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COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

A Poesia da Brevidade

Recentemente, Bianca Monteiro Garcia foi indicada como finalista do 66º Prêmio Jabuti, na categoria Escritor Estreante, graças ao seu Breve ato de descascar laranjas (2023).

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 30/11/2024 às 11h03
Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Bianca Monteiro Garcia é editora da Macabéa Edições, formada em Letras e especialista em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Além disso, é revisora, professora e pesquisadora independente de poesia contemporânea escrita por mulheres. Colabora com revistas e plataformas digitais. Em 2023, publicou o seu primeiro livro de poesia, Breve ato de descascar laranjas, pela Macabéa Edições em parceria com a Editora 7 Letras. 

Recentemente, Bianca Monteiro Garcia foi indicada como finalista do 66º Prêmio Jabuti, na categoria Escritor Estreante, graças ao seu Breve ato de descascar laranjas, um livro que reúne 52 poemas e é subdividido em quatro partes: descontinuidade de mohorovičić, crosta, manto e núcleo. Títulos esses que remetem à geologia, isto é, à ciência que estuda a Terra. Mas, para além dessa primeira interpretação, poderíamos dizer que se tratam de metáforas que escrutinam a alma humana, chegando ao seu âmago, o seu núcleo.

De acordo com Ragusa & Oliva (2021, p. 112): “A escrita de si – conceito que oferece significado para um gênero narrativo em que um narrador em primeira pessoa se identifica explicitamente como o autor biográfico – se delineia como um exercício literário típico da modernidade”. Um bom exemplo dessa escrita carregada de traços autobiográficos é Breve ato de descascar laranjas, de Bianca Monteiro Garcia, no qual a autora tece uma belíssima homenagem in memoriam de seu pai. 

O título do livro (assim como boa parte dos poemas) é um tributo ao pai da escritora, que partiu precocemente, tal como podemos notar nos seguintes versos: “descascar a laranja/ pra filha caçula gostar de ciências/ e passar de ano/ [...] explicar o movimento de rotação da terra/ [...] fazer o último movimento de rotação/ com a laranja-terra/ inacabar o ano/ não começar o próximo/ [...] pausar o movimento de rotação/ [...] naquele átimo de segundo/ suspiro breve/ leve e sozinho” (Garcia, 2023, p. 27 - 28). 

Assim, Breve ato de descascar laranjas destaca a brevidade da vida, mas também a permanência da memória, a dor do luto em contrapartida das doces lembranças vividas. Trata-se de uma obra limítrofe que transita nos limites entre a vida e a morte; a realidade e o sonho, a sanidade e a loucura. Se esse livro pudesse ser resumido em uma só palavra, ela seria: saudade, esse termo intraduzível que nos faz temer os espelhos – “desde que partiu / me vejo incapaz de/ encarar/ espelhos/ desvio os olhos/ ao perceber que/ vesti seu rosto” (Garcia, 2023, p. 17) –, pois “muita coisa morre quando morre uma pessoa” (p. 24).

Além do sofrimento experienciado após a partida do pai, a poeta tece outras homenagens a parentes próximos, apresenta a situação de vulnerabilidade enfrentada por mulheres anônimas (que representam todas e qualquer uma), e ecoa a voz polifônica de escritoras/es que desvendam nossos desafios cotidianos, a saber: Ana C., Alejandra Pizarnik, Aline Bei, Bénédicte Houart, Carla Diacov, Fernanda Laguna, Goliarda Sapienza, Izabela Leal, Leila Danziger, Margaret Atwood, Maura Lopes Cançado, Nellie Bly, Prisca Agustoni, Priscila Branco, Simone Brantes, Stella do Patrocínio, Tamara Kamenszain, Viviane Nogueira, Guimarães Rosa, Drummond, Lima Barreto, Luiz Bolognesi e Pearl Jam. 

Através de uma linguagem subjetiva e agridoce – que relata simultaneamente acontecimentos ácidos, doloridos e saudosos, mas também felizes, doces e contemplativos –, somos convidados a entrar nesse universo azul da autora. A cor azul que, aliás, também carrega um duplo significado, podendo simbolizar desde a tristeza, até a serenidade e a harmonia. Em outras palavras, não existiria uma cor que definisse melhor a poética de Bianca Monteiro Garcia. Transitando entre espelhos partidos e ruínas do passado, Breve ato de descascar laranjas é uma obra que mergulha nas profundezas da alma humana.



 

REFERÊNCIAS:

GARCIA, Bianca Monteiro. Breve ato de descascar laranjas. Rio de Janeiro: Macabéa, 2023.

RAGUSA, Pedro. OLIVA, Alfredo dos Santos. Subjetividade, Individuação e Escrita de si: aproximações teóricas entre Michel Foucault e Carl Gustav Jung. In: Revista de Teoria da História. Goiânia, v. 23, n. 2, p. 112–126, 2021.



 



 

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