Poluição

Mercado de carbono dá licença aos mais ricos para poluir, afirmam ambientalistas

Setor tornou-se pilar no incentivo à reduções de gases de CO².

Agência Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 11h28
Um dos temas centrais da 22ª COP22 é o o mercado de carbono.
Um dos temas centrais da 22ª COP22 é o o mercado de carbono. (Foto: Reprodução)

RIO DE JANEIRO - Um dos temas centrais da 22ª edição da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP22), que começa hoje (7) em Marrakesh (Marrocos), o mercado de carbono tornou-se pilar dos esforços internacionais para incentivar reduções de gases de CO². Um grupo de acadêmicos, ambientalistas e ativistas sociais vem questionando a supervalorização que lideranças mundiais dão à precificação do carbono como solução para os problemas do aquecimento global.

No Brasil, representantes de comunidades localizadas em regiões ricas em recursos naturais relatam sofrer com o assédio de empresas voltadas para atividades econômicas florestais.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (PA), Manuel Edvaldo Santos Matos, contou que as redes de comunidades indígenas, camponeses e populações tradicionais têm resistido à implantação de projetos de comercialização de créditos de carbono florestal na Unidade de Conservação Tapajós-Arapiuns, de mais de 640 mil hectares de floresta. Um projeto que estava sendo articulado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério do Meio Ambiente e organizações internacionais de gestão e conservação de florestas e de financiamento de negócios sustentáveis foi suspenso depois que indígenas ocuparam a sede do instituto em Santarém, em agosto de 2015.

“Tentaram impor um projeto que impede a população de exercer as atividades produtivas no território de forma sustentável. Além disso, muitos ali são nômades, a floresta para eles não tem fronteiras e precisa da terra para sobreviver”, comentou.

Na época, o projeto já contava com investimento inicial de R$ 385 mil da iniciativa privada, disse Matos. “O dinheiro não iria diretamente para as comunidades, mas para os cofres do governo. E de lá não teríamos o controle desse destino. Mas ainda não acabou. Estão retornando com essa discussão”, lamentou. “As comunidades temem ser proibidas de exercer as atividades produtivas de manejo dos recursos naturais, plantar mandioca, milho e outras culturas de subsistência. Precisamos é de regularização fundiária para acabar com os conflitos de terra, ter acesso à saúde e educação, à assistência técnica e política para a gente poder viver da nossa produção”, declarou.

O ICMBio informou que “nunca existiu qualquer projeto de geração de créditos de carbono. Apenas foi iniciada uma discussão com as comunidades sobre o tema, que não avançou por motivos diversos”.

Para a raizeira de Turmalina (MG) Lourdes Cardozo Laureano, a biodiversidade e o conhecimento não podem ser precificados. “Vemos que há uma disputa pela biodiversidade do Cerrado, que é muito rica, como também o nosso conhecimento, muito ligado ao patrimônio genético. Vemos com desconfiança essa economia verde, que prioriza o dinheiro, o valor de mercado”, declarou. “Tratamos da saúde da comunidade usando as plantas e raízes do cerrado. Conhecemos o perfil de saúde e doença das famílias, a mulher que teve parto difícil, a que o marido passou doença para ela, a família que tem dificuldade com segurança alimentar. Esse conhecimento e o uso sustentável da natureza não têm preço, mas é muito valioso”, afirmou.

Forma x conteúdo

Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Hittl, a métrica do carbono tem sido muito útil como indicador e diagnóstico do problema. “A gente analisa a concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera a partir da métrica do carbono. Assim como amostras de gelo na Antártica nos permitem percorrer a história de centenas de milhares de anos da concentração desses gases na massa de gelo. A métrica do carbono nos permite dizer que em pelo menos 4 milhões de anos nunca houve tanta concentração de carbono na atmosfera como hoje”, lembrou.

“Os padrões de produção e consumo atuais precisam ser modificados. Infelizmente, não vamos mudar as bases do capitalismo com todos os seus efeitos perversos a tempo de solucionar o problema das mudanças climáticas. Temos seis anos e dois terços de chance de limitar o aquecimento global a 1,5º. Precisamos mudar drasticamente essa trajetória”, afirmou Hittl.

O diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, argumentou que o fato de haver projetos ruins não inviabiliza a ideia original da comercialização de créditos de carbono. “Precisamos separar a forma do conteúdo. A forma realmente deve ser aprimorada, transparente, não deve ser um projeto imposto de cima para baixo”, disse. “Precisamos combater o mau uso do dinheiro, a apropriação de direitos das populações tradicionais, mas preservar a floresta e o desenvolvimento sustentável custa dinheiro. Se a forma está errada, melhoremos a forma, mas não deixemos de investir”.

A presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Suzana Kahn, acredita que o mercado de carbono pode ser muito útil se não priorizar apenas a redução de carbono. “É interessante encarecer o processo produtivo que utilize carbono. Mas é preciso criar uma série de condicionantes, determinando os projetos elegíveis para entrar no mercado e mecanismos de controle eficazes”, disse ela.

O único consenso aparente é de que justiça social e democracia forte são os caminhos mais seguros para o desenvolvimento sustentável. “Se não melhorarmos nossa democracia, com reforma política abrangente, vamos continuar discutindo, debatendo, e todos vão perder. E aqueles que sempre ganharam com a exploração predatória dos recursos naturais vão continuar ganhando”, observou Carlos Hittl.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.