(Divulgação)
COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Sinais do Mar

Sinais do Mar (2017) é a primeira incursão de Ana Maria Machado no campo da poesia.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 02/05/2024 às 17h14
Capa do livro Sinais do Mar, de Ana Maria Machado
Capa do livro Sinais do Mar, de Ana Maria Machado

Ana Maria Machado é considerada pela crítica como uma das mais versáteis e completas escritoras brasileiras contemporâneas. Ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras (da qual foi presidente nos anos de 2012 e 2013), é autora de mais de cem livros e tem cerca de vinte milhões de exemplares vendidos, publicados em vinte idiomas e 26 países. Conquistou uma infinidade de prêmios durante a sua carreira.

Sinais do Mar (2017) é a primeira incursão de Ana Maria Machado no campo da poesia. O livro reúne 19 poemas que abordam temas e intertextos referentes ao ambiente marinho. No posfácio da obra, a autora afirma: “eu sou do mar”. Talvez por isso, na capa do livro, o termo “Mar” foi destacado dentro do nome “Maria” (confira como estão configurados o título e o nome da escritora, na referida capa).

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Ainda sobre a sua relação com o mar, Ana Maria Machado (2017) explica que perante o mar, “como diante da poesia, aprendi a respeitar o que me transcende. Mas nem por isso deixo de me sentir atraída. Nessa atração me banho. Eventualmente, dou uns mergulhos. Como neste livro” (p. 55). Vejamos.

Sem subdivisões, o livro segue um ritmo leve, contínuo e melódico, próprio da poesia. Inicialmente, nos deparamos com uma “Aquarela” (poema da página 9) que possui as cores que formam a paisagem, que pintam sol e mar: azul, tons de verde e coral. Logo em seguida somos apresentados ao vento “Terral” (poema da página 11), que sopra da terra em direção ao mar ou a um rio.

Então outra característica marinha se revela, a “Salsugem” (poema da página 13), que nada mais é do que porcentagem de sal contida no mar e no ar e areia das praias. O sal é imanente ao mar, assim como a “Maresia” (poema da página 15) é o cheiro forte que se desprende das águas marinhas, sobretudo durante a maré baixa e a vazante, “é o mar que respira”.

Na “Gala Solar” (poema da página 17), a praia usa o seu “colar de pura marola”, em um “baile de sala aberta”, numa dança na qual “toda a baía enrola/ na luz que estala/solar”.

Olhando para cima conseguimos avistar uma “Revoada”  (poema da página 19) de gaivotas retornando ao seu lar. A seguir, o eu-lírico mergulha e vê uma “Arraia” (poema da página 21), após o susto inicial, a enxerga de forma poética: como uma pipa “empinada no azul molhado”.

Ao observar as ondas notamos sua semelhança com uma “Cavalhada” (poema da página 23), vários cavalos velozes que “avançam em massa/ manada em banho [...] na costa estoura/ se espraia o espanto/ retorna à baia”. Além disso, quem nunca teve a seguinte “Dúvida” (poema da página 25): “Água-viva/ quando morre/ fica sendo/ água-morta?/ Ou água só?”. Esperto mesmo é o “Siri” (poema da página 27) que para “não virar sopa/ faz boca/ de siri”.

Já o “Bernardo Eremita” (poema da página 29), também conhecido como ermitão, anda pela “imensidão do mar/ com muitas patas/ e pouca casca/ quer novo mundo/ para morar”. Mas são as “Estrelas” (poema da página 31) que se destacam no mar, com suas cinco “pontas/ cinco destinos/ [...] Cinco sentidos/ cinco caminhos”.

Na “Foz” (poema da página 33), “lagostins e pitus/ que vêm do rio” sentem muita “saudade dos barrancos/ tão carregados de lama/ que deixaram para trás/ e as águas não trazem mais”. Em um lugar próximo dali, uma pessoa faz a sua “Pescaria” (poema da página 35) com “linha e anzol/ fisga o sol/ a malha enreda/ a rede espalha”.

Anoitece, já é hora de acender um “Facho” (poema da página 37) de luz que “fatia de brilho o breu/ em pedra crua/ abre caminhos” para quem pesca/coleta à noite. Na “Maré Baixa” (poema da página 39), quando a água atinge o seu nível mais baixo, pergunta-se: “Onde anda a onda/ [...] Em que fenda se finda?/ Em que rede se enreda?/ Em que sonda se afunda?/ Onde trama sua renda/ de espuma tão fina/ de puro luar?”.

No “Farol” (poema da página 41), o “olho de Deus pisca/ Risca o céu/ Mostra o risco/ Salva sem sol”. Amanhece, e o eu-lírico reflete sobre as “Naus e nós” (p. 43-45) que vieram de Portugal deixando “infantes”, “mortos” e “amores” para trás. Muitos navegadores nunca retornaram ao seu lar, ficaram naufragados na história. A reflexão continua e o eu-poético nos brinda com o seguinte poema:

 

Primeiro Mar

Tantas páginas lidas muito antes

Tantos livros que enchiam as estantes

Tantos heróis a povoar os sonhos

Tantos perigos, monstros tão medonhos

 

Nos tempos sem tevê e sem imagem

Palavras fabricavam paisagem

 

Tesouros, mapas, ilhas tropicais,

Argonautas, recifes de corais,

Perigos na neblina entre rochedos.

Vinte mil léguas cheias de segredos,

 

Histórias de naufrágio e abordagens,

Ulisses, Moby Dick, mil viagens,

Robinson, calmarias, um motim.

Descobertas, veleiros, mar sem fim.

 

Mezena e bujarrona a todo pano,

Lonjura, escorbuto, quase um ano.

Respingos salpicando a escotilha

Vagalhões se quebrando sobre a quilha.

 

Marujos, capitães, navegadores,

Piratas, marinheiros, pescadores,

Um sextante as estrelas a mirar

No convés, som de gaita ao luar

 

Nuvens de tempestade no horizonte

Um vigia na gávea sonha um monte

A cada onda, cada tábua geme,

O timão firme vai mantendo o leme

 

Cabeça de palavras povoada

Conversas de amplidão imaginada

Mas que leitura tanto poderia?

 

Cheiro salgado a entrar pelas narinas

E a dança leve de algas submarinas

Sal azul, movimento de água fria

 

O que se leu mostrava o infinito

Só não se imaginava tão bonito

Tão pleno de surpresas e imprevistos

 

Mesmo em tantas belezas celebradas

Por todas as palavras encantadas

Por mares nunca dantes entrevistos

(Machado, 2017, p. 47-51).

 

O mar é repleto de mistérios e poesia. Traz alimento para as mesas, trabalho para muitas famílias e belezas sem fim. Encanta a todos que já tiveram a oportunidade de contemplá-lo. Nele convivem muitos animais e algas. O mar já foi tema de diversos livros da literatura mundial, como foi possível notar no poema que lemos a pouco. O mar é lar, abrigo, fúria e calmaria, faz parte de todos que vivem ao seu redor. “Mas que leitura tanto poderia” abarcar toda essa grandeza? Sem dúvida, Sinais do Mar (2017), de Ana Maria Machado.

REFERÊNCIA:

MACHADO, Ana Maria. Sinais do Mar. São Paulo: Editora Gaia, 2017. 

Sinais do Mar está disponível para venda no site da Global Editora: https://lojaglobaleditora.com.br/produtos/Sinais-do-Mar/ 

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