dia é uma proposta centenária de Sigmund Freud, de 1900, mas ela só foi observada em 1989 por Constantine Pavlides e Jonathan Winson na Universidade Rockefeller. Em testes com ratos, eles viram que os neurônios mais ativados durante o dia continuavam a sê-lo durante a noite, o mesmo acontecendo com os menos demandados. Ou seja, se uma pessoa teve uma experiência marcante emocionalmente, a chance de essa experiência entrar em seu sonho é muito grande! Por exemplo, se ela foi atacada por um tubarão, é provável que sonhe com ele. Se foi para a guerra da Ucrânia, a mesma coisa.

Será então que conseguimos enxergar nossos sonhos? Ler nossos pensamentos? – essas foram algumas perguntas que nossos grupos de pesquisa das duas instituições, UFMA e UFRN, fizemos. Afinal, para a Ciência, é importante ter ferramentas objetivas que meçam a atividade cerebral. Nossos estudantes de mestrado e doutorado enfrentam há algum tempo essas questões. Alguns deles trabalhando imagens de alta resolução para localização das partes do cérebro responsáveis por atividades vinculadas a sonho, memória e afetividade.

Ora, nas últimas décadas, a tecnologia evoluiu ao ponto de permitir que um cérebro pudesse controlar um computador com circuitos biológicos ligados por dispositivos eletrônicos avançados, denominados “interface cérebro-máquina”. Esses mecanismos são capazes de capturar os sinais do cérebro e controlar computadores e dispositivos diferentes, como as próteses robóticas ou games.

Se a máquina pode interagir com o cérebro, porque um cérebro não poderia se comunicar com outro, como fazem dois computadores para transferência de informação? Há vários estudos que tentam responder afirmativamente a essa questão. Embora seja um estudo ousado, mas ainda insipiente, a realidade de nossos trabalhos tende a mostrar que a resposta seja “depende”. Enquanto um computador transfere informações para outro vazio, o cérebro parece só conseguir transferir informação para outro já treinado na mesma tarefa.

Falei isso tudo porque amigos têm nos instado a discorrer sobre nossos trabalhos de pesquisa. Claro que só mencionei aqui o cérebro, mas todos os alunos de nosso laboratório trabalham em Ciência de fronteira, ainda que em diferentes áreas do conhecimento, desenvolvidos por nossos estimulados estudantes de mestrado, doutorado e pós doutorado. A maioria são mulheres, que têm demonstrado imensa ousadia e capacidade em formar equipes, além de trabalhar com ferramentas de inteligência artificial, aprendizado de máquinas e estatística de alto nível.

Vivemos um momento duro! O futuro está em jogo como nunca! Chegou a hora da emergência de uma nova consciência coletiva. A Ciência pode ser essa liga que desbrava a floresta da ignorância e garante à sociedade pensadores que consigam elaborar um Brasil melhor. Está na hora de recuperar alguns passos que foram esquecidos ou apagados convenientemente nos últimos anos. Sonhar mais!

Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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