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COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

Os Dias de Sempre

Os Dias de Sempre (2023), de Helena Terra, é um romance que aborda os ciclos viciosos do comodismo e da indiferença.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 22/02/2024 às 16h19

Helena Terra nasceu em Vacaria, no interior do Rio Grande do Sul. É jornalista, formada pela Famecos-PUC/RS. É co-autora da novela Bem que eu gostaria de saber o que é o amor (Bestiário, 2020) e autora dos romances A condição indestrutível de ter sido (Dublinense, 2013) e Bonequinha de Luxo (Diadorim, 2020). Os Dias de Sempre (Besouros Abstêmios, 2023) é seu terceiro romance.

Ilustração: Bruna Lages Veloso
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Helena é ainda conselheira e vice-presidente da Associação Literatura Livre, do Rio de Janeiro, e faz parte do grupo de jornalistas e escritores que criou a Besouros Abstêmios, também no Rio de Janeiro. Todos os livros da editora têm parte de suas tiragens direcionada para projetos de inclusão pela leitura. Em Porto Alegre, a autora fundou, em julho de 2023, a Peripécia Editora, com dois focos: o Selo Primeiros Livros, para resgatar as publicações de estreia de diversos autores, com lançamento exclusivo em formato e-book, e a publicação física de livros de literatura contemporânea produzidos por escritores e escritoras da região Sul. 

Os Dias de Sempre (2023), de Helena Terra, é um romance que aborda os ciclos viciosos do comodismo e da indiferença, que fazem com que o tempo fique congelado, sem mudanças, que os dias sejam os de sempre. Dentre as principais temáticas do livro, podemos citar os abismos entre as diferentes classes sociais, que geram (ou anulam) oportunidades; a escravidão na contemporaneidade, encoberta pelo manto da falsa generosidade, que recompensa o trabalho duro com um teto, comida e o mínimo para sobreviver, bem como os padrões impostos pela sociedade patriarcal, machista e racista, repleta de preconceitos.

Através do ponto de vista da protagonista Mariana, cujo nome é sinônimo de soberania, somos apresentados às raízes que nos trouxeram a esse mundo “menos selvagem, mas ainda hostil”, que iniciou vários ciclos viciosos desde a colonização, um período brutal, no qual culturas e pessoas foram massacradas. “Entre crucifixos e cruzes nos cemitérios”, os nativos e escravizados não tinham voz ou poder de escolha sobre o próprio corpo/destino. Assim, eles perderam até mesmo seus nomes. Mudar um nome de uma pessoa, sem o seu consentimento, é arrancar a sua identidade, o seu lugar no mundo.

Segundo Mariana, é a necessidade de sobrevivência que faz com que as pessoas se acostumem a situações repugnantes e intoleráveis como essas. É preciso ter força para encarar a realidade. A protagonista reflete ainda sobre o modo como a sociedade trata as mulheres: como objetos mortos, sem consciência ou sentimentos. Por isso, sempre as reprimem, censuram ou silenciam.

O livro não segue uma ordem linear, clássica. O tempo é ditado pelas memórias segmentadas de Mariana: passado, presente e futuro se embaralham, sem perder a coesão. Assim, conhecemos de perto os personagens que fazem parte da vida da protagonista, desde os seus pais (Júlia e Alberto) e irmãos (que não possuem nomes, e são conhecidos apenas como “os gêmeos”), até o seu ex-namorado Marco, a sua madrasta apelidada de “Hidra”, e Nena, sua empregada doméstica, que a cuidou como uma mãe.

Essa não linearidade faz com que o leitor fique atento e curioso, na expectativa de descobrir qual caco desse espelho partido irá ver, na próxima página. Mas por que espelho partido? Essa metáfora faz todo sentido nos “Dias de Sempre”, de Helena Terra, pois como diria Clarice Lispector, em seu romance Água Viva (1973), “um pedaço mínimo de espelho é sempre um espelho todo”. Dessa forma, todos os capítulos dialogam entre si, acrescentam fatos, avançam, formam um espelho inteiro, um romance. No entanto, ao mesmo tempo, os cacos (capítulos) têm um sentido completo, autônomo, com lições e reflexões distintas. Cada caco é um espelho todo. Portanto, seja em partes, seja no todo, Os Dias de Sempre (2023), de Helena Terra, é uma leitura essencial, que desestabiliza verdades cristalizadas.

REFERÊNCIAS:

LISPECTOR, Clarice. Água Viva [1973]. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2020.

TERRA, Helena. Os Dias de Sempre. Rio de Janeiro: Besouros Abstêmios (Literatura Livre), 2023.

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